Do lusco-fusco

 

Capítulo I

 

v1jacorraliglesiadolusco001.html

     Nom fomos muitos ao enterro do senhor José, colhera o mal do tope que o levou aginha. Foi-se como vivera, calado e sem fazer balbordo algum; só umha vez na sua vida se figera notar, segundo lhe ouvira aos meus pais numha dessas conversas que se tenhem polo baixinho e descrevem algo inconveniente para os pícaros. Do resto, todo o mundo o tinha como o que realmente era, un bom home, sempre fazendo carantonhas aos pequenos quando íamos pola sua sapataria. Gostava de criar canários para nos meiroar despois con eles aos nenos. Lembro-me daquel verdi-amarelo, mui cantareiro, que me regalara quando aprovei o ingresso no Bacharelato, além da gaiola de arame e madeira construída por el mesmo, mui jeitosinha. Ainda hoje a conservo no faiado, som cousas para nom esquecer.
     Casara tarde, com umha mulher que trabalhava de criada na casa do advogado Lugris —de muita sona naqueles anos—. Ela já nom era umha rapazola, mas tinha algo importante para aquele home, era gavejeira e nada latriqueira. Ao passar algum tempo, Lúcia, que assim se chamava a boa da senhora, estava com as contracçons do parto; eram tempos difíceis, ainda havia pouco que terminara a guerra. Daquela paria-se, na maioria dos casos, nas casas e aquele nom se apresentava bem. O senhor José acudiu na procura do médico que vivia nom mui longe, a um quarto de hora andando a bom ritmo; pediu-lhe que se achegasse atender a parturiente e este respondeu-lhe que iria quando acabasse de jantar, pois estava de aniversário; o sapateiro regressou acarom da sua mulher, a pobre estava passando por um inferno, as vizinhas pouco podiam fazer, nem a senhora Elisa que dedicava a sua vida a ajudar a traer os nenos ao mundo. Ainda tornou à consulta duas vezes na demanda de ajuda, tendo sempre a mesma resposta... Nestas, tanto a mulher como o que vinha deixaram para sempre de sofrer. Tam aginha aconteceu a desgraça, o sapateiro foi à cozinha e de ali a um pouco, achegou-se de novo casa do médico, perguntou por ele, ouviu dizer entre gargalhadas "já está aquí esse..."; entrou, e espetoulhe no coraçom três cuiteladas; despois ele mesmo foi-se entregar à polícia.
     Eu conhecim-no quando ia com o meu pai pola sua sapataria. Já estava livre, despois de ter passado uns quinze anos na cadeia.

 

 

 


logoDeputación logoBVG © 2006 Biblioteca Virtual Galega