A posiçom dos clíticos em galego-português

 

(Texto íntegro)

 

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     A colocaçom e deslocaçom dos pronomes átonos em ibero-românico ocidental é umha das mais interessantes particularidades que apresenta aquel sistema lingüístico, nom só com referência aos demais grupos peninsulares, senom também polo que diz respeito às línguas românicas modernas em geral. Estas, ainda que nas suas manifestaçons mais antigas apresentam traços emparentados com os próprios do galego-português actual no que afecta à sintaxe dos clíticos, forom, por via de regra, evoluindo para umha preferência muito marcada pola posiçom pré-verbal das formas pronominais átonas no caso das frases finitas, de jeito que a posiçom pós-verbal ficou praticamente reduzida ao caso das frases com verbo em forma infinita, com excepçom dalgumhas situaçons residuais ou explicáveis por razons expressivas, situaçons que excedem os limites da gramática para incidir no terreno da estilística.
     A situaçom em galego-português (e portanto em galego, se damos este nome à modalidade própria dos territórios que constituem a correspondente comunidade autónoma espanhola) é mais complexa e mais arcaica, enquanto que por umha parte perpetua como normal a posiçom pós-verbal dos clíticos superada nos demais romances, e por outra regista deslocamentos dos mesmos à esquerda do verbo que suponhem importantes alteraçons do modelo geral.
     A bibliografia relativa a esta questom (prestaremos atençom especialmente, quando nom se indique outra cousa, à mencionada modalidade) veu pagando tributo tradicionalmente a um critério excessivamente limitado à morfo-sintaxe, no sentido de procurar a regulaçom da posiçom dos clíticos na presença e ubicaçom de determinados centros de gravitaçom definidos pola sua classificaçom dentro das categorias gramaticais. Nom obstante, a evidência de que a actividade dumha palavra que ocupa umha determinada posiçom com respeito ao pronome, pode ser aparentemente ambígua para determinar a colocaçom do mesmo, abriu a porta à consideraçom dos aspeçtos prosódicos do caso, e os textos que do autor deste artigo se citam no livro que comentamos, mencionam expressamente o realce e a ênfase que queremos dar às palavras, as quais actuam quanto à sua condiçom prosódica segundo um equilíbrio determinado por elementos supra-segmentais: a entoaçom coa distribuiçom dos acentos e pausas. Conclusom que Domingos Prieto estima que constitui já o esboço da formulaçom da hipótese mais provável sobre a questom posta.
     Domingos Prieto é um lingüísta galego com formaçom nas universidades de Lille e da Sorbona. Foi professor no Liceu Clássico e Moderno de Denain e na Escola de Altos estudos Mercantis de Lille, e desde 1973 trabalha como docente e investigador na Universidade de Groningen. Som bem conhecidos e estimados entre os especialistas os seus trabalhos sobre fonologia e métrica do galego. Os problemas relativos à sintaxe dos clíticos forom o tema dumha breve comunicaçom apresentada no 1 Congresso da Língua Galego-Portuguesa na Galiza. Este trabalho, que utilizaremos mais adiante para resumir alguns aspectos da doutrina que expom no seu livro sobre a mesma matéria, supujo umha notável novidade na focage dos problemas a que se refere, dentro da bibliografia galega.
     Num grau muito mais alto também o supom o livro aludido, que constitui a sua tese para o doutoramento em Letras pola Universidade de Utreque, recentemente apresentada e publicada em francês com o título Prosodie et syntaxe. La position des clitiques en galicien-portugais. Imprimé aux Pays-Bas para l'Impremerie Regenboog Stichting. Groningen, 1986.
     Esta obra comprende dous capítulos que podemos considerar preliminares, nos quais se estudam, respectivamente, a estrutura prosódica da frase e a ordem das palavras na mesma, aos quais segue um terceiro, que estuda já directamente a matéria relativa à colocaçom e deslocaçom dos pronomes átonos. O trabalho inscreve-se dentro das modernas concepçons da gramática generativa.
     As questons que trata, na procura dum critério unitário para explicar os comportamentos gramaticais, pertencem, cruzando-se, às áreas relativas aos componentes sintácticos, semânticos e fonológicos da organizaçom gramatical.
     Há de distinguir-se o comportamento dos clíticos nas oraçons autónomas (simples e principais) e nas subordinadas.
     Nas primeiras, os clíticos podem ocupar a posiçom pós-verbal ou a posiçom pré-verbal. Esta última é a normal nas oraçons subordinadas.
     Os clíticos substituem os nomes, mas na ordem da frase autónoma aparecem normalmente à direita do verbo. O seu lugar na estrutura profunda seria o do elemento substituído; mas se este nom ocupa umha posiçom imediatamente à direita do verbo, o clítico que o reproduz desloca-se a essa posiçom na estrutura de superfície. A Tamara baila bem a moinheira, corresponde Tamara baila-a bem. Há, pois, um movimento que traslada o pronome, do lugar do nome, à direita do verbo quando o nome (Tamara baila a moinheira) nom ocupa já essa posiçom. Nom podemos dizer Tamara baila bem a. Esta última frase seria agramatical.
     Tal movimento dos clíticos, da posiçom original do elemento nominal que representam face à posiçom imediatamente pós-verbal, é a operaçom mais frequente na estrutura superficial da frase.
     Mas, segundo temos dito, há casos em que essa regra nom funciona, casos em que a frase gramatical exige o clítico em posiçom pré-verbal.
     Há que registar, em conseqüência, duas regras que determinam a posiçom dos clíticos com relaçom ao verbo: a regra do movimento, que é, podemos dizer, a geral; e a regra da inversom, que, ao ser assi denominada, transparenta um carácter particular, ou excepcional, ou secundário, a respeito da conduta gramatical primária ou básica. Quer dizer que esta segunda regra ostenta um carácter diferente ao próprio da primeira regra. A regra de Movimento-Cl é a fundamental, e. aplica-se obrigatoriamente, enquanto a regra de Inversom-CI é aplicada só em certas circunstáncias especiais.
     Num exame superficial poderia parecer que a regra especial de Inversom-Cl se aplica quando o verbo vai precedido de outro elemento (Isto me dixo). Mas nom é assi, pois muitas frases do galego-português demostram a incorrecçom desta hipótese. Som frases em que o verbo vai precedido de outro elemento, apesar do qual o pronome se situa em posiçom pós-verbal.
     E é que a regra de Inversom dos clíticos só funciona quando é activada o por outra regra de Inversom, a regra de Inversóm-Foco.
     O Foco é o elemento constitutivo da frase que ostenta nela a preeminência semântica, porque proporciona a informaçom nova, e por isso prosodicamente é marcado com o acento principal em determinado tipo de línguas. Mas em outras o processo de focalizaçom pode manifestar-se também ou exclusivamente por um movimento do constituinte focalizado a certas posiçons da frase. Em galego a posiçom de base é neste caso a extrema direita. Assi, o Foco pode definir-se pola sua acentuaçom ou pola sua localizaçom; quer dizer, por meio de mecanismos fonológicos ou por meio de mecanismos sintácticos. E, por suposto, em muitas línguas, pola natureza prosódica das mesmas, a localizaçom vai acompanhada de ênfase, de jeito que ainda que o traço relevante se manifeste na sintaxe, há um traço inerente, secundário ou redundante, mas necessário, como umha propriedade nom essencial, que pertence à forma fonética.
     O processo de focalizaçom em galego-português tem lugar dentro da sintaxe, enquanto em francês, por exemplo, a focalizaçom tem lugar na forma fonética.
     Deve sinalar-se o feito de que as línguas como o galego-português (ou o espanhol), que processam geralmente a focalizaçom por movimento sintáctico, podem elidir facultativamente os sujeitos pronominais, mas isto nom é possível no caso das línguas como o francês (ou o inglês), que marcam o elemento focalizado mediante um acento contrastivo.
     Ao Foco opom-se na frase o Tópico. O Tópico leva o acento secundário da frase, e pode ser separado do resto da mesma por umha pausa interior. Sintacticamente, o Tópico é a categoria de extrema esquerda no período escrito.
     Um ou vários elementos interpretam-se como Foco da frase se podem inserir-se na expressom é... que (quem). Um ou vários elementos interpretam-se como Tópico se podem ser introduzidos polas expressons topicalizantes quanto a, corn respeito a, sem que sofra nengum câmbio a estrutura informativa da frase.
     Podemos, pois, estabelecer umha estrutura de base em que à extrema direita e à extrema esquerda, resectivamente, existam uns núcleos vazios ou alvéolos que podem ser ocupados, mediante determinadas regras transformativas de topicalizaçom e focalizaçom, por certos constituinte que adequadamente se desloquem.

Joam contestou a pergunta.
A pergunta contestou-na Joam.

     Ambas as frases tenhem a mesma estrutura sintáctica (com a inclusom na segunda de um pronome semanticamente redundante, mas gramaticalmente obrigatório). Nom obstante, na primeira o Foco está constituído polo objecto directo, enquanto na segunda o Foco está constituído polo sujeito agente. O lugar do Tópico ocupa-o o sujeito na primeira versom, e o objecto na segunda.
     O galego-português possui três classes de constituintes que se comportam diferentemente com respeito à sua focalizaçom: a) os constituintes modificados por um operador inerentemente focal (interrogativo, exclamativo, optativo, etc.); b) os constituintes modificados por um quantificador ou por advérbios como só, já, etc.; c) os outros constituintes. Os constituintes modificados por um operador focal por natureza, som obrigatoriamente focalizados em galego, e provavelmente também em muitas outras línguas. Os constituintes modificados por quantificadores tenhem umha tendência mui marcada a ser focalizados em galego. Os constituintes que nom som modificados por um operador focal por natureza, ou por um quantificador, som focalizados facultativamente. Nestes casos opera a regra de Inversom-CI.
     Nom obstante, em virtude da regra de Inversom-Foco, o elemento focal pode passar a ocupar a primeira posiçom pola esquerda quando o alvéolo topical está vazio, ou a segunda quando está ocupado.
     Esta regra de Inversom-Foco desempenha um importante papel na deslocaçom dos clíticos em galego-português, pois activa a transformaçom da ordem Verbo-Clítico em Clítico-Verbo. O Foco que se desloca para a esquerda arrasta sucessivamente o clítico e o verbo no seu caso, determinando umha imagem especular (image au miroir). De modo que à ordem Verbo-Clítico-Foco substitui agora a ordem Foco-Clítico-Verbo. O pronome pós-verbal tem-se transformado em pronome pré-verbal. Ajudou-nos ela, fòrom-se todos, e Sabe-o Deus! ao verificar-se a inversom do Foco revestem a forma Ela nos ajudou, Todos se fôrom, e Deus o sabe!
     O processo de topicalizaçom, ao contrário do de focalizaçom (Focalizaçom e Inversom-Foco), nom modifica a posiçom dos pronomes clíticos.
     De modo que umha mesma palavra ou elemento, segundo funcione como Foco ou como Tópico, situado ao princípio da frase, determinará a posiçom pré-verbal ou pós-verbal do clítico: [F isto] nos aconselha o nosso pai: [T Isto], aconselha-no-lo o nosso pai. A primeira sucessom, quando Isto está focalizado e representa semanticamente a novidade de informaçom e prosodicamente o acento fundamental da frase, sem pausa possível a continuaçom. A sucessora segunda, quando o pronome objecto directo está topicalizado, o acento fundamental recai no foco pai e é possível umha pausa depois do Tópico.
     Em caso de que se sucedam o Tópico e o Foco invertido, este também conserva o seu acento nuclear, e determina em conseqüência a seu favor a ênclise do pronome átono: [T A pergunta], [F Joam] a contestou.
     Por meio desta doutrina consegue-se umha comprensom do fenónemo da posiçom dos clíticos que pom unidade, concreçom e coerência na descriçom de uns feitos lingüísticos dificilmente ou precariamente redutíveis a ordem se nos obstinamos em resolver o problema dentro do campo da pura sintaxe categorial. Há umha sintaxe prosódica, ou umha prosódica sintáctica (já que se vem falando desde há tempo de fonética sintáctica). Toda sintaxe é resultado de umha lógica que ao enlaçar conceitos e juízos desemboca numha silogística suministradora de dados e funçons semânticas que ham de achar expressom lingüística. Segundo a arquitectura de cada língua, temos diferentes reflexos formais da funçom conceptual.
     Já temos aludido ao feito de que desde tempo atrás se vem introduzindo na teoria da sintaxe dos clíticos a noçom do ritmo ou do acento, o que é natural, pois o conceito mesmo de clíticos pertence à prosódia. Assi explicamos que podam construir-se frases formalmente idênticas na escrita salvo na posiçom pós-verbal ou pré-verbal dos clíticos. Depende do realce ou ênfase que queremos dar a determinados elementos constituintes. No discurso falado, o acento nuclear elimina a ambigüidade em galego-português, pois o Foco, ache-se onde quer que se ache, está marcado polo seu acento contrastivo. Mas agora vemos com maior claridade que há frases neutras com referência ao discurso nas quais nom aparecem marcadas as categorias de Foco e Tópico.
     Se o que fica dito pode proporcionar umha ideia geral sobre o essencial da contribuiçom de Domingos Prieto à teoria dos clíticos, que se insere dentro da doutrina sobre as relaçons entre prosódia e sintaxe à luz das teses e hipóteses modernas da gramática generativa, isso nom significa que a virtualidade do livro que comentamos se esgote neste esquema. Já os capítulos introdutórios roçam importantes questons articuladas com o tema nuclear, começando polas relativas à estrutura prosódica fundamental da frase, tanto polo que se refere às categorias como à ordem das palavras. As conclusons de Prieto afectam ao galego-português nas que el chama modalidades galega e lusitana, pois a modalidade brasileira apresenta fenómenos de prosódia pronominal que repercutem na acentuaçom e na ordem das palavras no sentido de fazer possíveis localizaçons proibidas no sistema geral ou tradicional. Muitos escólios e corolários, e mesmo excursos importantes, surgem no capítulo final, onde problemas como o relativo ao dativo de solidariedade, a interpolaçom, o ascenso dos clíticos desde a frase subordinada à principal, a presença facultativa do sujeito pronominal, a regra de ênclise que agrega os clíticos ao elemento que imediatamente os precede, o distinto tratamento das formas finitas e das infinitas dos verbos, etc., som examinados com maior ou menor extensom, mas sempre rigorosa ou pertinentemente aludidos. Mesmo outras questons situadas noutro nível, como a elisoni, da soante /l/ em fonética sintáctica, que nom se produz por causa da assimilaçom no caso da chamada segunda forma do pronome de terceira pessoa, ou mesma espirantizaçom do fonema velar sonoro /g/ em determinadas áreas geográficas ou de contraste fonemático, recebem luz dos pontos de vista expostos.
     Um estudo geral de carácter comparativo que pom em relaçom o problema dos clíticos em galego-português com o comportamento dos mesmos nas línguas românicas antigas e modernas, fecha a densa investigaçom do professor Prieto, que, constituindo um importante fito na consideraçom do problema dos clíticos, abre ao mesmo tempo novas perspectivas no campo da gramática transformativa.

 

 

 


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