A língua dos sons

 

(Texto íntegro)

 

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«A música fixo-se para
  o inexpressável»
            DEBUSSY


     Nesta frase, o compositor francês condensa umha polémica suscitada nos últimos tempos do Romantismo sobre se a música pode ou nom expressar sentimentos e outras realidades extramusicais. Para os que mantinham umha posiçom «expressivista» ou «sentimentalista», a resposta era afirmativa e estava apoiada sobretodo pola tradiçom romántica (desde Hegel até Mendelssohn ou Schumann). Em contra disto, surge um novo critério «formalista» ou «intelectualista» (a partir do crítico vienês Hanslik) que considera nom só que nom pode, senom que a música nom deve pretender expressar sentimentos nem realidades extramusicais de nengum tipo, já que se trata dumha língua pura e suficiente por si própria para comunicar umha beleza estritamente musical.
     Paga a pena reflexionar sobre isto: cando gostamos da música e gozamos dela, estamos a entendê-la ou a senti-la? As duas cousas? Nom pretendemos aqui desempoar esta velha desputa, alimentada no seu tempo por rivalidades de escolas, porcanto nom deixa de ser um divórcio de feitos emparentados ou justificados por umha mesma realidade: a beleza artística, que nom entende de pressupostos ideológicos senom de resultados estéticos, e isto concerne tanto à inteligência como à sensibilidade, se é que existe fronteira entre ambas. Sem embargo podemos derivar disto umha questom: que expressa a música? Em que consiste «isso» que se nos comunica por meio da expressom musical?
     Tentaremos analisar (na medida em que a própria realidade o permita) este modo peculiar de comunicaçom artística, e aproximar-nos a umha resposta para esta incógnita.


Uniom palavra-música

     Na orige de toda expressom comunicativa dá-se um processo de segmentaçom, isto é, criam-se unidades que, contrastadas e relacionadas
entre si «significam». Estas unidades som signos e a sua funçom é comunicar um significado.
     Com efeito, sabe-se que o ser humano, desde os seus primeiros meses de vida tenta comunicar-se: pouco a pouco, o pranto e os gestos vam definindo-se a imitaçom dos gestos e vozes que chegam a el. Na sua aprendizage começa por identificar as segmentaçons: aprende a palmear, assinalar; aprende os rudimentos da linguage articulada que som os fonemas e tenta cadeas de unidades, primeiro mais curtas e despois mais longas; joga, balbucia e só é mais tarde que começa a «significar», completando assi a comunicaçom.
     Com isto queremos sublinhar que na aprendizage da língua (e da expressom em geral), o primeiro que se adverte é o processo de combinaçom de unidades, o «ritmo» da seqüência sonora, e este conceito parece ser anterior às palavras co seu significado e à gramática que rege as suas relaçons. A noçom, ou melhor, o feito do ritmo é a conseqüência imediata da combinaçom de unidades no tempo, e a própria expressom de «linguage articulada» leva implícita a noçom de «ritmo».
     Pois bem, que é o ritmo senom o princípio gerador da arte que nos ocupa? Existe um velho provérbio chinês citado por Spire que di o seguinte: o home, na sua alegria, pronuncia palavras; como as palavras nom avondam, canta-as; como as palavras cantadas nom avondam, acompanha-se de gestos de pés e mans. Esta é umha velha tradiçom sobre a orige da música que ilustra o que acabamos de expor. Se bem nom podemos compartir a anterioridade rigorosa dumhas cousas a outras, podemos concluir co autor citado que tudo isto procede dum mesmo «complexo dinámico primitivo», isto é um desencadeamento rítmico derivado da resposta motriz do nosso ser a umha sensaçom.
     Reparemos que se dá umha sensaçom, umha vivência íntima e, ao mesmo tempo umha necessidade de expressá-la: a expressom serve-se dumha articulaçom rítmica que mais tarde se desglosa. Se pensarmos nas sociedades primitivas, a música nace a par do ritmo expressado polo gesto, golos movimentos do trabalho, todo o que, desprovisto da utilidade funcional, desemboca na dança. Nace ligada à palavra, nos ritos e liturgias, convertendo o verso em melodia, redundáncia expressiva que potencia a comunicaçom sobrenatural.
     Na relaçom música-dança, nunca se atingiu umha independência e continuam a formar umha simbiose indissolúvel. Algo mui distinto acontece coa uniom música-palavra e, por causa desta ligaçom, desta interdependência inicial surge, ao nosso juízo, o controvertido conceito da significaçom atribuída à música, como veremos mais adiante.
     Assi como a palavra é o meio mais amplo e aperfeiçoado de expressom e comunicaçom humana (pola palavra podemos passar da mera funçom de assinalar aos campos mais densos do intelecto), a música por si própria carece desta qualidade que já incorpora o «texto» e desenvolve,
precisamente aquelas características que na palavra ficam mais limitadas: as unidades rítmicas e de entoaçom. Deste modo a complementariedade entre ambas fai que umha seja continuaçom de outra, ascendendo a música por estas unidades até encontrar o seu próprio ser melódico a custo de despojar-se ou desvincular-se da palavra a que naceu sujeita.
     A própria história musical atesta esta progressiva libertaçom. A antiga salmódia, vigente por demais em ritos e manifestaçons folclóricas, recria unicamente o ritmo da linguage ao compasso ou nom de instrumentos musicais. Despois, todo o que precede à música tal como a concebemos hoje (até fins da Idade Média) está dominado pola monodia, quer dizer, um texto cantado com umha única melodia, o cal pode ser, quer litúrgico (canto gregoriano), quer profano (música dos trovadores).
     O canto gregoriano mostrou aginha tendência.a «sair» do texto: desde desenhos melódicos que o adornam (melismas) à republicaçom mais ou menos ousada das vozes (organum e fabordom). Por este caminho desemboca-se na superposiçom de melodias (polifonia). Na Ars Antiqua (s. XIII) podemos citar a Leonin e Perotin; na Ars Nova (s. XIV) Guillaume de Machault oferece deliciosos exemplos de música vocal (a cappella), estilo que culmina nos polifonistas dos séculos XV e XVI, entre os que destacam Orlando di Lasso, Palestrina e Tomás Luís de Victória.
     A partir da Ars Nova, dá-se um entronque entre a música profana e
religiosa, os mesmos autores trabalham ambos os géneros, o importante é a música independentemente da sua funçom. Ao mesmo tempo os instrumentos aperfeiçoam-se tornando-se mais capacitados, nom só para acompanhar as vozes senom mesmo para substituí-las. Obviamente, nestes casos o texto é completamente eliminado e aqui é que começa o conceito de «música pura» como muitos denominam a música instrumental.


Desuniom música palavra

     M. Baufils sustém (e o que levamos exposto assi o confirma) que a simbiose música-palavra apresenta umha relaçom dinámica, se bem indissolúvel, já desde o começo é umha «uniom que tende à desuniom». Capaz de se manter através dos séculos, foi necessária a sua dissociaçom para fazer possível a evoluçom de ambas as partes, dissociaçom a que assi mesmo sobrevive, pero já como género independente resultante da combinaçom de duas artes (música-poesia, música-teatro).
     Com efeito, no conjunto inicial texto-música dá-se umha especificaçom de funçons: o texto constitui o suporte do significado enquanto a música pom «forma» a esse significado. O processo de libertaçom da música foi tam progressivo como a perda de importância desse significado lingüístico. Nos exemplos dos últimos tempos do estilo «a cappella», o texto constituía umha mera base de desenvolvimento musical que fazia impossível, em ocasions, a comprensom do mesmo. Aqui o único importante é a música e a voz vê-se tratada como um instrumento músical mais que pode ser substituída por outro calquer.
     Ao eliminar o texto, ao tempo que a parte musical oferece maiores possibilidades de elaboraçom, fica um baleiro na primitiva relaçom: o feito musical «perde» o significado que lhe conferia o texto.
     Para encher este espaço, quer dizer, para poder remeter a algum contido lingüisticamente expressável o feito musical, houvo soluçons intermédias favorecidas em maior ou menor medida por ideologias e estéticas ao longo dos séculos. Um resíduo desta primitiva ligaçom à palavra dentro da música pura consiste no costume, nada trivial, de «intitular» as obras. O que primeiro era o título do texto, propiciado por el, foi mais tarde referência externa dumha música sem texto, a modo de evocaçom, propondo assi o significado lingüístico que lhe falta. As «Catro Estaçons» de Vivaldi som um exemplo que vai para além: ademais dos títulos, existe um texto incorporado na partitura que confere um significado narrativo a cada passage (o rio, o vento, as moscas, etc.). Isto leva-nos a considerar a «música descritiva». Em ocasions, tenta-se conseguir efeitos extramusicais com meios musicais. Estes efeitos, reduzidos ao episódico, contam com umha tradiçom (páxaros = trinos nas flautas, tormentas-trémulos graves, o cuco, os sinos, etc.). Este procedimento tornou-se aginha mais ambicioso. Kuhnau (fins do XVII) tentou «narrar» Histórias Bíblicas com música, de tal forma que se nom dispomos do texto narrativo, as suas sonatas som musicalmente ilógicas. Outros autores cultivárom isto, sem perder a primazia da forma musical: ademais de Vivaldi, Bach, Beethoven (Sinfonia Pastoral). Até que o género se definiu pola existência dum «programa» que explica o significado textual sob a forma de «poemas sinfónicos» referidos em ocasions a importantes obras literárias, nom podemos falar propriamente de «música programática», cultivada sobretodo a partir do século XIX por autores como Liszt, Smetana, Strauss, Schoenberg, etc.
     Desta tradiçom procede o hábito de referir a música ao extramusical. A primazia romántica do sentimento fixo cristalizar esta referência que, nos últimos tempos, foi objecto de polémica entre expressivistas e formalistas.


Conclusons

     O exposto demonstra que, ao desligar-se da palavra, resta só a música, portanto temos de buscar todo elemento expressivo dentro do próprio sistema musical. Para isso a língua dos sons conta com meios próprios para «se fazer enteder».
     Se no conjunto inicial palavra-música, se perdeu o elemento da significaçom, podemos perguntar-nos de que passou a ser expressom esta última? A música por si própria é incapaz de enunciar nada e, segundo parece, ao perder o texto, fica como forma pura. Pero isto nom é de todo exacto. Para que haja comunicaçom deve seguir havendo relaçom forma-significado. O feito é que este (identificado co texto) nom se elimina, se
nom que se transforma, passando de ser inteligível intelectualmente a ser só inteligível musicalmente. A forma pura tem de desglosar-se numha nova relaçom de forma-significado. Ora, que cousa é este novo significado meramente músical? Neste ponto encontramos, mais que ausência de termos, impossibilidade de explicaçom. Com efeito, se, como calquer outra arte, pero especialmente a música pudesse ser reconvertida ou expressada de outro modo, cessaria a sua razom de existir. Que a música tem um significado peculiar e próprio, é evidente, senom deixaria de ser expressiva, mas este é inexpressável separado da sua forma músical.
     Cousa distinta acontece com esta segunda parte. Um pode acercar-se à descriçom das formas musicais, enunciar umha técnica compositiva, normativizá-la e mesmo oferecer juízos de valor, desde um ponto de vista formal de como um recurso formal potencia esse contido latente na partitura até o momento de ser executado: neste momento é cando se verifica a acomodaçom da forma, a adequaçom única de todas as engranages que produzem o feito musical e, se esta adequaçom é certeira no seu único e irrepetível momento de execuçom surge na relaçom executante-ouvinte essa perfeita e diáfana transmissom dum significado que nom tem outra
forma de ser expressado.

 

 

 


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