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(Texto íntegro) |
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v4xavierfriasestuario.html
muita voz a tanta distância
será questão
do verão ainda tão primitivo
posso ver a noite
apenas com os olhos sem destino e tu não estás lá
pôr-te-ão um nome
como se fosses um vestido
e quiçá uma rosa no silêncio
não sei por que
há tanta desfeita
por no sorrir
o que é insorrível
tens como sempre
cara de lua ausente, infeliz
por não te correr
entre os dedos
qualquer nome
A Laura F. V. todos os dedos juntos,
harmonia
e pão
uma pele onde confluem
todos os espíritos
que sabem de infância
a tua
quando a imortalidade
sabemos
que tem riços
e está aprendendo a falar
tu já sabes
que os espelhos falam
como tu queres
mas não sabes
se te pensam
ou os pensas
temos de trabalhar
que o verão é mal momento
para sermos transcendentes
de anjos sabia mais que ninguém
a tua ausência
dias de sabores
azuis
e tentações agora tão pueris
que nos fazem velhos
profetas de alquímias medievais
onde estarás
tu que vivias
nas beiras dos caminhos
com rumo a nenhures?
para quem puder dizer
que as ensonhações
são anomalias mentais
que somos uns neuróticos
que vemos fantasmas desencantados em todas as sombras
dir-lhe-emos
que sim,
que talvez tenha razão ou razões
mas que se cale
para sempre
porque graças a isso
fazemos nossa
a fantasia
e tu
ainda nua de mim
foste ventos
que se queres fazer
um concurso de ausências
que se queres subir
a céus de pão
que se queres que sejamos
folhas tristes de figueira
e tu, mulher de voz opaca,
que olhas para acima?
já passei peregrino
faz tanto tempo
a tua pele de adolescência,
não te lembras?
ainda,
sim,
vejo-te sem olhar-te
quiseres
ou não quiseres
fazemo-nos noite
desterrado
o teu nome
descobro que tem
navalhas entre as letras
porque não quero
que me vejam sonhar
ou quiçá
porque sonhar
esteja interdito
sonho-vos na clandestinidade
e tu
água
e névoa
e utopia
o espelho minte
e as luzes erram
seguro que conheço
milheiros de vós, com olhos de gazela
e florestas à vista
Sois essa espécie de seres nunca débeis
que sabem dominar corações
e tecem sonhos secretos à alva
as marés levam-vos murmúrios
e as luas recriminam-vos a vossa crueldade
mas sois a natureza escura e muda de um tempo
que temos, algum dia, que esquecer
gostaria de não ser mais do que ar
e habitar para sempre
os campos livres da infância
gosto
do teu silêncio
animal
era verão
toda a rua era cheia
de pombas e uma mulher estrangeira
pedia dinheiro numa porta...
tinha vergonha de olhá-la
os jardins urbanos languideciam
como recordações que nunca se superam
vinhas
pensamento abaixo
pensamento acima
para me fazeres mais negro
este calor,
tocar-te era queimar-me
quiçá a mulher que pedia
ria-se ao ver-me tocar o ar
se é que ainda
se lembrava de rir
vi muitas tardes o sol
partir por aquele horizonte que quase sabia a mar
e o sol
eras tu
e o horizonte um tempo deitado
que nunca voltará
tu
um adeus
que se resiste
a se calar
e agora que
cumpre-nos fazer perguntas para escondermos respostas
que sabemos desde há séculos,
cumpre-nos fingir indiferença quando somos
manto de noite, porque o somos, sim
as palavras ficam nuas
deixamos que sejam naves intocaveis
que não chegam jamais a esse destino:
um telefone
e amargaremos as máguas
com café, como sempre, como marinheiros
que nunca navegam e inventam as suas histórias
porque
quiçá
eu te inventei a ti
gritei o silêncio
que era
soidade
a minha
gritei
mas não foi o ar
que voltou para o parque
ler o jornal
como uma pessoa qualquera
e ainda procuro ecos
que não nasceram.
os sonhos todos
decidiram que agosto
era um bom mês para irem morar
a uma pensão.
pegaram as malas
e voaram pela janela
aliás o ar de verão queimava
rosmavam como animais
racionais
ainda não apreendi
a dizer até logo
com uma xícara de vento na mão
tens fome?
o almoço ainda demora
mas temos música que range
e deve estar mole
o café vem com nostalgias
mas acho que ele passou sem dormir
como tu
hei-de ser um avião
para maldizer o tempo.
talvez
Einstein
tinha razão
sobre o relativo
que é voar
não ousaria nunca
beijar-lhe um sorriso
morreria se a ver
estéril
sentada num parque
esta tarde estava Le Petit Prince
no mais secreto das minhas linhas
peguei
o livro porque tem um estranho gosto de infância
não consumida
e li em francês as notas doces dessa tristeza
que Saint-Exupéry me explica
entre uma rosa
uma espinha
um espírito lento
tão amado
quem me ia dizer
que a morte e a vida
dançam juntas um fado
esta noite
quase tem pele de velo
suave como a brise que destinge levemente o verão
esta noite
quase tenho a certeza
que ela não existe
nos poros da música
de um aquele que não conheço
vem a magia
pelos telhados
pelo ar antigo
pela mística invisível
do alento
e
somos peças
de um universo em fraldas
tenho direito de bater palavras que não digam nada
por desgraça tu compreendes a minha letra miuda
ocupas uma sintonia
ou uma sinfonia
ou uma lágrima
e tempo
se tiveres os contornos femininos
de tacto carnal
leve
e azul
o mundo
ele ridículo
não seria o mundo
insistir
em baptizar mulher um rio
e um fado
hino
de tristezas
talvez o último califa de Granada
foi uma cana solitária
ao sol-pôr
numa praia
onde a mulher
jamais deixou pegada
imagino a Neruda com o crânio espido
a falar estrelas,
olhos encerrando por conhecer
cada passo prévio na areia
imagino-o cuspindo amores
que voaram até Benedetti,
amores que tingiu de nada Mário Quintana
você escreveu o meu nome lento
na praia
sei-o
porque são páginas do tempo
sábado
esperava que chovesse
mas o céu tinha outros planos
a terra tem sede
e eu tenho sede
mas os nossos líquidos nem sequer
nos espreitam
guardaremos os seus nomes
para outro dia...
até quando
até quando
os piões caminhavam
pela palma da minha mão
rumo à tua clandestinidade
quem a amar
será um livro em branco
numa biblioteca que não existe
a tarde lânguida
procura
procurar-te
hoje sabes a vinho
com alento de oliveira
hoje és
no meu peito
um Mediterráneo
cães e mentes
perdidos em trevas de tantas ausência
estrelas grávidas de indiferença por uma palavra
que tu
aquele dia
não fizeste
é triste
saber
que agora
o seu sorriso
é apenas uma guerra de pós
sujeito-me forte a um "ainda"
porque Ainda é seu nome em vestido de esperança
tem acústica verde e atlântica
sem estrondos nem bocas vazias
ainda sem saír
ainda com mãos como segredos
ainda de corações sem misturar
chamo-lhe "ainda"
porque faz do tempo mananciais.
escrever-te-ei na pel
como um pergaminho mágico
doces oráculos
de beijos clandestinos
um rosto
mil rostos
um rosto com mil rostos
um rosto anónimo
um rosto automático
um rosto intruso
um rosto sem rosto
imagens de rostos que invadem tepidamente
as sombras de lembrança
era chinês
era galego
era ela
ou nem era rosto
beijos de segunda mão
promoções de beijos
beijos bonitos nas montras
e ainda existem solitários
é um crime
ela amou-o
como vento
como pulo
como essência
ele temeu
apreender a voar
a falar com as borboretas
e foi embora
ela é agora ribeira
e colo perpétuo ao vento
e mestra de solidões
foi
por aquele medo
que os lobos
a ele
já lhe não percorrem a pele
não sei a minha idade
mas oxalá não seja a vossa
soberba
silente
selvática
um velho na rua
ria
chorava
lia poemas de amor
carros
pessoas
na rua
nem o olhavam
hoje pesam mais as pálpebras
de ausência
e vozes
e festas
que fizeram as malas
meio vazias
de palavras
hoje as lembranças são tíbias
por estúpidas
nesse mar que não existe
quando abres os dedos
a lua
como uma unha iluminada
adormece
as ilusões
que não pronuncias
estrelas
nos números do teléfono
que tu
nunca desligas
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