Castelao no contexto histórico e político da II República

 

 

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     Como acontece com tantas outras personalidades históricas, a figura de Castelao nom é um bloco e umha só peça, monolítica e sem fendas. A sua trajectória como personage pública e multifacética nom é um continuum inalterável através dos tempos, senom que está sujeita a umha constante evoluçom: no seu caso, desde posturas relativamente conservadoras e neotradicionalistas na sua mocidade até o progressismo populista e democrático dos anos de maturidade. Isso si, com um irrenunciável nacionalismo como pano de fono e sinal de identidade permanente.
     É propósito destas linhas fazermos um seguimento da actividade de Castelao durante o período 1931-1939, pondo em relevo os aspectos mais sobranceiros dessa evoluçom e calibrando em que medida o contexto sócio-político e cultural republicano agiu como catalizador da mesma. Utilizarám-se como referente elementos da biografia do nosso autor, sem entrarmos numha análise exaustiva das categorias do seu pensamento, por ser este o objecto a abordar na conferência de Justo González Beramendi.
     A etapa da II República coincide com o período de plena maturidade do pensamento de Castelao, ao tempo que abre passo ao desenvolvimento de umha sua faceta até daquela situada em segundo plano: a política. Com efeito, no decorrer dos meses e anos a seguir do 14 de Abril de 1931 Castelao abandona definitivamente os últimos ressaibos neotradicionalistas do seu galeguismo para assumir os valores do republicanismo e a democrácia liberal como fio condutor da sua actividade pública, quer no eido político, quer no cultural e artístico. O processo, bem é verdade, vinha de velho. Nomeadamente dos últimos anos da Ditadura de Primo de Rivera (regime com o que o polígrafo de Rianjo se negara a colaborar) e, mais precisamente, de 1929 (1). Mas será agora quando a sua sensibilidade social e consciência cívica o fagam distanciar-se de jeito irreversível dos seus antigos mentores, Losada Diéguez (morta já na altura) e Vicente Risco. Por outro lado, do período republicano emerge um Castelao mais político e menos artista. Na realidade era inevitável que isto acontecesse, por quanto a eleiçom do nosso home como deputado às Cortes da República, o contexto favorável que esta supujo para a conquista de um regime de autonomia para Galiza e a própria constituiçom do Partigo Galeguista o obrigárom a concentrar a meirande parte das suas energias neste terreno. "Yo no soy más que un artista que ha puesto su arte al servicio de una bella causa, la de despertar el alma de Galicia", dirá na sua primeira comparecência parlamentar (2). Se quadra, era assi na autoconsciência íntima do rianjeiro, mas o certo é que as peripécias que lhe ia tocar viver, junto com as próprias capacidades e mais a sua honradez persoal, acabariam por fazer dele um notabilíssimo político ao serviço dos interesses gerais da nossa Terra. O qual, porcerto, nom acarretou merma nengunha das suas faculdades intelectuais e artísticas. Antes ao contrário, como bem se bota de ver na sua produçom dos anos de guerra.
     Pero vaiamos con orde. Situemo-nos nos dias da proclamaçom da República e perguntemo-nos: que fazia Castelao daquela? Em que situaçom e com que expectativas o surprende o 14 de Abril de 1931? Como é sabido, Castelao nom se sumara à iniciativa dos seus companheiros da Irmandade da Corunha de fundar a O.R.G.A., mas inactivo —politicamente falando— nom estava. Canda outros muitos activistas das fileiras do galeguismo tentava, na altura, reconstruir a unidade deste sem rebaixas programáticas ou de ideário. E assinara em nome dos nacionalistas galegos o Pacto de Barrantes, tendo como contra-parte representantes do republicanismo e mais do agrarismo. O advento do novo regime produziu-se, porém, sem que os esforços unificadores tivessem culminado; e a O.R.G.A., mália o importante papel que os irmáns corunheses desempenhavam ainda no seu seo, nom semelhava a plataforma acaída para servir de expressom política às inquedanças plurais e interclassistas do conjunto do galeguismo. Fôrom precisos uns meses mais de labor para que finalmente xurdisse, em Dezembro de 1931, a que havía ser ferramenta orgánica do nacionalismo no contexto recém nado: o P.G. Na conformaçom deste correspondeu a Castelao um grande protagonismo e, entanto que figura carismática, houvo de assumir funçons dirigentes desde a primeira hora.

     A todo isto, desde Junho desse mesmo ano de 1931 o futuro autor de Sempre en Galiza era deputado por Pontevedra nas Cortes da República, partilhando com Otero Pedrayo, Suárez Picalho e Vilar Ponte (estes dous últimos nas fileiras da O.R.G.A.-F.R.G.) o honor e a responsabilidade de constituírem a primeira representaçom histórica do nacionlismo galego na Câmara de Deputados espanhola. Mui duro iam ter que brigar para conseguirem que os direitos nacionais da Galiza começassem a ser considerados. Mas afinal conseguirom-no, por mais que a autonomia nom colmatasse, nem muito menos, as suas arelas maximalistas. E, para além disso, a voz do nosso país pudo por fim fazer-se ouvir em Madrid com timbre próprio, angueira esta em que —todo hai que dizê-lo— colaborárom também deputados galegos de outras formaçons políticas.
     Os anos em que o nosso home exerce como deputado galego nas Cortes Constituintes da República (1931-33) som umha autêntica prova de fogo para ele. Castelao estrea-se como mandatário popular com um discurso em defensa da língua galega e da sua idoneidade para uso escolar. Seguiriam a esta outras intervençons relativas a alguns dos problemas mais pungentes da Galiza do momento: a estabilidade da pequena propriedade rural, a necessidade de umha lei de arrendamentos, a defensa do sector gadeiro galego frente ao tratado com o Uruguai, o arancel do milho, o caminho de ferro Ourense-Zamora, e assi por diante; sem faltarem algumhas a propósito da articulaçom política do novo Estado. As decepçons chegam mui logo. A primeira tem a ver com o rejeitamento, por parte da maioria da Câmara, das propostas de organizaçom federal republicana embandeiradas, entre outros, polos representantes galeguistas. O golpe é duro para Castelao e os seus companheiros, que tinham postas grandes esperanças na aprovaçom desta fórmula. Nom por acaso, o federalismo constitui, junto com democrácia liberal, republicanismo e antiimperialismo, outros dos esteos básicos da sua conceiçom do nacionalismo por estes anos. Um federalismo que, enraizado na tradiçom das Irmandades, é asemade um dos eixos cardinais do programa do P.G. Um deferalismo, enfim, que a Castelao lhe serve nada menos que de "catalizador dunha síntese articulatoria  progresista e democrática do seu nacionalismo organicista", em palavras de González Beramendi e Maiz, e a cuja defensa adicará, anos mais tarde, muitas e mui significativas páginas do seu Sempre en Galiza (3). Pois nom: a II República Espanhola nom ia ser federal, senom simples e eufemisticamente federável sob a fórmula do Estado Integral; e isto mália as estentóreas manifestaçons de fé federalista dos repúblicos —assi os chama Castelao— do momento. Nom é de estranhar que a desconfiança do nosso protagonista cara a estes fosse em aumento; mais ainda se temos em conta as dificuldades que o anterior tropeço comportava para a satisfaçom das arelas do nacionalismo galego. O caso é que a esta decepçom seguiriam decontado outras, que levárom Castelao a abandonar a minoria parlamentar da O.R.G.A.-F.R.G. em que se achava integrado.
     Aprovada a laica e nom federal Constituiçom Republicana, esta, contodo, abria um portelo á esperança dos galeguistas, na medida em que contemplava a possibilidade de um regime de autonomia pra as regions que assi o solicitassem. Posto em funcionamento, por decreto, o Estatuto de Catalunha e iniciados os trámites do basco, nom demorárom aqueles (os galeguistas) em seguirem os seus passos. Mas de novo viria a frustraçom, e esta vez da mam do ministro de Governaçom e presunto representante do autonomismo galego no Governo da República, Santiago Casares Quiroga:

Casares evitou que se presentara o Estatuto de Galiza âs Cortes Constituintes, cando él rexentaba o Ministerio da gobernación, por non darnos a tempo o decreto que lle pedíramos para celebrar o plebiscito. Quixo evitalo outra vez, cando era Presidente do Consello de Ministros, sen darse conta de que, pol-o decreto do 27 de maio do 1933, podíamos plebiscitar o Estatuto cando quixéramos. Con todo aínda quería que aplazáramos a data da votación, agoirándonos non sei qué desastres; e cando eu lle fixen saber a decisión inquebrantable do 'Comité central de Galiza', respondeume con este desplante: "Bueno; de lo que ocurra yo no seré el responsable". Casares sólo quería ser responsable do que non ocurrise; é decir, de que o plebiscito non se levase a cabo. (4)

     A amargura de Castelao ante o que considerava traiçom do ilustre repúblico corunhês e mais dirigentes da O.R.G.A. veu-se engadir às suas desconfianças anteriores, que já nom parariam de medrar ao longo de todo o período republicano. O contraponto doce poria-o nesta ocasiom (a modo de consolo) a aprovaçom final do projecto de Estatuto Galego polos concelhos galegos, no Nadal de 1932, e o brilhantíssimo labor do seu amigo Bóveda no acabado do mesmo.
     A finais de 1934 Castelao e Bóveda som desterrados a Badajoz e Cádiz, respectivamente, polo governo radical-cedista de Lerroux-Gil Robles. Era este um mais dos múltiplos gestos autoritários da direita reaccionária instalada no poder desde Novembro de 1933. Assi e todo (e saudades do exílio à parte), a estadia de vários meses em terras estremenhas resultou mui proveitosa para o autor das Verbas de Chumbo, pois que o pujo em contacto directo com a mais lacerante contradiçom social do Estado na época: de um lado a Espanha cañí do latifúndio e a señoritil nugalha; de outro, as massas rurais despossuídas e miserentas, a procurarem um anaco de terra do que poderem viver. A percepçom desta realidade, tam diferente da do país natal, fijo-o cavilar profundamente e terminou de convencê-lo tanto do irremediável imobilismo da oligarquia de sequeiro, como da legitimidade das aspiraçons colectivistas dos sem-pam:

Estou n-un inmenso país de latifundios, povoado por xentes moi ricas e xentes moi probes.
Os ricos comen porco e teñen cara de ictericia [...] Teñen administradores para os seus bens e creen que Gil Robles é un revolucionario.
Os probles mantéñense de sol no inverno e aforran enerxías encostándose nas paredes encaleadas [...] Están desnutridos e perderon o apetito [...]. Se eu fose natural d-este país e sentise anceios de axudar a reivindicalo, non me quedría máis que un recurso: ser socialista.
(5)

     Os perigos que de tam explosiva situaçom se derivavam para a República apareciam nídios ante os seus olhos e, perante tal observaçom, Castelao nom pode senom reafirmar-se no seu galeguismo. Ao cabo, que melhor garante para a estabilidade do regime democrático podia haver que umha sociedade de pequenos proprietários, sem terratenentes chuchons nem jornaleiros esfameados? E que outro caminho para o conseguir que a autonomia da Galiza ou, indo mais longe, a estruturaçom federal do Estado?

A miña Terra é un país de minifundios, povoado de xentes algo ricas e por xentes bastante probes ou probes de todo [...]
O país mantén latexante a súa personalidade nacional [...]. Sinte a necesidade de leis próprias para resolver os seus problemas xenuinos [...]. Así e todo a miña Terra está en condicións de salvarse, porque conta con personalidade indiscutible e quer exteriorizala en forma de cultura e de leis públicas, e día virá en que se goberne po si mesma [...]
A miña Terra conta, por ventura, c-un partido político que se afinca nos postulados democráticos da Constitución republicana, capaz de remediar a miseria moral e material dos nosos irmáns, e a este partido perteñezo e perteñecerei mentras viva.
Sendo galego non debo ser máis que galeguista.
(6)

     De volta do desterro (ao parecer, graças às gestons dos irmáns galeguistas e às artes do seu amigo Portela Valladares), o rianjeiro esforça-se arreo em comandar, canda Bóveda, a singradura do Partido Galeguista cara à esquerda. As liçons da Estremadura e de dous anos de repressom e involuçom política propiciados polo tándem Lerroux-Gil Robles estám aí para marcarem o rumo. No ânimo de Castelao lateja agora a esperança de recuperar o tempo perdido e as ilusons truncadas. O projecto de Estatuto de Autonomia, que dorme o sono dos justos desde 1933, pode agora ser plebiscitado de contar com os apoios sociais necessários. Esses apoios, tal como estám as cousas, só podem vir das esquerdas republicanas e obreiras, mália todos os matizes e reticências que estas lhe inspiram. O caminho a seguir está claro e os que o nom vejam ficarám no fojo: hai que entrar na Frente Popular.
     Alguns, certamente, nom o virom assi, fosse por preconceitos ou por coerência ideológica. Com grande dor, Castelao verá-os partir para umha viage sem retorno, cara à direita. Entre eles vai nada menos que o seu antigo mestre e guia, Vicente Risco. Mas nom hai tempo para perder. Cómpre mergulhar-se de cheo na campanha pró-plebiscito canda as restantes forças frentepopulistas. O nosso home desprega entom umha incansável actividade: pronúncia discursos, acode a concentraçons, desenha cartazes de propaganda, realiza contactos políticos, anima os companheiros, bole sem parar. Nom é para menos: a autonomia está al alcance da mam, e nom é mais que o primeiro passo...

     A consulta celebra-se finalmente em Junho do 36, e o Estatuto resulta aprovado por esmagadora maioria do corpo eleitoral galego. Castelao, de novo deputado desde Fevereiro (por certo, o mais votado de entre os candidatos da Frente Populr da sua circunscriçom, o que dá idea do seu prestígio) preside a comissom encarregada de apresentar o texto recém aprovado às máximas autoridades da República, nomeadamente o presidente das Cortes, Martínez Barrio, e o Xefe de Estado, Manuel Azaña. Estamos a 17 de Julho, data fixada para a cerimónia oficial. Esse mesmo dia, nas colónias da África, estala a sublevaçom militar.

     O golpe de Estado de Franco catapultou a primeiro plano em Castelao, como em tantos outros demócratas, umha dimensom até daquela latente, implícita, mas nem sempre manifesta a viva voz. Refiro-me ao antifascismo. Esta vertente, virada agora em autêntica atitude vital, ocupará de aqui em diante um lugar central na trajectória do rianjeiro, sem por isso afogar ou deslocar de todo as outras: federalismo, republicanismo, democrácia, nacionalismo, antiimperialismo. Mais bem poderíamos dizer, em puridade, que estas últimas aparecem tingidas, impregnadas de antifascismo. Era, logicamente, resultado dos imperativos do momento. A actividade de Castelao, ao que o alçamento apanha providencialmente em zona leal, será umha vez mais frenética. A causa democrática absorve a prática totalidade dos seus esforços. Incapacitado pola sua curta vista para colher o fusil, prestará serviço no campo da cultura. Em companha de Dieste, Blanco Amor, Lorenzo Varela, Otero Espasandim, Guerra da Cal e outros intelectuais galegos, colabora em publicaçons republicanas, dirige alocuçons desde a rádio, intervém em encontros e simpósios, funda Nova Galiza, boletim quinzenal dos escritores galegos antifascistas; se quadra também —nom tenho a certeza— visita as frentes de guerra. Alenta, assi mesmo, a formaçom das milícias galegas —mais tarde integradas no famoso 5º Regimento—, comeza a escrever Sempre em Galiza e..., por suposto, debuxa.

     Desenha, efectivamente, os seus famosos álbumes de guerra ao fio da barbárie cega desatada na sua Terra. Nascidas ou, como ele mesmo dirá, arrincadas da sua própria dor e publicadas em Valência entre Fevereiro e Julho de 1937, as estampas de Galicia Mártir e Atila en Galicia, às que se sumarám em 1938, desde New York, as de Milicianos, constituem a um tempo umha homenage às vítimas do terror franquista na Galiza —entre as que se encontram nom poucos amigos e conhecidos do artista— e umha reflexom desgarrada, arrepiante, sobre a inumanidade do fascismo. Também um apelo à consciência democràtica e pacifista de todos os povos do mundo e —no caso de Milicianos— um canto épico à heróica resistência dos povos da Espanha. Como tais fôrom percebidos polos seus contemporâneos, e boa prova disto fôrom as numerosas exposiçons destes desenhos na Espanha republicana e fora dela. Com o tempo acabariam sendo um dos mais reconhecidos exponentes da condena ao fascismo a escala planetária, além de testemunhos do génio universal do seu criador. Nom vou entrar a analisar aqui o patetismo que ressumam as estampas, nem os seus próprios contidos, pois som conhecidos por todos. Permita-se-me apenas salientar o contraste entre a brutalidade e sanha dos verdugos, omnipresente, e a serena dignidade das vítimas patente, por exemplo, em vinhetas como as intituladas "A derradeira lección do mestre", "Van a matarnos, pero venceremos" ou "Arriba os probes do mundo". Dignidade que estava a ter, no intre, o seu perfeito correlato num país, o do artista, ao que lhe quedavam por escrever nom poucas páginas na história da insubmissom ao fascismo.
     A todo isto, Castelao continuava a ser deputado e, no meio de tam febril actividade, exercia como tal nas cada vez mais escassas sessons das Cortes da República. Ainda haveria de adicar muitos desvelos a resgatar do esquecimento (e nom só do esquecimento) o projecto de Estatuto da Galiza, para fazer que tomasse estado parlamentar na reuniom de Montserrat. Resultou-lhe inestimável, nessa ocasiom, a ajuda de Emílio González López, peça chave na recuperaçom do texto perdido por mor da incúria burocrática ou polo desbarajuste que seguiu ao deslocamento do Governo republicano a Valência. Decerto nom foi doada a tarefa dos dous deputados, pois os atrancos non terminárom aí. Apresentado o texto nas Cortes, este topou com as manobras obstrucionistas do grupo socialista (precisamente "o mais forte e o mais gubernamental", como recordaria o dirigente galeguista) a mais da perda de compostura de algum que outro mandatário republicano. Finalmente, mercê à teimosia de Castelao, o Estatuto tomou o preceptivo estado parlamentar na sessom do primeiro de Fevereiro de 1938. De nom ter sido assi, nunca poderia ter sido aprovado como foi, sequer simbolicamente, polas Cortes reunidas no exílio mexicano em 1945, e hoje nom contaríamos com esse precedente histórico.
     Durante os anos de guerra, o pensamento político de Castelao experimenta umha nídia radicalizaçom em sentido esquerdista. Prova disto é a sua meirande comprensom das posturas e postulados do movimento operário e a atitude de mam tendida a partidos e sindicatos proletários. A sua participaçom na resistência frente ao fáscio, em estreita ligaçom com eles, nom pudo senom contribuir a estreitar laços de camaradage (salvo esporádicos incidentes como o arriba descrito). O caso é que o nosso home falará com indissimulado orgulho das raízes galegas de Pablo Iglesias, dos milhares de trabalhadores galegos (labregos e marinheiros, mas também operários) que protagonizam a cotio heróicas acçons de resistência (bélica) enquanto defendem os "sagros intereses da sua clase", dos milicanos galegos comandados polo "noso" Líster, e assi por diante.
     Deste tempo datam as suas cada vez mais fluídas relaçons com os comunistas, motivadas em parte, quiçá, pola relativa sintonia que aprécia neles a respeito da questom nacional, muito maior que a que pode ver em socialistas e anarquistas (nom se perda de vista, ao cabo, que o critério fulcral esgrimido por Castelao à hora de valorizar umha força política é a sua atitude verbo dete problema). Ora, tampouco é alheo a esta empatia o conhecimento que o dirigente galeguista adquire, na altura, de determinados aspectos da realidade soviética. Precisamente em 1938 tem ocasiom de viajar à U.R.R.S., comissionado polo Governo da República, numha gira com carácter a um tempo de propaganda política e de embaixada cultural. Convidado polos sindicatos soviéticos percorre o país, repousa no Mar Negro, conhece as excelências da sua medicina (nomeadamente a oftalmologia), expom as suas estampas de guerra, entra em contacto com a realidade plurinacional do Estado socialista, vê, pergunta, pescuda, està presente nas comemoraçons do 1ª de Maio, observa a solidariedade e o entusiasmo da cidadania com a causa espanhola. À sua volta, as impressons que trai nom podem ser mais positivas. Está fondamente emocionado pola calidez da acolhida, polos enormes progressos realizados no País dos Sóviets e, mui especialmente —mádia leva!— pola feliz soluçom (ou via de soluçom) do problema nacional, em chave federal, que crê ter atopado ali. Em declaraçons à revista Nueva Galicia chegará a fazer afirmaçons como as seguintes:

Non podo negar que este desfile [o do 1º de Maio] produciume un entusiasmo delirante, pro tamén un pouco de tristura o matinar que este novo estado soviético está facendo a construción socialista e atópase realizando un esforzo xigantesco para organizar cumpridamente a defensa do seu país. Sería maravilloso que as potencias guerreiras deixasen en paz ós construtores do socialismo pra que puidesen adicarse con absoluta tranquilidade ó desenrolo das súas creacións culturais.

     E ainda mais:

A Unión soviética é un mundo distinto no que non hai capital monopolista nin calquera clase de dominación caciquil pode existir; é un mundo que vai cara á perfección, aínda que non sexa perfecto. O povo ruso fixo un gran sacrificio por tódolos habitantes do mundo, e o experimento que realfizou, aínda que non houbese trunfado, merecería lembrazas de gloria, pro ademáis como trunfou deixoulle ó mundo enterio un espello onde poder mirarse. (7)

     Logo viriam a viage aos Estados Unidos e Cuba com Luís Soto ("para min mais que un amigo, un irmán"), a correspondência cruzada com Santiago Álvarez (já despois da derrota), as palavras de agarimo para Pepe Gómez Gaioso, futuro dirigente —e mártir— da resistência clandestina na Galiza interior (8).
     Que aconteceu aqui? Tem-se tornado Castelao um comunista, ou um confeso filo-comunista ao menos? Estamos no ponto final da sua evoluçom ideológica? Certamente non. Castelao continua neste período em "latitudes mui distantes do comunismo" (9). O que lhe ocorre é que, como tantos outros demócratas sinceros do momento, nom pode deixar de reconhecer o decisivo papel que a U.R.R.S., principal e quase único aliado da Espanha republicana, está a desempenhar na causa antifascitas mundial (ainda nom se assinara o pacto germano-soviético, mas essa é outra história); nem pode passar por alto os avanços em matéria de benestar do povo soviético, ou a mesma magnitude épica da construçom do socialismo nesse imenso país. Experimenta, neste sentido, a mesma fascinaçom, o mesmo enlevo de muitas reputadas personalidades que, desde pressupostos progressistas, se achegam por aquele tempo à realidade do primeiro Estado obreiro e camponês da História. Se a isto engadimos a carga de emotividade inerente ao contexto bélico que se vive na Espanha republicana e, sobretodo —voltamos ao essencial para Castelao—, a soluçom presuntamente alcançada na U.R.S.S. stalinista para o problema nacional, talvez nom surprenda tanto a atitude do artista e político galego. Mesmo um aspecto que pudera invocar-se como possível mostra de filo-comunismo no nosso autor (negado por ele mesmo, por outra parte), a adopçom no Sempre en Galiza da doutrina dos nacionalismo de Stalin, responde em realidade a razons de outro tipo: ao facto de o comunista goergiano ter metido "de matute no marxismo o núcleo duro do organicismo centro-europeo", organicismo que, como é sabido, constitui o alicerce mesmo do conceito de naçom em Castelao e, se me apuram, em todo o nacionalismo galego até aos nossos dias (10).
     Entre Julho de 1938 e Fevereiro de 1939, Castelao rende o seu último serviço à República Espanhola em tempo de guerra. Numha gira de propaganda percorre Cuba e os Estados Unidos na companha de Luís Soto. A finalidade da missom é recadar apoios para a causa republicana entre as comunidades de emigrantes nesses países. De novo discursos, actos protocolários, recepçons, conferências, massas afervoradas de galegos e nom galegos, colectas de dinheiro e mais ajuda material para os combatentes da Espanha democrática. Só nos EE.UU. participa em mais de douscentos actos de propaganda, atravessando o país de costa a costa. No intre, compom o terceiro dos seus álbumes de guerra, Milicianos. Em Novembro vai para Cuba. Mítins a esgalha outra volta e, como em New York e Moscovo, exposiçom exitosa da sua obra gráfica. Entre acto e acto, de Punta Maisí a Pinar del Río, realiza os seus Debuxos de Negros.
     Quando a gira remata, já Catalunha tem caído e a sorte da República está decidida. Castelao nom regressa. Emprende caminho a Califórnia para tornar mui logo a New York. Na cidade dos arranha-céus, com a tristura da derrota por companheira, inícia o segundo livro de Sempre en Galiza. A sua descreça verbo dos republicanos espanhóis é quase total, e amargura-o a certeza de que umha Galiza autónoma podia ter-se salvado do desaste:

Se nós gobernásemos en Galiza procuraríamos salvala sen autorización de Madrid, e teño a seguridade (seguridade basada en informes certísimos do que alí ocorreu) que non seríamos vencidos pol-os militares acoartelados. E digo máis: Galiza determiñaría, coa súa liberdade, a salvación definitiva da República. (11)

     Na sua actuaçom pública, o nosso protagonista condiciona-o todo "á pervivencia do nacionalismo e a apontalar a fronte republicana no exílio" (12). O conhecimento do sistema político norteamericano e o contacto com a sua sociedade —que nom o entusiasmam em medida comparável aos da U.R.S.S.— afortalam tanto o seu federalismo como as suas convicçons antiimperialistas (outro dos traços, como vimos, do seu pensamento, que foi objecto de umha intervençom específica neste Simpósio).
     Avançado 1940, marcha para Buenos Aires, onde concluirá os capítulos de Sempre en Galiza iniciados em New York. Segundo as suas próprias palavras, de entre as mais fermosas da obra,

[...] traime âs Américas unha fada descoñecida. Creo que veño a envellecer onde me criei. E ¡ogallá que retorne de novo algún día, por estas mesmas augas, para morrer onde nascín! (13)

     Inícia a derradeira etapa da sua vida, marcada invariavelmente pola vivência do exìlio. Un exílio, bem é verdade, um tanto especial, por quanto a capital do Plata era, na altura, um fervedoiro de compatriotas; mas exílio, ao fim e ao cabo. Já nom sairá de solo americano mais que apara exercer, em 1946, como ministro do Goberno republicano de Giral, com sede em Paris. O aquel frustrante desta última experiência (Castelao presência in situ a desuniom dos republicanos espanhóis) precipita o escoar do seu pensamento cara a um certo fundamentalismo nacionalista, presente no último livro de Sempre en Galiza e nas cartas do exílio. Nem os amigos bascos se livram das suas críticas, com o galho da hibernaçom de Galeuzca, e nom digamos os comunistas, virados agora em argalheiros e incordiantes. Mas todo isto, como também a constituiçom do Conselho da Galiza, no cúmio da sua popularidade, ultrapassa já o âmbito desta comunicaçom. E vai sendo hora de irmos rematando.
     Se quigermos fazer um balanço do exposto até aqui poderíamos, se quadra, tentar responder duas questons: 1) Que representou Castelao para Galiza na conjuntura republicana? 2) Resultou determinante na evoluçom ideológica de Castelao o contexto da II República?
     A respeito do primeiro, Castelao simbolizou antes de mais a honestidade. Era um home sensível, um artista sem vocaçom de político profissional que, por sentido do dever e por consciência do papel que ocasionalmente podia representar a prol da dignificaçom da Galiza, emprendeu umha carreira política chea de atrancos e desgostos, mas sem a menor concessom ao arrivismo, o oportunismo ou o compadreo, que eram o pam de cada dia, também entre os tribunos da República.
     Em segundo lugar, Castelao representou umha inquebrantável vontade de serviço aos interesses gerais do seu país. Essa vontade concretiza-se, desde umha posiçom de populismo democrático, na busca (preferente, mália nom exclusiva) do benestar e elevaçom dos mais febles: os pobres, os desvalidos, a Galiza labrega, marinheira e (con reticências ao princípio; decididamente mais tarde) operária. Daí a vea popular que salfere ou, mais bem, impregna tanto a sua obra artística e literária como a sua andaina política, merecedoras do respeito e da consideraçom de gente da mais diversa condiçom; mesmo de umha corrente tam pouco dada a simpatizar com os galeguistas como era o anarco-sindicalismo.
     Em terceiro lugar, e partindo de umha conduta de total integridade persoal, Castelao deu um testemunho de amor à sua Terra e à sua gente. Tivo fé nas potencialidades do seu povo e tentou transmitir-lha a este, para ele poder andar com os seus própios pés.
     Finalmente, o intelectual, o artista "metido a político" aportou ao seu país nom poucas doses de eficácia neste último terreno. Nom por acaso, à sua iniciativa persoal se devêrom bem de gestons e propostas das que resultariam triunfos como a culminaçom do processo estatutário no período que aqui estamos a considerar. Como qualquer outro ser humano pudo enganar-se, errar em tal ou qual momento ou aspecto pontual. Mas o legado que nos passou fica bem à vista.
     Todo isto sem entrarmos a valorizar por separado a sua obra intelectual e de criaçom artística, pois que nesse eido tenhem a palavra os especialistas do ramo.
     Tocante à segunda das questons arriba colocadas, coido que a resposta há ser afirmativa. Resulta dificilmente imaginável que a sua ruptura com os sectores da direita e do catolicismo conservador integrados no galeguismo pudesse ser tam drástica e contundente de nom mediar o clima de extrema polarizaçom político-social do último tramo da República. Abofé que esse passo se vinha preparando desde antes, mas a conjuntura agiu como catalizador do mesmo. Outro tanto cabe dizer da sua aproximaçom aos comunistas, o abrolhar do seu antifascismo e a reafirmaçom do seu antiimperialismo, encirrados polo estalido da guerra espanhola e o descarado intervencionismo nela de potências estrangeiras.
     A vivência da República e a guerra civil, já que logo, acelerou o devalar do seu pensamento cara a um crescente progressismo.





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(1) Justo González Beramendi e Ramón Maiz, "O pensamento político de Castelao", in A. R. Castelao: Sempre en Galiza. Ed. Crítica, Santiago de Compostela, Parlamento de Galicia / Universidade de Santiago, 1992, pp. 81, 83 e ss.
(2) Xosé Lois García (prol.): Castelao, Otero Pedrayo, Suárez Picallo, Vilar Ponte: Discursos Parlamentarios, A Corunha-Sada, Ed. do Castro, 1978, p. 15.
(3) Justo González Beramendi e Ramón Maiz, op. cit., p. 124.
(4) A. R. Castelao, Sempre en Galiza, Buenos Aires, Ed. As Burgas, 1961 (2ª ed.), p. 177.
(5) Ibid., p. 15.
(6) Ibid., pp. 15-16 e 17-18.
(7) Reproduzido por Luís Soto, Castelao, a UPG e outras memorias, Vigo, Ed. Xerais, 1983, pp. 50-52.
(8) Santiago Álvarez, Castelao y nosotros los comunistas, A Corunha-Sada, Ed. do Castro, 1984. A alusom a Soto aparece na p. 20.
(9) A. R. Castelao, op. cit., p. 39.
(10) Justo González Beramendi, "Estrutura e evolución da ideoloxía política de Castelao", in A Nosa Terra, série "A Nosa História", nº 12 (Castelao. As cartas de América), p. 8.
(11) A. R. Castelao, op. cit., p. 200.
(12) J. G. Beramendi, "Estrutura...", op. cit., p. 4.
(13) A. R. Castelao, op. cit., p. 250.

 

 

 


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