Lugrís Freire: "Umha pátria, um idioma"


Manuela Rivera Cascudo






     Na nossa história literária é mui difícil separar a defesa do idioma de um impulso nacionalista veemente e de um amor ardente à patria, a Galiza. Assim podemos abordar a época e a personalidade de Lugris Freire. Em múltiplas ocasions se tem falado e polemizado sobre a "história clínica" do nosso idioma e da nossa cultura, mas à hora de prosseguir umha trajectória espiritual entroncada com o nosso passado glorioso ou decadente, actuamos com temor, vergonha e indecisom para reconhecermos a nossa identidade.

     Era Lugris Freire um homem romántico, segundo o confirma o seu próprio neto (1), um homem que estivera a ponto de suicidar-se no momento em que perdeu a sua primeira mulher.

     Mas nom só este feito o define como um romántico. Também da sua obra poética se desprende a saudade, a melancolia, a nostalgia de aquele que emigra, entra em contacto com outras culturas e se reafirma na dele própria. Por este motivo, funda em Cuba, a finais do século XIX, o primeiro jornal galego na América intitulado "A gaita gallega" o 5 de Agosto de 1885. A sua duraçom foi breve: até o 30 de Setembro de 1889.
     De regresso à terra em 1896, desempenha o cargo de empregado administrativo de águas da Corunha. O seu fervor patriótico acentua-se ao encontrar-se com umha sociedade galega onde os grupos nacionalistas incipientes revalorizam a auto-identidade sob o princípio do Regionalismo levado a cabo já polos nossos clássicos Rosalia, Curros e Pondal.
     Deles herdou o saudosismo rosaliano coincidindo com o seu coetáneo Ramom Cabanilhas. Em Ardencias, o poeta apresenta umha chamada à mocidade galega e exprime com impetuosidade a redençom da pátria, o amor que pode sentir por ela qualquer nacionalista romántico enriquecido por umha visom saudosa da natureza. Os poemas "Amor", "Fonte de amor" som um claro reflexo da tradiçom rosaliana e de Cabanilhas. Nesta colecçom de poemas emprega o alexandrino modernista e o eneassílabo, metros próprios da poesia Rubeniana. Nom se pode dizer que na cultura galega existisse umha escola modernista como as que se desenvolveram em outras literaturas ocidentais. As nossas condiçons sociais e económicas ao serviço de umha política centralizadora nom eran propícias para fomentar umha cultura de salom adaptada a umha burguesia já assentada económica e politicamente na sociedade. Por isso, nós, na nossa história literária, nom podemos falar de umha escola modernista como a de Rubén Dario em Hispano-América a quem seguírom os autores castelhanos ou a de Baudelaire na França seguido polos simbolistas Rimbaud e Verlaine.
     Com que panorámica conta a literatura galega a princípio de século? A resposta é fácil: o estádio de língua dessa época, reduzida a um ámbito rural dá-nos a resposta. Os nossos autores quando pretendem inovar vem-se obrigados a fixar-se nas pautas marcadas polas outras literaturas porque nom existe tradiçom literária. Desta forma também se acham em um "Barco sem luces" à hora de representar graficamente o seu idioma e de eleger as formas mais correctas para o registo culto da linguagem.
     Quais som as possibilidades de um autor modernista numha sociedade profundamente agrícola e com um material lingüístico dialectalizado? Mui poucas. Assim se explica que Carvalho Calero na sua História da literatura contemporánea (p. 569) afirme:

     "Unha escola modernista en galego, que houbera sido a solución histórica normal, non se produciu, pois o espíritu cosmopolita do modernismo, e a sua orixe hispano-americana, determinábano a empregar a língua de Rubén Dario. Así, a literatura en língua galega, imaxinable sen un fundamento ético de servicio a Galicia, e a tendencia modernista, na que dominaba o esteticismo, desenvolvéronse independentemente".

     A prova de que estávamos ante umha sociedade feudal na época de Lugris, temo-la num poema intitulado "O pazo de Amil" onde nos diz o autor:

Naquel sobrado senhorial —que outrora
recendia a camoesas— ainda tiñan
o retrato de Xácome de Andrade,
podente e xeneroso cabaleiro;
e no seo das huchas de castaño
durmia o traxe da fidalga dona
co bobiné de rendas vaporosas
e o seu adrezo de feitura persa
que das figaldas terras lusitanas
trouxera un cabaleiro namorado". (2)

     Os versos recordam as passagens de Otero Pedrayo em Camiños da vida, onde ele lamenta a queda da fidalguia, e associa esta decadência a umha ruptura definitiva com o mundo rural para abrir caminho a umha sociedade mercantilista. A desapariçom do mundo rural em favor de umha economia baseada na indústria, quer dizer, urbana, significa pra os nossos autores pós-románticos a perda de identificaçom com a terra e em conseqüência o olvido progressivo do idioma dos nossos labregos e marinheiros. Ardencias acaba com três prosas:

Unha pantasia céltiga
A crónica de unha mareira
O discurso sobre Camões.

     Este final mostra claramente a ideologia dos nossos autores em aquela época. Se bem nom temos umha escola modernista, sim temos umha escola celtista com os seus mitos, a ambientaçom cavaleiresca típica do mundo feudal em que está imersa e todos os ideais que ela sugere. O que se pretendia com o celtismo a partir de Pondal e nas literaturas europeias (francesa, irlandesa, escocesa) era argumentar umha postura de defesa das culturas minoritárias face às maioritariamente estendidas e centralizadoras politicamente. "A crónica de unha mareira" é o reflexo do costumismo exaltado por ele em numerosos poemas.
     Lugris além de ser um poeta nostálgico e amante da terra, foi um canto à pátria, à sua terra natal: Sada e a ria de Betanços. Os nossos autores vem-se sumidos num entorno progressivamente castelhanizado. Isto explica a exaltaçom,a louvança das nossas paisagens campestres e marinheiras tentando revelar nas suas desciçons umha comunhom panteísta entre o homem galego e a terra.
     A terceira prosa, "O discurso sobre Camões", fora um discurso pronunciado no teatro Rosalia de Castro, na Corunha, o 27 de Novembro de 1924, em comemoraçom do IV Centenário do nascimento de Camões. Esta última parte, é outra das inquietudes dos nossos nacionalistas: a uniom do espírito galaico-português. No poema "O pazo de Amil" já havia umha clara referência: a fidalga trouxera das fidalgas terras lusitanas um cavaleiro namorado. Igual que os filhos de Breogám devem tender os braços amigos à nobre Lusitánia em Pondal as fidalgas de Lugris namoram cavaleiros lusitanos.
     "O discurso sobre Camões" é umha mostra mais do espírito lusista das "Irmandades da Fala" e da "Geraçom Nós". Lugris Freire é contemporáneo de Ramom Cabanilhas e seguidor dele em muitas facetas poéticas. Vejamos o que diz Cabanilhas em umha entrevista feita no "Diário de Notícias" de Lisboa no ano 1929, quando o autor ingressava na Ral Academia Espanhola (3):

     "Portugueses e galegos vivimos cara o mar. Cando o sol vermello do horizonte desce sobor das ágoas do Atlántico, neses místicos instantes vesperais de recollimento interior nos que se forman e moldeian as almas e florecen as arelas divinas, é a mesma nosa oración. E entón cando vemos a semellanza do noso destino sobor da Terra, pois que xuntos agardamos ver no horizonte a branca vela dunha nave que non estamos certos si nos trai o Ben soñado ou nos ven a buscar para un longo viaxe"...
     "...A fala galega que ten que lembrar os portugueses balbuceos, xiros, berros e canturias que a sua tivo nos anos de nena, e a fala portuguesa que nos abre ós galegos certos e seguros camiños na evolución da nosa agora en ridente mocidade, están tan fortemente trabados que abondarian, por si soias, para faguer espiritualmente inseparables os dous pobos".

     "Irmandades da Fala" foi o movimento que começou a defender o idioma e dignificar o seu estado social e político concebendo-o como emblema de umha naçom.
     Como fazer teatro numha sociedade carente de burguesia para apreciá-lo e fomentá-lo?
     José Ramom Barreiro (4) afirmou que "no Rexionalismo do ano 1890, soio quedaban os artistas, os poetas, os intelectuais e os idealistas". Agora, a partir do ano 1915, um grupo de intelectuais presididos por Aurélio Ribalta funda em Madrid a revista "Estudios Gallegos". O seu objectivo era denunciar os problemas económicos da Galiza e assegurar a sua personalidade regional assumindo a defesa do idioma. Antom Vilar Ponte lança um manifesto à opiniom: "Nuestra afirmación regional" ressaltando o valor da língua e propugnando a fundaçom de associaçons do cultivo do idioma. Em 1918, celebraria-se em Lugo a primeira "Assembleia Nacionalista Galega". Abandona-se o termo "regionalista" por "Nacionalista".
     Lugris Freire contribuiria com o seu esforço e labor teatral a realizar o projecto lingüístico de "Irmandades da Fala". O nosso autor representaria umha figura ponte entre a Escola Regional de Declamaçom desaparecida en 1915 e o Conservatório Nacional de Arte Galega fundada polos homens da "Irmandade da Fala" corunhesa em 1919. Galo Salinas e Lugris Freire foram os que se consciencializaram da necessidade dum género dramático no nosso idioma e na história da nossa literatura, conscientes de que a sua difusom oral podia penetrar na burguesia castelhano-falante e consolidar a ideologia nacionalista de "Irmandades da Fala".
     A denúncia social e política do grupo tampouco passa desapercibida na obra teatral de Lugris. A desconsideraçom social, o desprezo polo idioma vernáculo, as liortas entre os intelectuais, a falta de altruismo e patriotismo verificam-se quando desaparece difinitivamente a Escola Dramática Galega. É a sua umha obra que responde ao gosto da pequena burguesia incipiente naquela época. Em todas as histórias da literatura as publicaçons didácticas foram destinadas a esta classe social, respondendo assim às suas ambiçons de triunfo sobre a aristocracia. Na sociedade galega de inícios do século XX, o teatro fora utilizado polos nossos autores dumha maneira similar à dos autores do século XIV quando escreviam prosa didáctica na França, em Portugal, etc...
     O 18 de Julho de 1903, Lugris estreia o primeiro drama em prosa A ponte. Compreende dous actos e desenvolve-se nas marinhas de Betanços. As suas personagens actuam no ambiente social vigente naquela época. O autor elege um vinculeiro que representaria o caciquismo senhorial. As apetências do vinculeiro nom som outras que a conquista inobre dumha mulher de aldeia casada e com filhos. A perdiçom do cacique é devida à sua imoralidade. O autor apresenta-nos um cacique perverso, um aldeao instruído em questons sociais ou que em todo o caso professa ideias avançadas, figura simbólica de umha classe burguesa incipiente. Nom podia faltar a miséria dos camponeses explorados polos caciques, nem a velha supersticiosa.
     Estas mesmas coordenadas acharemo-las em outro drama intitulado Minia, mulher aldrajada polo cacique Reinaldo apodado "o raposo". O desenlace destas peças responde ao desenlace do drama social e sentimental: o aldeao acuitela o cacique com umha faca.
     Com Mareiras, drama em três actos, o autor depois do sucesso de A ponte, quijo demonstrar que o público aturava em galego nom só drama senom também drama longo. A ambiçom literária e lingüística leva-o a introduzir nos diálogos entre marinheiros, frases sentenciosas próprias da oratória oficial da burguesia espectadora. Lugris disfarça assim as suas personagens, marinheiros de Sada que ele conhecia na realidade.
     A Escola Regional de Declamaçom nom chegou a representar outros dramas de Lugris: Esclavitú, O Pazo, Estadeíña.
     Lugris com a sua actividade teatral fijo ressurgir o teatro galego. A sua intencionalidade social e lingüística respondia basicamente à ideologia de "Irmandades da Fala", da "Geraçom Nós", movimentos nacionalistas que suplantam os regionalistas do século XIX.
     Na sua obra poética aparece como um continuador dos seus antecessores románticos: Rosalia, Curros, Pondal.
     Igual que os seus contemporáneos, Cabanilhas, Otero Pedrayo, Lugris é um autor ao serviço de umha naçom e um idioma.






NOTAS
—————



1 Agália, número 23, "Outono" 1990, página 320.
2 M. Lugris Freire: Ardencias, páginas 18-19. Zincke Hermanos, Corunha, 1927.
3

Ramón Cabanillas: Obras completas, tomo 3, Akal, Madrid, 1981, páginas 565-566.




[En Agália nº 27, Outono 1991, pp. 373-377.].



© 2006 Biblioteca Virtual Galega