Nada novo baixo o sol: A legitimaçom do poder a travês da arte na Roma de Augusto

 

(Texto íntegro)

 

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     A arte é, sem qualquer género de dúvidas, um dos mais adequados meios para traduzir e exprimir propósitos e conhecimentos, ou para  induzir ideias que a fala normal mui dificilmente pode transmitir.
     Daí que tenha sido utilizada em muitos momentos da história como forma de legitimaçom política, com base sempre numha dupla e às vezes mui subtil manipulaçom das suas aptidões: a de utilizá-la como reflexo do poder político, e a de convertê-la na arma capaz de sustentá-lo. Semelhantes manipulaçoes, à margem da qualidade intrínseca da própria obra, levariam a converter a Arte num simples meio de propaganda, tendente nada mais que a legitimar e afirmar o próprio poder que a mediatizasse.
     Isto nom teria sido possível, no entanto, de nom serem capazes os autores de conseguir elaborar determinadas fórmulas artístico-visuais capazes de possibilitar a compreensom por parte do observador, ainda que guardassem o formalismo de manter parcialmente oculta essa intencionalidade enaltecedora do poder, geralmente unipessoal, que tentavam transmitir.
     Pode-se dizer, em termos gerais, que tal modo de formulaçom da potestade nom tinha sido conhecida no Mundo Clássico —embora sim no egípcio e no oriental— até a apariçom do Alexandre Magno (356-323 a.C.), autêntico autocrata ilustrado do su tempo, criador dum modelo de monarquia triunfalista, próxima à divinizaçom que, considerada também em geral, e coas devidas pontualizações e matizações espaço-temporais, mantivo-se vigente até os nossos dias, e quiçá continue a manter-se muito tempo ainda se nom o soluciona um autêntico milagre.
     Dentro de semelhante retórica do poder e do culto ao dirigente carismático ocasional, de forma especial quando este nom tinha a necessária legitimaçom —som desnecessários os exemplos—, fôrom as fórmulas artísticas —arte e literatura principalmente—, as que se ocupárom de persuadir e demonstrar tanto a idoneidade como a legalidade de tais governantes. Para consegui-lo, a imaginaria do poder criou um modelo de retrato: figuras despidas, como as dos deuses, de tamanho superior ao normal, assemelhadas aos heróis antigos, e possuidoras de rostos apazíveis, como de seres benévolos.
     Tratava-se de autênticas representações plásticas da "areté", ou excelência física e moral. Segundo esta nova concepçom, inicialmente propiciada por Alexandre, um grande home devia contar também com grandes qualidades. E importava mais o significado e o impacto que os artistas pudessem dar à sua expressom, ou à postura e à acçom com as que o representavam, do que as suas autênticas traças físicas e psíquicas e, por suposto, do que a exactidom do próprio facto histórico.
     Assim mesmo, a biografia —que inicialmente se ocupava somente dos filósofos— e a sua irmã espúria, a autobiografia, pugérom-se ao serviço desta ideia, encaminhada a converter a personagem de que se ocupavam, o mesmo que no caso da estatuária, num protótipo ou paradigma digno de ser invejado por todos. Os filósofos Platom († 347), e Aristóteles († 322) favoreceriam também esta tendência por causa da sua defesa da monarquia como forma ideal de governo.
     Seriam aproximadamente do tempo destes os primeiros monumentos que no mundo Clássico se conhecem destinados a perpetuar a memória de alguém com a referida intencionalidade, como som os casos de Temístocles († 495), e Lisandro († 395). Eles representam o inicio do triunfal percurso do individualismo face o interesse polo colectivo que até o momento tinha caracterizado a civilizaçom grega.
     É muito já o que se tem investigado acerca de Alexandre Magno e da sua relaçom com este fenómeno, de jeito que na actualidade é possível fazer umha leitura desapaixonada, mas também, e surpreendentemente, menos negativa do que se poderia pensar, dos seus monumentos e das descrições literárias que dele e do seu tempo se lhe fizérom em vida.
     As diferentes imagens sob as que foi representado Alexandre —ninguém tinha sido tam retratado como ele— formam a essência da sua retórica do poder, basicamente destinada a persuadir do seu carisma e da sua capacidade para governar. Ele é ademais o próprio paradigma: um home nom alto, de pele branca —característica feminina—, pescoço débil, ligeiramente inclinado, barbeado, voz alta e rija, entrecelho feroz, olhos límpidos e húmidos, de olhar duro, e ao mesmo tempo terno, e riço ou "anastolé" sobre a fronte, próprio do home leonino, protótipo da virilidade (Fig. 1). O mesmo Aristóteles louva nos seus escritos este especime leonino, de olhos afundidos. As de Alexandre fôrom representações capazes de ser entendidas por todos, nas que os autores procurárom salientar só as traças que lhes interessavam.

Figura 1:
Cabeça de Alexandre existente no Museu de Istambul. É mui possível que seja da autoria de Lisipo. Nela podem-se advertir tanto a sua «anastolé» como a inclinaçom da cabeça.

     Mas nom é do Macedónio de quem nos imos ocupar neste pequeno trabalho. A nossa intençom é a de comprovar quanto a Arte dumha das épocas mais fecundas e estudadas da História, como é a de Octávio Augusto (63 a.C. a 14 d.C.), em Roma, pode estar sujeita a este ideal da propaganda política a que nos acabamos de referir. E a ela imos dedicar as páginas que seguem.


A ARTE NOS TEMPOS DE OCTÁVIO AUGUSTO

     O investigador alemám Paul Zanker afirmava em 1987 —e ao fazê-lo nom contradiz as teses defendidas por Arnold Hauser a partir de 1953— que tanto os edifícios como as imagens reflectem o estado dumha sociedade, assim como os valores da mesma, as suas crises e os seus momentos difíceis. Por causa disto, qualquer transformaçom que se produza, em especial se esta afecta ao seu sistema político, «conduz a umha nova linguagem no ámbito das imagens, o qual por umha parte reflecte umha mentalidade em processo de mudança e, por outra, constitui umha achega essencial a essa transformaçom».
     Com base em tais considerações, maioritariamente aceites pola investigaçom, resulta evidente que contamos com os meios ajeitados para tratar de formar umha opiniom minimamente objectiva em relaçom ao tempo de Augusto, do que há abundantes mostras na sua arte. E imos tratar de consegui-lo através, de forma especial, de três das suas manifestações mais significativas:
     A: O Mausoléu de Augusto (Fig.2).
     B:  A Estátua de Augusto, chamada da "Prima Porta" (Fig. 8). 
     C: O "Ara Pacis Augustae" (Figs. 12 à 16).

Figura 2:
Restos do Mausoléu de Augusto em Roma, acompanhados polo corte de umha das reconstruçons ideais que do mesmo se figérom.


Figura 3:
Reconstruçom hipotética do
Mauseoléu de Halicarnaso.


Figura 4:
Mausoléu de Cecília Matela, na Via Áppia, de arredor do 30 aC.

     Mas, antes de o fazer, e para situarmo-nos adequadamente no espaço e no tempo, assim como para facilitar umha rápida ubiquaçom dos comentários, riscaremos umhas breves considerações a respeito da arte romana, e sobre a história e a personalidade de Caio Octávio César AUGUSTO.
     Admite-se que, em geral, a escultura romana tem dívida com os modelos gregos e helenísticos, assim como que na sua arquitectura predomina o mais absoluto dos utilitarismos. Outra das suas características é o facto de que o retrato romano representa umha inovaçom a respeito do grego, por ser mais importante nele o destaque do individual e inconfundível sobre a norma estética. Esta fidelidade com o original parece provir do costume, acreditado por Políbio († 118 a.C.) e Caio Plinio, († 79 d.C.), de conservar as máscaras funerárias dos defuntos, circunstáncia que se adverte nas traças afiadas do nariz, queixo, pómulos e boca dos retratados, que nom podem obedecer, para J. J. Martín González, senom ao facto de terem sido tomados do rosto dum cadáver.
     No século I a.C., a que nos estamos a referir neste momento, assim como no seguinte, junto a esse realismo, advertem-se também claros indícios de idealizaçom. Assim mesmo, a escultura romana é também fundamentalmente retratista. E os seus autores, umha grande parte dos quais era originária da Grécia, complementavam as suas obras com elementos metálicos, cerámica, marfim, osso ou madeira, e davam-lhe tratamentos epidérmicos que lhes proporcionavam textura e cor. Tais estátuas eram, geralmente, policromas, sendo denominadas "Thoracatas", se tinham coiraça, e "Togaras", quando a personagem representada vestia toga. As sedentes eram próprias para mulher, enquanto que as eqüestres, mui escassas, reservavam-se só para os Imperadores.
     A influência grega —um povo autenticamente fascinado polo mundo heróico, no que os heróis representavam umha passagem intermédia entre a divindade e os mortais— tivera a sua maior importáncia depois da tomada de Corinto, acontecida no ano 146 a.C. A partir deste momento, tanto os militares como os patrícios romanos procedêrom a um saqueio sistemático das obras de arte gregas, ou a realizar, com muitíssima fidelidade e honradez, normalmente recorrendo a vaziados, cópias das mesmas. Estas reproduções primam especialmente no sul itálico onde até as mesmas vilas reproduziam os ambientes gregos, exibiam as suas obras de arte, e os seus habitantes usavam mantos e sandálias gregas. Em Herculano, por exemplo, nom se adverte a utilizaçom de temática romana nengumha na arte.
     Voltando de novo ao retrato, é necessário lembrarmos agora o facto de que o artista helenista estivera sempre interessado no interior do indivíduo, no seu temperamento, ou no seu carácter, em contraposiçom com a ênfase da sua funçom pública, características que tratava de representar através tanto do rosto como do corpo do retratado, polo que devia recorrer constantemente às metáforas.
     Ora bem, as metáforas visuais funcionam só se podem ser reconhecidas ou interpretadas polo espectador. Felizmente, os romanos, profundamente aculturados polo helenismo, segundo nos refere Quinto Horácio Flaco († 8 a.C.), e pode ser constatado através do estudo da sua arte, podiam, em geral, aceder à interpretaçom da maioria das metáforas helénicas, além das suas próprias, circunstáncia que nos poupa já, em parte, o caminho que estamos a encetar.


CRONOLOGIA DO PERÍODO AUGÚSTEO

     À margem de quanto a História conseguiu averiguar e considerar ao respeito, contamos com um excepcional testemunho para valorizar a intencionalidade, assim como a pessoal visom e interpretaçom deste Imperador a respeito de muitos dos feitos da sua vida.
     Trata-se da única das obras escritas por Augusto, poeta e autobiógrafo reconhecido, que sobreviveu à destruiçom. Denomina-se Res Gestae Divi Augusti ou Acções do divino Augusto, e é o monumento literário por meio do qual tentou impedir que o povo romano pudesse chegar a esquecer as campanhas, as reformas, ou as grandes realizações que tinha acometido em vida. Considera-se, também que é um extracto da De vita sua, outra das suas obras perdidas.
     O seu texto foi encontrado no ano 1555, gravado nos muros da prónaos dum templo dedicado a ele e a Roma, na localidade de Ancira, hoje Ankara, a capital de Turquia. A inscriçom tem um tamanho de 2,7 por 4 metros, por cada umha das caras, figurando no exterior do edifício a sua traduçom ao grego. Segundo M. C. Howatson trata-se da reproduçom dum dos documentos escritos polo Imperador que fôrom lidos no Senado à sua morte, e que, de acordo com os seus desejos, acabárom sendo gravados em bronze e colocados no exterior do seu Mausoléu, em Roma, segundo também afirma o seu biógrafo Caio Suetónio Tranquilo. Perdido o original da
Res Gestae, o seu conteúdo chegou a nós graças nom só a este achado, mas a outros semelhantes, aparecidos depois tanto em Antióquia, este só em latim, como em Apolónia, na sua versom grega. Factos estes que salientam a possibilidade de que tais comentários auto-enaltecedores tivessem sido expostos simultaneamente em diferentes pontos do Império.
     A primeira ediçom autenticamente científica deste documento deve-se ao inevitável, e também por muitos motivos admirável, Theodor Mommsen, que a publicou em Berlim no ano 1883, ainda que já realizara outra menos perfeita e ambiciosa na década anterior. As versões castelhanas que conhecemos devem-se a Francisco P de Samaranch, em 1969, e outras duas a Guillermo Fatás, em 1987. Nom sabemos de nengumha versom galega, a pesar de que o autor do texto seja a primeira personagem autenticamente histórica que detentou a autoridade sobre toda Galiza.

     Desta Res Gestae Divi Augusti, procedem alguns dos comentários que ilustram, com toda a claridade de intenções, os factos cronológicos que imos examinar a seguir:

—63: 23-9: Nasce no bairro romano do Palatino, Caio OCTÁVIO, posteriormente, Caio Júlio César OCTAVIANO e, por último, AUGUSTO. A sua mai era sobrinha de Caio Júlio César.
Era, entom, Cônsul Marco Túlio Cícero (106-43). 
Ano também da conhecida Conspiraçom de Catilina.
—58: Começa a Guerra das Gálias, que acaba no ano 50.
—55: Morre o poeta Tito LUCRÉCIO Caro.
Cneo Pompéu Magno termina o primeiro teatro de pedra de Roma.
—54: Morre o poeta Caio Valério CATULO.
—53: Derrota e morte de Marco Licínio CRASO, em Carras, a mãos dos partos.
—49: Principia a Guerra Civil entre César e Cneo POMPÉU Magno.
—48: Batalha de Farsália. Derrota de POMPÉU, que morre em Egipto.
—46: Júlio César inaugura o Foro Júlio, no centro de negócios de Roma, comemorando a sua vitória em Farsália. Nele ergueu um templo a Vénus Genetrix, mítico ancestro da "Gens Iulia" assim como umha estátua eqüestre sua.
—45: Octávio é adoptado por Júlio César, que o envia a Apolónia (na actual Albánia, ao sul de Durrachium) para ampliar estudos.
Passa depois a chamar-se Caio Júlio César Octaviano.
—44: 15-3: Assassinato de Júlio César em Roma.
Octávio volta a Roma, e exige o Consulado plantando as suas legiões às portas da cidade. Inicia assim a sua luita de treze anos polo poder. Ao longo da sua vida ostentaria também 13 vezes o indicado cargo, onze delas seguidas.

     Aos dezanove anos de idade levantei, por decisom pessoal e a meu cargo, um exército que me permitiu devolver a liberdade à Republica, oprimida polo domínio dumha facçom
(Res Gestae, 1).

No mês de julho aparece o "sidus Iulum", um cometa, distinto do Halley —este passou no 86 e no 11 a.C.— que se deixou ver durante 7 dias. Este sinal seria incorporado a todas as estátuas de César, assim como ao capacete de Octávio, moedas e anéis, por ordem deste.
Ao final do ano reivindica perante a estátua de César os seus direitos.

—43: Assassinato de Marco Túlio CÍCERO, quem, pouco antes comparara no Senado Octávio com Alexandre Magno.
2-1: É aprovada a construçom dum monumento eqüestre a Octávio.
7-1: Octávio investido com o "imperium" militar.

     Como recompensa, o Senado, por meio de decretos honoríficos, admitiu-me no seu seio, concedendo-me a categoria senatorial equivalente a dos Cônsules. Conferiu-me a missom de velar polo público bem-estar e nomeou-me Cônsul e Triúnviro responsável pola reconstruçom da República. (Res Gestae, 1).

Nasce o poeta Públio OVIDIO Naso.
Lei de Públio Tício concedendo aos triúnviros poderes ilimitados por CINCO ANOS.

—42:

23-10: Marco ANTÓNIO, Marco Emílio LÉPIDO, e OCTÁVIO, vencem em Filipos, Macedónia, a Bruto e Cássio, assassinos de César, que resultarám mortos.


     Proscrevim aos assassinos de meu Pai, vindicando o seu crime por meio dum juízo legal, e, quando mais tarde levárom as suas armas contra a República, vencim-nos por duas vezes em campo aberto. (Res Gestae, 2).

Octávio consegue impor o culto estatal a César, deificado como "Divi Iulius", passando ele a ser "divi filius".
Por este tempo usava um carimbo com a efígie da Esfinge, símbolo de Apolo e do "Regnum Apollinis", anunciado pola Sibila de Cumas vários séculos antes.

—41: Com aproximadamente 22 anos de idade, Octávio divorcia-se da sua segunda esposa, Cláudia, e casa por terceira vez com Escribónia, que já estivera casada também duas vezes.
—40: Paz de Brindísi: Divisom do Império entre Octávio, Marco António e Lépido. Marco António casa com Otávia, irmã de Octávio.
—38: 17-1: Octávio casa por quarta e última vez com Lívia Drusila, mai já de Tibério, divorciada de Tibério Cláudio Nerom.
As posses romanas na Península Ibérica declaradas tributárias. Começa a ERA HISPÁNICA.
—36: Octávio vence a Sexto Pompeu frente a Messina, e destitui Lépido, sendo-lhe conferida a potestade de TRIBUNO de por vida.
Octávio é representado despido numha estátua inspirada no Posseidom de Lisipo (Século IV a. C.)
—32: Publicaçom ilegal do testamento de Marco Antônio, que acabava de divorciar-se da sua irmã.
Octávio restaura o teatro de Pompeu em Roma.
Por estas datas Octávio fai-se retratar nas moedas, assimilado à divindade, como os reis helenísticos. Era, entom, já de domínio público que o seu autêntico pai ser o deus Apolo.
—30: Agosto: Tomada de Alexandria. Morrem Marco António e Cleópatra.
Octávio permite que continue a construçom da sua tumba.
Octávio coloca umha coroa de ouro e cobre com flores a urna que guardava os restos de Alexandre Magno, em Alexandria.
Começa o "principado" de Octávio, assim como a celebrarse oficialmente o dia 23-9, data do seu nascimento, como dia venturoso.
O nome do Octávio incluído nas preces do Senado e do Povo aparecendo também nos hinos sálicos e nos brindes, tanto públicos como privados.
Por este tempo usava já Octávio um carimbo com a efígie de Alexandre.
Posteriormente utilizará a sua própria imagem.
?29: Fim da República: Octávio retorna a Roma onde celebra um triplo Triunfo, sobre Ilíria, Egipto e Accio. É-lhe conferido por lei o título de "Imperator" que levava usando já vários anos.
Em honra à vitória sobre Marco António, Octávio procede ao encerramento do templo de Jano em Roma, feito que acontecia por terceira vez na história da cidade.

     O templo de Jano Quirino, que os nossos antepassados desejavam permanecesse clausurado quando em todos os domínios do povo romano se estabelecesse vitoriosamente a paz, tanto na terra como no mar, nom fora fechado senom em duas ocasiões, desde a fundaçom da cidade até o meu nascimento. Durante o meu Principado, o Senado determinou em três ocasiões que devia ser encerrado. (Res Gestae, 13).

Octávio dá a conhecer o seu programa de restauraçom moral.
Reorganizaçom e fundaçom dos Colégios Sacerdotais.
Remata a construçom do templo em honra ao "Divi Iulius" no Foro, ainda que vinha aparecendo representado já nas moedas desde polo menos o ano 36 a. C.
VITRÚBIO Poliom publica
De Architectura.
Públio VIRGÍLIO Marom publica Georgicas.     

—28: Sexto consulado de Octávio, e Príncipe do Senado.
Som oferecidos votos "pro valetudine" (pela saúde) de Octávio.
Submetimento dos povos Aquitanos.
9-10: Consagraçom do Santuário a Apolo no Palatino, em reconhecimento pola sua ajuda em Accio. Segundo Caio Suetónio foi erguido na parte da residência de Octávio destruída por um raio. Principia assim um programa que lhe permitirá a reconstruçom de 82 templos em Roma.
—27:

13-1: Octávio pom os seus poderes de Triúnviro nas mãos do Senado, para que poda ser restaurada a República. O Senado pede-lhe que continue 10 anos mais.
Três dias mais tarde, o 16-1, é-lhe concedido o título de AUGUSTO.
Pouco depois, o mês "Sextil" passa a ser chamado "Augustus", na sua honra, pois nele obtivera, segundo afirmam Caio Suetónio e Teodósio Macróbio, o seu primeiro consulado e as suas mais importantes vitórias.


     Durante os meus consulados sexto e sétimo, logo de ter acabado a Guerra Civil, com os poderes absolutos que o geral consenso me tinha confiado, decidim que o Governo da República passasse do meu arbítrio ao Senado e ao povo romano. Por tal meritória acçom recebim o nome de Augusto.
As colunas da minha casa fôrom ornadas oficialmente com loureiros. Desde entom fum superior a todos em autoridade, mais nom tivem mais poderes que qualquer outro dos que fôrom os meus colaboradores nas magistraturas. (Res Gestae, 34).

Arco Triunfal a Augusto na Via Flamínia.
Augusto divide e classifica as províncias em Senatoriais —as que se encontravam submetidas e em paz—, e Imperiais, as nom submetidas por completo e precisadas da presença das tropas. A nova província denominada Lusitánia, que durante aproximadamente 15 anos abrangeria também a Gallaecia, incluída entre estas últimas, quer dizer, entre aquelas que precisavam tropas, por nom estarem ainda controladas.
A finais do ano, Augusto, agora também "princeps civitatis" (primeiro cidadão), logo de criar a sua Guarda Pretoriana, e abrir de novo as portas do Templo de Jano, chega a Tarraco (Tarragona).
Marco Vipsanio AGRIPA inicia em Roma a construçom do PANTEOM, destinado a acolher a todos os deuses.
Culto a Augusto na ilha grega de Mitilene.

—26: 1-1: Oitavo consulado de Augusto.
Augusto no norte da Península à frente de 70.000 homes, e da frota da Aquitánia, para dirigir a campanha contra cántabros, astures e galaicos.
Instalaçom em Arlês, e provavelmente também noutras cidades dumha copia em bronze do "Clipeus Virtutes" de ouro de Augusto.
Partindo do que hoje é Braga, os legados romanos Caio Antístio Vetus e Caio Fírmio, tomam a fraga de Lugo e acabam algo mais tarde com a resistência do "Monte Medúlio", de discutida e imprecisa ubiquaçom, ainda que muito provavelmente, tal como afirma o historiador Paulo Orósio, próximo ao rio Minho. Estes factos permitírom acabar a conquista romana do actual território da Galiza.
—25: Tito Lívio escreve Ab Urbe Condita libri, ou História de Roma desde a sua fundaçom.
Possível data da fundaçom de César Augusta (Saragoça).
Culto a Augusto em Tarraco.
Dezembro: Augusto abandona Tarraco.
—24: Ao chegar a Roma, Augusto fai fechar o templo de Jano por quarta vez, pola sua vitória sobre os povos do norte peninsular, ainda que a guerra continuaria vários anos mais.
Décimo consulado de Augusto.
—23: Descobre-se um compló contra a vida de Augusto, quem decide renunciar ao seu cargo do Consulado o 1-7, recebendo a cámbio, de por vida, a potestade Tribunícia que lhe conferia o controlo total do estado.
A execuçom dum dos conspiradores, Varron Murena, cunhado de Caio MECENAS, conselheiro de confiança de Augusto, esfriou as relações entre ambos.
—20: Campanha contra os partos e repatriaçom, sem luita, das insígnias perdidas no ano 53 por Marco Licínio CRASO.
—19: Augusto retorna de Síria. O Senado acorda construir na sua honra a "Ara Fortunae Reducis" (Ara à Fortuna do Retorno) na Porta Capena, acesso a Roma desde Sul, o ponto por onde este o tinha feito.
Construi-se também um Arco em comemoraçom da sua vitória sobre os partos nas imediações do templo do "Divus Iulius", ainda que esta nom fora mais que diplomática.
Morre o poeta Públio VIRGÍLIO Maron.
Ainda em contra dos desejos deste, Augusto fai publicar a sua inacaba­da
Eneida. Virgílio tinha sido colaborador seu nas tarefas de regeneraçom moral, o mesmo do que os autores Quinto Horácio e Tito Lívio.
Fim da chamada Guerra contra Cántabros e Astures.
Morre o poeta elegíaco Álbio Tíbulo.

É realizada umha cópia em mármore dumha estatua de Augusto, a agora conhecida como da "Prima Porta".
—18: Novas medidas de Augusto destinadas à regeneraçom familiar, seriamente corrompida: "Leges Iuliae", baixo o signo de Apolo, símbolo da moral e a disciplina quem, como cantante e tocador de cítara, era também o deus da paz e a reconciliaçom.
—17: Emissom de denários com o retrato de Augusto divinizado, com o mesmo penteado da sua estatua da Prima Porta, assim como com o cometa aparecido neste ano, sobre a sua cabeça, em clara alusom ao "Sidus IuIium" do ano 44. Um signo da perdurabilidade tanto do estado como da Dinastia Iulia.
Começa a "Idade de Ouro", que se celebrou com grande solenidade e cerimonial sob a denominaçom de Jogos Seculares. Para eles compujo Quinto HORÁCIO Flaco o seu
Carmen Saeculare, que foi cantado no templo de Apolo por crianças com vestimentas brancas.
—16: Augusto nas Gálias.
—15: Morre, aos 30 anos de idade, o poeta elegíaco Sexto PROPÉRCIO.
—14: Restauraçom da basílica Emília.
—13: 4-7: Retorno de Augusto. O Senado acorda entom consagrar o "Ara Pacis Augustea" no Campo de Marte. Por ter acedido aquele à cidade desde o Norte pola Via Flamínia, este Ara foi situado próximo à correspondente porta.
Augusto elegido "Pontificex Maximus"
—12: Morre o que fora Triunviro, Marco Emílio LÉPIDO.
Morre Marco Vipsário AGRIPA, braço direito de Augusto.
6-3: Augusto consagrado "Pontificex Máximus". Construçom dum santuário a Vesta, na sua casa do Palatino.
Umha moeda deste ano mostra Augusto ajudando a erguer-se à "Res Publica"
—11: Acaba a construçom do Teatro Marcelo.
—10: Inauguraçom do "Solarium Augusti", gigantesco relógio solar, dotado com um gnómon de 30 metros de altura, trazido de Egipto (Fig. 16).
—9: 30-1: Augusto fai sacrifícios ao seu "antepassado" Eneas de Tróia. O "Ara Pacis", acabado rapidamente, recolhe a cena deste sacrifício em dous dos seus relevos (Figs. 12 e 13).
"Lex Papia Poppaea", de Augusto, suavizando as medidas da sua anterior "Lex Iulia", destinada à regeneraçom matrimonial.
—8: Morre Caio MECENAS, o mais famoso patrocinador literário.
Morre Quinto HORÁCIO Flaco, mestre da sátira literária. Nas suas obras apoiou as iniciativas de regeneraçom familiar, a luita contra o luxo e a idealizaçom dos velhos costumes, que Augusto pretendia.
Augusto encerra por quinta vez na história o templo de Jano, comemorando as vitórias de Tibério sobre os germanos.
—6: Tibério deportado à ilha de Rodes por desavenças com Augusto.
—3: Restauraçom do templo da "Grande Mai dos Deuses".
—2:

5-2: Augusto recebe o título de "Pater Patriae", e rejeita o de "Dictator", assim corno os 24 fasces que o simbolizavam.
Augusto limita por meio da "Lex Fufia Caninia" a libertaçom de escra
vos por testamento.
Finaliza a construçom do Foro de Augusto, de 110 por 83 metros, imediato ao templo de Marte Vingador. Tinha sido por ele prometido no ano 42, depois da batalha de Filipos.


     Quando exercia o meu décimo terceiro consulado, o Senado, a Ordem dos Cavaleiros Romanos e o povo romano inteiro, designárom-me Pai da Pátria, e decidírom que o título devia de gravar-se na entrada da minha casa, na Cúria, no Foro de Augusto, e nas quadrigas que, com ocasiom dum senado consulto foram erigidas na minha honra.

Augusto fai representar a batalha de Salamina numha Naumaquia artificial construída na margem direita do Tíber, enfrente quase do Circo Máximo.


     Oferecim ao povo o espectáculo dumha naumaquia, na outra beira do Tíber, onde hoje está o Bosque Sagrado dos Césares, num estanque escavado de 1800 pés de longo e 1200 de largo. Tomárom parte nela 30 naves, trirremes ou birremes, fornecidas com esporões, e um número ainda maior de barcos menores. A bordo destas frotas combatêrom, sem contar os remeiros, uns 3000 homes. (Res Gestae, 23).
4: Tibério é designado sucessor de Augusto.
"Lex Aelia Sentia", limitando a libertaçom de escravos.
9: Augusto desterra o poeta Públio OVÍDIO Naso (17 d.C.)
O germano Armínio esmaga aos romanos en Teutoburgo.
14: 19-8: Morre Augusto. A sua viuva, Lívia, retira-se a umha residência próxima à Prima Porta, na Via Flamínia.
O Senado acorda denominar "Século de Augusto" o período compreendido entre o dia do seu nascimento e o da sua morte.



A PERSONALIDADE DE OCTÁVIO CÉSAR AUGUSTO

    
Tal corno pode ver-se no resumo cronológico que acabamos de apresentar, Augusto fizo umha carreira autenticamente meteórica a partir do momento, —março do ano 44 a.C.—, em que seu pai adoptivo, Júlio César, foi assassinado. Sem pretender significar com isto que só perseguisse beneficiar-se de semelhante cir­cunstáncia, a realidade constrastável é a de que a utilizou profunda e demagogica­mente. E que quantos louvores concedeu ao defunto, como por exemplo o da divi­nizaçom, parecem pensados como para contribuir à exaltaçom de si próprio, "o filho do Divino".
    
Por se na referida exposiçom nom ficasse devidamente clara esta postura sua, incidamos nos factos de que Augusto se fizo representar nas moedas assimilado à divindade, o mesmo que os monarcas helenísticos, e que, como estes, tampouco tivo excessivos remorsos em eliminar os seus rivais políticos, nem os filhos dos mesmos, utilizando também o título de Imperador muito antes de ser-lhe concedi­do. Permitiu, ou quiçá mesmo a procurou, a inclusom do seu nome nos pregos, nos hinos sálicos, e nos brindes, tanto públicos como privados. Ajuntou na sua pessoa as máximas honras e todos os poderes possíveis, recebeu toda classe de triunfos e, por último, também nom foi alheio ao facto de ter sido objecto de culto já em vida.

     O Senado decretou que, cada quatro anos, Cônsules e sacerdotes ofere­cessem votos pola minha saúde. Assim mesmo, nas suas casas e nas munici­palidades, todos os cidadãos, sem excepçom e unanimemente, fizérom todo tipo de cerimónias pola minha saúde em toda classe de lugares sagrados. O Senado fizo incluir o meu nome no cántico dos sacerdotes Sálios e umha lei prescreveu que possuiria, a perpetuidade e de por vida, carácter inviolável a minha pessoa e a potestade dos Tribunos da plebe. (Res Gestae, 9 e 10).

     Também nom pode ser esquecida a intencionalidade com a que fizo publicar, em contra dos desejos do seu autor, o poeta Virgílio, a sua obra Eneida, que vinculava a Roma com Tróia e convertia-o a ele em descendente tanto da deusa Vénus como do Troiano Éneas, circunstáncia esta que lhe permitiu colocar as estátuas dos seus antepassados mais significados na Êxedra do Templo de Marte.
     A esfinge que vinha utilizando desde cerca do ano 42 como carimbo simbolizava Apolo Salvador. Apolo foi, assim mesmo, a consigna utilizada nesse mesmo ano na batalha de Filipos, e à sua ajuda pessoal fizo crer que se deveu mais tarde a sua vitória militar sobre Marco António e Cleópatra, em Accio. A este deus dedicou um santuário anexo ao seu domicílio, numha parte do mesmo abatida por um raio —meteoro a que tinha autêntico pavor— seguramente com o objecto de buscar a sua protecçom. Sem embargo acabou por substituir esta esfinge por um retrato de Alexandre Magno, pouco depois da sua visita ao mausoléu deste em Alexandria, feito, como logo imos ver, indicativo e determinante das suas subseqüentes atitudes.
     No aspecto positivo, indiquemos que a sua actividade construtora foi enorme, tanto em Roma como nas restantes vilas do império. Prosseguido o labor já iniciado por Júlio César, encaminhado a corrigir aquela Roma tam abafada polas deficiências que o próprio Filipo de Macedónia (
336 a.C.) se burlou dela, Augusto poderia chegar a dizer um dia, com razom, «que lhe entregaram umha cidade de tijolos, e deixava umha de mármore».
     Soubo fazer-se ajudar nas suas tarefas pola mensagem escrita dos principais autores do seu tempo, e tratou de ganhar o povo celebrando o maior número de jogos e espectáculos da história romana. Fizo, ademais, do campo de Marte um autêntico Foro Cultural.
     É discutível, porém, que as suas actuações, assim como a mençom deturpada e interessada dos seus logros, ou a ocultaçom de todos os seus fracassos, assim como das suas derrotas militares, que se advertem na Res Gestae, nom perseguissem a sua própria exaltaçom, mas sim, como pretende Paul Zanker, que obedecessem só aos seus desejos de se mostrar como um modelo a imitar. Trata-se, evidentemente, dumha opiniom mui respeitável. Mas o facto de o conteúdo dessas quase patéticas afirmações sobre si próprio terem sido difundidas, quiçá simultaneamente, por inúmeros pontos do império, fai-nos pensar em qualquer outra intençom mais oportunista e menos desinteressada pola sua parte. Vejamos, senom, o começo das mesmas, segundo figura no templo de Áncira:

     Texto que é cópia da Acções do Divino Augusto, com as que sujeitou ao Universo Mundo ao domínio do povo romano, e das munificências que fizo à República e ao povo de Roma, escritas em duas colunas de bronze, que se
encontram em Roma.

     A reforma moral e a dignificaçom do matrimónio que pretendeu também nom tivérom os resultados que procurava. Nem sequer pudo ser ele próprio um exemplo, pois, à parte de ter sido sexualmente promíscuo, segundo nos refere Caio Suetónio, casou nada menos que quatro vezes, a última com Lívia Drusila, depois de lha arrebatar ao seu anterior marido, estando grávida deste. A esta, porém, sim lhe seria fiel ao longo dos 52 anos que lhe ficavam de vida.
     Sabidas estas circunstáncias, passemos agora a conhecer quanto a respeito do seu aspecto físico sabemos. Para isto contamos com as palavras que lhe dedica Caio Suetónio Tranquilo em De Vita Caesarum:

     «Augusto estivo dotado dumha beleza de formas e dumha finura de traças extraordinárias. Pola contra nom mostrava interesse por nengumha classe de enfeitamento, e no arranjo do cabelo chegava a tal extremo a sua incúria que o fazia cortar a toda presa por vários cabeleireiros a um tempo».
     «A barba umhas vezes pelava-a e outras barbeava-a».
     «A expressom do seu rosto irradiava tranqüilidade e serenidade» (Figs. 5 a 8).
     «Tinha os olhos claros e transparentes. Desejava mesmo que se cresse que umha espécie de magnetismo divino animava a sua olhada, e gostava de que baixassem a vista como deslumbrados polo resplendor dum sol, quando fitava alguém".
     «Os seus dentes estavam separados, e eram pequenos e irregulares. 0 pelo levemente riço e quase loiro. 0 nariz algo mais proeminente no seu arranque, e um pouco rebaixado no seu remate. A cor da pele entre parda e branca. A estatura baixa, mas bem dissimulada pola adequada proporçom dos seus membros, de forma que nom se lhe notasse mais que por comparaçom com alguém mais alto, que se pugesse ao seu lado. Contodo, Júlio Marato, liberto e arquivista de Augusto, diz que media cinco pés e três quartos (1,70 m). Usava calçado alto.
     «Afirma-se que tinha manchas no seu corpo, estendidas polo peito e o ventre».
     «Ressentia-se do quadril, da coxa e da perna esquerda, até o ponto de fazê-lo coxear nom poucas vezes. Mas conseguia manter-se erguido e corrigir o desequilíbrio graças a um sustento feito de canas sujeitas por correias».
     «Às vezes sentia-se mui débil do dedo índice da mão direita, que se lhe garrotava com o frio e contraía de jeito que tinha que suplementá-lo com um anel de corno, e mesmo assi, quase nom podia servir-se dele para escrever».

     Os parágrafos aqui reproduzidos representam, evidentemente, um panegírico laudatório, e devem ser contemplados mesmo com lupa. Através deles adverte-se, porém, que, por mais que Caio Suetónio se considere na obriga de tratar de nos convencer da formosura do Imperador, o seu desleixo pessoal, as deficiências da sua dentadura, ou a sua coxearia, nom o ajudam no intento. O qual induz a sérias dúvidas a respeito da exactidom da descriçom, ainda que no-lo mostrem autenticamente belo os mais de 140 retratos que de Augusto se conservam. Tampouco parece mui próprio que pudesse medir cinco pés e três quartos de altura, como indica o seu arquivista Marato, quando o autor que recolhe esta opiniom considera-o mais bem pequeno. A nom ser que o referido comprimento incluísse também o calçado alto que, para dissimular a sua relativa pequenez, utilizava.
     O mesmo que já antes advertíramos acerca da influência helenística em quanto com as actuações de Augusto se relaciona, a descriçom de Caio Suetónio mostra um mais que suspeitoso paralelismo a respeito da figura de Alexandre Magno. O facto de que Augusto utilizasse um carimbo com a efígie deste, induz a suspeitar que devia de tê-lo tomado como modelo ideal. Polo menos a partir do ano 30 a.C. data em que o homenageara na sua tumba, e possivelmente também na que começou a vestir a clámide grega.

     No físico era formoso e dumha enorme resistência à fadiga. A sua inteligência era penetrante, o seu valor estremado. Ninguém amava mais do que ele a glória e o perigo, nem era mais solícito no cumprimento dos seus deveres para com os deuses. Tinha um completo domínio dos prazeres do corpo e nada mais que se mostrava insaciável nos dos espírito, pela glória que reportam.

     Som palavras de Flávio Arriano, tomadas da sua Anábase de Alexandre, e servem-nos de oportuna ilustraçom ao que acabamos de comentar.
     Entre as semelhanças e dependências que salientávamos, encontram-se as de que nengum dos dous fosse alto. Assim ambos tinham a pele branca, ambos os olhos límpidos, e ambos o cabelo claro e riçado (Fig. 1 e 5 à 8). Nom era coincidente Augusto, porém, com a moral sexual, o avio pessoal, a inclinaçom da cabeça, ou a dureza da olhada do macedónio, ainda que tratou de conseguir efeitos semelhantes ditando leis moralizadoras, ou tentando que os outros aceitassem que possuía um magnetismo divino na olhada. Também nom pudo competir nunca com aquele em capacidade militar. Por último, as peculiaridades dos riços do seu cabelo, tal como no-lo descreve Suetónio, também nom som alheias às do de Alexandre.

Figura 5:
Retrato de Augusto existente no Museu do Louvre. Paris.


Figura 6:
Cabeça de bronce que representa um Augusto duns 25 anos, atopada em Meroe, Sudam. (British Museum. Londres).


Figura 7:
Estátua de Augusto como Pontífice Máximo do Museu das Termas, Roma. O penteado e a inclinaçom da cabeça som semelhantes aos de Alexandre, e, apesar da diferença de idade, aos das figuras 6 e 7.

     Tais similitudes descobrem um indício de interesse pola sua parte para se aproximar no possível a Alexandre, que, de confirmar-se nesta análise, poriam em juízo o próprio realismo das representações que de Augusto se conservam.
     Mas, as suas pretensões de semelhança nom acabam aqui. Podemos passar por alto a afirmaçom de Sexto Pompeu (36 a.C.), de que Augusto era efeminado —outra das características que se atribuem a Alexandre—, já que procede da boca dum inimigo, e poderia nom ser exacta. Mas já nom a intencionalidade que se oculta na difusora serôdia duns pretensos agoiros que precederam ao nascimento de Augusto, em todo semelhantes aos que anunciaram o de Alexandre, que mui dificilmente poderám ser considerados como nom inspirados por estes. E que, assim como o Macedónio chegou a crer que a sua mai jazera com Zeus, acerca da de Augusto pretendeu-se que fora com Apolo com quem se tinha deitado.
     Alexandre tivo sérias dificuldades para que os gregos e os macedónios admitissem a sua pretensa divindade. O mais que conseguiu foi que o tomassem com sarcasmo. Nisto foi ultrapassado por Augusto que recebeu culto em vida, e o mais eminente poeta do seu tempo, Virgílio, mesmo lhe fabricou umha dupla ascendência divina, como foi a de fazê-lo descendente tanto de Vénus como de Éneas.
     Assim mesmo, dado que Alexandre enchera o seu mundo de Alexandrias, Augusto, para nom ser menos, "fundou" também numerosas cidades com o seu nome. Para nom nos exceder na sua enumeraçom, citemos tam só as mais conhecidas e próximas a nós, como Lucus Augusti, Astúrica Augusta (Astorga), Brácara Augusta, Augustóbriga, Emérita Augusta (Mérida), Augusta Gaditana, ou César Augusta (hoje Saragoça).

     Fundei cidades militares coloniais em África, Sicília, Macedónia, em ambas as Hispánias, em Acaia, em Síria, na Gália Narbonense e em Pisídia. Em Itália há vinte e oito colónias fundadas baixo os meus auspícios (Res Gestae, 28).

     Augusto, o mesmo que o macedónio, fizo sacrifícios a Dioniso em certo altar da Trácia, e também a ele aconteceu o prodígio de que se produzisse, ao fazê-lo, umha labareda que se perdeu no céu.
     Nom parecem gratuitas semelhantes coincidências, pois nom em vão, perante o túmulo de Alexandre, segundo também nos transmite Caio Suetónio, Augusto chegara a afirmar que «quigera ver um rei». Casualmente isto acontecia uns meses antes de que fosse declarado "Imperator".


TRÊS MOSTRAS DA ARTE AUGÚSTEA

     Admitido, como antes indicamos, o princípio de que a arte e as imagens reflectem o estado dumha sociedade e os seus valores, assim como que qualquer transformaçom na mesma conduz a umha nova formulaçom no ámbito das suas representações, imos tentar comprovar agora a repercussom que pudo ter na arte romana a chegada de Augusto ao poder, se a produçom artística deste período reflecte o seguimento do modelo de Alexandre, que as leves considerações que acabamos de realizar parecem apontar, e, por conseguinte, se o mesmo que tinha feito o macedónio, pudo ter sido utilizada a arte polo romano como umha forma mais de propaganda e de legitimizaçom política.
     E imo-lo fazer, de forma especial, através das três obras que antes indicáramos. 


A: O MAUSOLÉU DE AUGUSTO

     Ainda que nom existe unanimidade entre os autores, parece que a construçom deste Mausoléu foi iniciada quando o futuro primeiro Imperador de Roma contava apenas 30 anos. Quer dizer, arredor do ano 33 a.C., quiçá como reacçom perante o facto de ter sabido entom que Marco António pretendia ser exumado em Alexandria, e que ali estava a se construir umha tumba. Marco António divorciaria-se da sua irmã no ano seguinte.
     O futuro panteom de Augusto foi situado ao norte do Campo de Marte, (Fig. 2), a escassa distáncia do Tíber. Um lugar que com a passagem do tempo se converteria na actual "Piazza Augusto Imperatre", em Roma. Alguns documentos consideram-na um Mausoléu, mas também aparece denominado como "Tumulus luliorum", sem dúvida a causa da pretensom do autarca de que servisse também de lugar de enterramento para os seus familiares. Casual ou de jeito deliberado, o Campo de Marte era também o lugar ao que, havia 113 anos, tinha deslocado Quinto Cecílio Metelo, como botim de guerra, o famoso monumento talhado por Lisipo em bronze à vitória de Alexandre no rio Gánico.
     No ano 28 a. C. os trabalhos de construçom estavam já o suficientemente adiantados como para permitir o acesso do público aos parques que o rodeavam.
     Estruturalmente (veja-se a fig. 2), este mausoléu consistia numha construçom circular de mármore, de 87 metros de diámetro, da que, o muro exterior, chegava aos 9 metros de altura. A forma de cilindro interior, que sustinha no seu remate umha estátua do Imperador, media uns 40 metros, também de alto. Entre ambos os corpos havia umha encosta, com árvores. No interior fôrom desenhados quatro corredores concêntricos, unidos entre si. Neles, no seu momento, fôrom depositadas as cinzas de Augusto e da sua família. Assim mesmo, diante da entrada havia dous obeliscos; os mesmos que na actualidade poder ser contemplados nas praças romanas do Quirinal e do Esquilino.
     O geógrafo grego Estrabom (64 a.C., a 24 d.C), que tivo ocasiom de contemplá-lo já acabado, afirma que a estátua do Imperador era de bronze.
     Trata-se, pois, dumha obra grandiosa, e de grande massa, sem precedentes sequer aproximados em Roma. Umha boa parte dos estudiosos, Paul Zankle entre eles, encontra a sua estrutura escassamente coerente, ambígua, e mesmo ausente dumha mensagem clara, a nom ser a de pretender demonstrar grandeza e poder. O facto de ter sido iniciada antes de Augusto ter alcançado o seu mais alto ponto parece ser outro indício do ambicioso dos seus objectivos já naquele momento.
     Também nom estám de acordo os analistas acerca de se o esquema desta obra é itálico-etrusco, como consideram alguns, ou deve ser considerado como de influência monárquico-helenística. Assim mesmo resulta mais que discutível, como pretendem outros, que o seu desenho procurasse reproduzir o célebre Mausoléu de Halicarnaso (Fig. 3). Este tinha sido construído em honra do rei Mausolo de Cária, depois do ano 353 a.C., e realizado por umha autêntica plêiade de artistas, entre eles Scopas, Bryaxis, Pithias, Timóteo e Leocares. Mas umha pormenorizada análise tanto das descrições que sobre ele se conservam como dos desenhos realizados com base em tais descrições, permite descobrir enormes diferenças estruturais entre ambos os monumentos. Por outra parte, adverte-se umha certa semelhança, a nom ser no tamanho, entre o panteom de Augusto e o seu coetáneo, a tumba de Cecília Metela, filha do Cônsul Quinto Metelo Crético e esposa de Marco Licínio Crasso, morto frente aos partos no ano 53 a.C. (Fig. 2 e 4).


B: A ESTÁTUA DA "PRIMA PORTA"

     Houvo muitíssimas estátuas de Augusto em Roma. Tantas que, segundo nos refere Caio Suetónio, e recolhe Alfonso Jiménez Martín, em certo momento o próprio Imperador decidiu fundir oitenta delas para fazer umhas trépias de ouro para o templo do Apolo, o deus do que pretendia ser descendente. Embora isso, ainda subsistem hoje umhas 140 representações suas, o que fai pensar que no tempo histórico por ele influído deveu haver cunha quantidade autenticamente assombrosa. (Fig. 5, 6, 7 e 8).
     De entre elas é a da "Prima Porta" (Fig. 8 ) a mais memorável. Foi encontrada o passado século nos arrabaldes de Roma, no chamado "Pomero" ou Recinto Sacro, onde a Via Flaminia, a que unia Roma com o norte. A este lugar retirara-se a sua esposa Lívia Drusila, ao ficar viúva no ano 14 d.C. Na realidade nom é mais do que umha cópia em mármore que esta mandara fazer, reproduçom, segundo António Blanco Freijeiro, da sua estátua predilecta, ligeiramente posterior ao ano 20 a.C., de bronze ou de ouro. Esta da "Prima Porta" estivo policroma em dourado, púrpura, azul pardo e amarelo.

Figura 8:
Estátua de Augusto de «Prima Porta», Museu Vaticano. Roma. Nela mantém-se o penteado dos anteriores retratos.

     Trata-se dumha estátua de tamanho superior ao dumha pessoa. Representa a Augusto no acto como de se dirigir às suas tropas, ou bem apenas com o gesto de mando, vestindo túnica curta, umha coiraça musculada sobre ela, e o "paludamentum", ou capote vermelho de Cônsul ou de General. J. J. Martín González considera-a como em atitude de "Consul cum Imperio", em ademám de arengar. É umha representaçom que se pode considerar, pois, como "Thoracata".
     E ainda que foi encontrada sem qualquer classe de aditamentos, acabou por ser dotada dum bastom consular no seu braço esquerdo, aquele com o que sustém o "paludamentum", estimando-se que no direito, alçado e estendido lateralmente, pudo ter levado, assi mesmo, umha coroa da Vitória, ou qualquer outro símbolo.
     O copista apresenta-no-lo descalço, como os deuses e os heróis.
     É umha obra autenticamente formosa, e de enorme impacto. Com ela foi inaugurada a era dos retratos de pé, que haveriam de seguir depois outros muitos Imperadores romanos.
     Mas, além de todas estas pontualizações, a estátua da "Prima Porta" contém umha simbologia e umhas conotações autenticamente memoráveis, que merece a pena comentarmos, ainda que nom seja mais que por cima.


A.1: O PENTEADO

     Tal como no-lo exprime Blanco Freijeiro, entre a estatuária existente, a que representa Augusto como de cerca dos trinta anos de idade, mostra-o sempre com um breve franja sobre a fronte, no que sobressai umha forma de forquita ou cauda de andorinha sobre o olho esquerdo, e dous ganchos como de tenaz, garra ou, acaso, de bico de abutre, sobre o direito. (Figs. 5, 6 e 7).
     Este tipo de toucado, que é o que lhe deu o aspecto com o que passou à história, deveu ter sido adoptado por ele, segundo estima o referido Blanco Freijeiro, entre o ano 31, data da sua Vitória en Accio, e o 27, ano em que recebeu o título de Augusto. E deveu de mantê-lo polo menos até o 17 (anos todos eles anteriores a Cristo), pois que nesse momento aparece representado num denário acunhado na comemoraçom dos Jogos Seculares que o mostram de frente, e com o comentado adereço capilar. Quer dizer, o mesmo com o que aparece tanto na estatuária que o representa aos trinta anos, —cumpridos no ano 33—, como na excepcional talha da "Prima Porta" de que nos estamos a ocupar.
     Pois bem, tal jeito de representaçom, além de coincidir com a posterior descriçom física que deste Imperador nos deixou Caio Suetónio, também nom difere grande cousa da célebre "anastolé", ou riço, que Alexandre levava. E a sua vista à tumba deste dera-se no mês de agosto do ano 30 a.C. Por céptico que se seja, tais coincidências inclinam a pensar no muito que para Augusto parece ter significado o herói macedónio.


A.2: AS PERNAS

     A segunda das características a ter em conta nesta estátua encontra-se na postura. E, mais em concreto, na das pernas.
     Se comparamos a de Prima Porta com a cópia do Dorífero de Poliçleto (século V a.C.) existente no Museu de Nápoles (Figs. 8 e 9), advertiremos de imediato umha enorme similitude entre elas, assim como na postura dos seus corpos.

Figura 9:
Cópia do Doríforo de Policleto, do Museu Nacional de Nápoles.

     Ambas as estátuas som isentas e podem ser contempladas desde todos os ángulos, polo que nom existe dificuldade algumha em advertir que se diferenciam só numha ligeira mudança na orientaçom da cabeça, a colocaçom dos braços, a substituiçom da lança polo bastom consular, e na vestimenta que cobre a de Augusto, enquanto que o Dorífero é representado totalmente despido. Mesmo a espécie de pedra, ou pola de árvore na que se apoia este, mantém-se na de Prima Porta, se bem esculpida na figura de Eros sobre um golfinho. Alguns analistas apontam a possibilidade de tratar-se dumha representaçom do neto de Augusto, Caio César, nascido o ano 20 a.C. Mas outros consideram-no mais bem algum dos Eros que aparecem nas representações gregas de Afrodite.
     A idoneidade desta última interpretaçom parece confirmada pola presença do golfinho, considerado naquele tempo como o animal marinho mais veloz, alegoria ao mesmo tempo da salvaçom, e inequívoca referência também, segundo Paul Zanker, à deusa Vénus-Afrodite, ascendente, junto com o herói troiano Éneas, da estirpe dos lulius, a que Augusto pertencia. Um facto que se vai encarregar de "demonstrar" o poeta Virgílio na Eneida, como já comentamos.
     Mas, voltando às semelhanças entre a estátua da Prima Porta e o Dorífero, a intencionalidade da mensagem que a primeira tenta transmitir ao espectador, neste caso de forma autenticamente subliminar, fica clara assim que reparemos no facto de que foi no Dorífero de Policleto onde se inspirárom as mais afortunadas representações de Alexandre, dumha forma especial as realizadas por Lisipo de Sicion. E som mui numerosas as cópias que delas se conservam, nomeadamente as que o mostram despido, a descansar sobre umha ou outra perna, mas sempre com a cabeça torcida ou inclinada.
     O próprio Lisipo, descobridor dum novo cánone de proporções, em que combina o detalhismo fisiológico com as metáforas, admite que os seus autênticos mestres foram Policleto e a Natureza. E sabemos também, por outra banda, que Alexandre chegara a decretar no seu momento que ninguém podia pintá-lo, a nom ser Apeles, e também ninguém fazer-lhe estátuas, a nom ser Lisipo.
     O Dorífero de Policleto representa um moço asindo umha lança, ainda que numha posiçom, ou com um passo, considerado polos expertos como praticamente impossível, circunstáncia que se adverte ao contemplá-lo de perfil. O Dorífero (Fig. 9), inclina-se para atrás, de jeito que a sua postura semelha umha simples desculpa para mostrar o seu corpo de acordo com os princípios de anatomia da medicina hipocrática, com umha enorme atençom a todas as partes. Umha atitude em que qualquer alteraçom influiria em todas as demais.
     A denominaçom, Dorífero, provém de "Doru" ou lança de guerra. A que leva. Ora bem, a personagem mitológica por excelência que portava umha destas lanças, e a que melhor a manejava, foi Aquiles. Polo que começou a suspeitar-se que o Dorífero nom fosse mais do que umha representaçom sua. Para que nom houvesse demasiadas dúvidas acerca desta possibilidade fôrom encontradas muitas réplicas pequenas do Dorífero, em bronze, às que se denominam precisamente "Aquiles". E Aquiles, desejoso sempre de ser o melhor em todo, é a encarnaçom do ideal homérico. Esta mais que provável representaçom sua, realizada por Policleto, apresenta-no-lo como modelo da "paideia", ou correcto equilíbrio. Quer dizer, no ponto meio de todo, dentro da perfeiçom matemática conseguida polo cánone de sete cabeças que o seu autor utilizava: nem maior, nem jovem, num momento de repouso.

Figura 10:
Cópia em bronze da cabeça do Doríforo de Policleto (Museu Nacional de Nápoles), materializaçom e paradigma dos ideais da «paideia» grega.

     Mas Aquiles, herói leonino, também por excelência, representava o paradigma do homem admirado por Alexandre. E sabemos que o grande Aristóteles, o seu preceptor, procurou educá-lo sempre a través dos princípios morais presentes na Ilíada, até o ponto de que o seu discípulo dormia com um exemplar da mesma perto dele. Um código moral baseado nos princípios de generosidade, lealdade, apostura e valentia.
     Nom pode surpreender por isso que de Alexandre portando umha lança fizesse Lisipo o seu, segundo Peter Bamm, mais famoso trabalho em mármore, que, ainda que perdido, perdura na memória mercê à pormenorizada descriçom que dele nos deixou a pena de Plutarco (120). Semelhantes conotações podem explicar por que também a mais lograda das estátuas de Augusto está tam claramente inspirada por Dorífero. O mesmo Paul Zanker considera que o retrato de Augusto «é umha criaçom plenamente meditada, umha face artística na que se combinam com subtileza as traças fisionómicas e as formas clássicas» ainda que provavelmente «tivesse pouco a ver com o seu aspecto real».
     Reafirmando esta possibilidade, a figura 11, umha cópia romana em bronze do Dorífero, se bem que carente da marcada "anastolé" alexandrina doutras representações, mostra-nos no seu excelente primeiro plano umha orientaçom da cabeça e um ordenamento capilar escassamente afastados dos habitualmente adoptados por Augusto tanto na estatuária como na descriçom física que dele realizou Caio Suetónio. E nom se afasta também da representaçom que de Alexandre podemos admirar na Fig. 1, considerada de Lisipo.


A.3: OS RELEVOS DO PEITORAL

     Por último, merece umha especial atençom a coiraça desta estátua, porque, sobre ela fôrom representadas em finos relevos as principais apoteoses do reinado de Augusto. O qual, ademais, representa iconograficamente todo um compêndio de alegorias, de metáforas e de simbologia (Vejam-se as Figs. 8 e 11).

Figura 11:
Detalhes do peitoral da estátua de «Prima Porta».

     De esquerda a direita e de acima para abaixo, compendiando as leituras que dela fizérom Garcia Bellido, Paul Zanker, José Pijoan, Blanco Freijeiro, Tim Cornell, e John Mathews, podemos advertir as seguintes representações:
     Em primeiro lugar, as Esfinges das suas lapelas, seres guardiãs do mundo, relacionadas ademais com a nova era, a começada baixo o governo de Augusto, símbolos ao mesmo tempo de Apolo Salvador, suposto pai de Augusto.
     Já no peto, aparecem a Quadriga do Sol, à sua direita Caelus, estendendo a coberta do firmamento, e de seguido a Lua, que oculta em parte à figura com asas da Aurora, a verter o orvalho do seu jarro. Entre ambas há um Fachico, símbolo mesmo lunar, segundo o poeta Quinto Horácio Flacco.
     Na segunda fileira, duas figuras femininas em atitude abatida: a da esquerda semelha representar os povos germanos, tributários mas nom submetidos —daí que conserve a espada—, e a da direita, os povos célticos do ocidente, como se deduz pola presença onde a ela do porco bravo. No centro aparecem os bárbaros do Eufrates devolvendo ao deus Marte, ou talvez ao próprio Augusto, ou como interpreta Blanco Freijeiro, a Tibério e à loba Capitolina, os estandartes que lhe tomaram aos romanos em diversas ocasiões.

     Das Hispánias, das Gálias e dos dálmatas, recuperei, depois de vencer ao inimigo, muitos estandartes militares que perderam outros generais. Obriguei os partos a me devolverem os despojos e os estandartes de três exércitos romanos e a que procurassem como suplicantes a amizade do povo romano. Estes estandartes depositei-nos na capela mais interior do templo de Marte Vingador. (Res Gestae, 29).

     Os indicados estandartes fôrom realmente recuperados por Augusto nos anos 25, 23 e 20 a.C., respectivamente, ainda que por meios diplomáticos, nom militares, como parece insinuar.
     A fileira inferior mostra outras três representações. A da esquerda é Apolo, com a sua cítara, sobre um grifo, enquanto que a situada à direita é a sua irmã, Diana-Artemis, levando umha carcassa às costas, montada num cervo. Ambos parecem estar a proteger, como deidades predilectas da casa imperial, a imagem central, ligeiramente mais baixa, que representa a Terra nutrícia, com a sua cornucópia da abundáncia.
     O grifo que monta Apolo é ao mesmo tempo o vigilante da salvaçom, que para Augusto encarnava o próprio Apolo, enquanto que o cervo que conduz Diana simboliza o renovamento e a elevaçom.
     Mas Apolo, os cabelos dourados do qual, estendidos arredor da cabeça, simbolizam normalmente, além da energia, os raios solares, poderia representar nesta ocasiom outra velada alusom a Alexandre, já que o nome desse deus deriva etimologicamente de "apolion", quer dizer, "do fundo do leom". E de Alexandre sabemos que lhe era conferido um carácter leonino nas suas representações. O home de aspecto leonino encarnava a "areté", ou excelência física e moral, o paradigma humano que tratava de transmitir o macedónio, inspirado em Aquiles e na Ilíada. Assim, os cabelos fôrom também considerados na antigüidade como umha manifestaçom de energia e de forças superiores, simbolizando ademais a fertilidade, segundo se encarregou de nos transmitir Orígenes de Alexandria († 254).
     Esta possível assimilaçom ou identificaçom de Alexandre com Apolo, a que nos conduzem as metáforas da iconografia deste peitoral, deduz-se também do busto que do mesmo existe no Museu Capitolino de Roma, que reproduzem tanto a Historia del Arte, de Salvat como o livro de Manuel Bendala. É mais do que duvidoso, porém, que o mesmo poda ser da autoria de Lisipo. Nele diviniza-se a Alexandre equiparando-o claramente com o deus solar Hélios.
     A respeito desta excepcional talha, a primeira das obras citadas, considera-a umha imitaçom da estátua do Sol realizada por Cares de Lindos no século III a.C. para o porto de Rodes. E Apolo, como deus, entre outras muitas cousas, da luz, é identificado também habitualmente com o Sol. O que nos conduz de novo à relaçom Alexandre-Apolo. Nom esqueçamos também, a este respeito, que o carro do Sol aparece sobre Apolo neste mesmo peitoral, enquanto que é a Lua a que é situada acima de Diana.

     Construam a Cúria e o seu vestíbulo anexo, o templo de Apolo no palatino... (Res Gestae, 19).
     No Capitólio consagrei oferendas procedentes do meu botim de guerra aos templos do Divino Júlio, de Apolo, de Vesta e de Marte Vingador, que me custárom uns cem milhões de sestércios (Res Gestae, 21).



C: O "ARA PACIS AUGUSTAS"

     Cum ex Hispania Galliaque, rebus in iis provincis prospere gentis, Romam redi T. Nerone P. Quintilio consulibus, aram Pacis Augustae senatus por reditu meo consacrandam censuit ad campum Martium, in que magistratus et sacerdotes virginesque Vestales anniversarium sacrificium facere iussit.
     Quando voltei a Roma desde Hispánia e a Gália, durante o consulado de Tibério Nerom e Públio Quintílio, depois de ter levado adiante umha série de operações vitoriosas nestas províncias, o Senado, para honrar o meu retorno, votou a consagraçom dum altar à Paz Augústea no Campo de Marte, e encarregou que neste altar os magistrados, os sacerdotes e as virgens Vestais fizessem um sacrifício cada aniversário. (Res Gestae, 12).

     Com estas palavras refere o próprio Augusto os motivos que propiciárom a erecçom do monumento que agora nos ocupa. O seu retorno das campanhas que indica ter acontecido no ano 13 a.C., polo que o começo das obras pode estimar-se que deveu de ser no mesmo ano. Foi terminada quatro depois, no 9 a.C.
     O ponto eleito para a sua ubiquaçom foi a porta de acesso à cidade a través da Via Flamínia, a mesma por que chegara. Quer dizer, algo mais ao sul do lugar que ocupava o seu Mausoléu.
     Perdida já a memória deste monumento, no ano 1568 fôrom encontradas no indicado lugar 9 placas de mármore, entre elas a da figura 16, que foi acertadamente interpretada como umha alegoria à Terra, à água e ao ar. Estes fragmentos iriam depois parar aos museus de Louvre, Florência, Vaticano, Villa Médicis ou Viena, enquanto que outros fôrom incorporados ao palácio de Fiano, edificado no mesmo lugar. Três séculos depois deste acontecimento, no ano 1879, F. vomn Dunh advertiu a possibilidade de que pudessem pertencer ao "Ara Pacis", ao lembrar umha parte do "Carmen Saeculare" de Quinto Horácio: "Que a terra, fértil em frutos e em gado presente a Ceres umha coroa de espigas".
     Na mesma linha de investigaçom, o arqueólogo austríaco Petersen demostrou algo mais tarde a unidade de estilo de todos aqueles fragmentos, polo que no ano 1902 figérom novas escavações, que conduzírom à localizaçom do basamento do "Ara Pacis" a 5 metros de fundura, e de outros restos da mesma debaixo das ruas próximas.
     Ao longo dos anos 1936-37, em plena exaltaçom fascista, fôrom praticadas outras e mais rigorosas prospecções no lugar, que permitírom, em 1938, na celebraçom do bimilenário de Augusto, a inauguraçom da reconstruçom do histórico monumento, umha vez ensambladas a maioria das figuras que inicialmente o constituíram. O lugar onde se fizo, nom foi, porém, o mesmo no que tinha sido erigido, mas foi situado a certa distáncia do autêntico, entre o Mausoléu e o Tíber, onde pode continuar a ser admirado na actualidade (Fig. 12).

Figura 12:
Reconstruçom do «Ara Pacis» de Augusto.

     Segundo a Historia del Arte de Salvat, trata-se dumha espécie de Fano, ou lugar alto, consagrado a um nume. Neste caso a Paz. Para Zanker, em essência, o "Ara Pacis" repete as proporções do altar das 12 divindades do Ágora de Atenas, embora de forma mais modesta. E, por ser romano, nom mostra no seu interior nengumha representaçom.
     Embora as distintas obras consultadas difiram ligeiramente com relaçom às medidas do "Ara Pacis", podemos dizer que os seus paramentos de mármore som de algo mais de 11 metros de longo, por algo mais de 10 de largo, e uns 6 de alto. É umha construçom descoberta ou "hipetro", alçada sobre um pódio, e tem duas portas, umha orientada para leste e a outra para oeste, que na reconstruçom fôrom situadas, lamentavelmente para norte e para sul. O facto de que o templo de Jano, no Foro, que Augusto tinha fechado em comemoraçom do final das distintas guerras dos anos 29 e 25 a.C. e que voltaria a fechar um ano depois de ser acabado o "Ara Pacis", tivesse também duas portas, permite relacionar alegoricamente entre si ambas as construções.
     Seguindo a J. J. Martin Gonzales, digamos também que mesmo considerando que esta obra se deve a artistas gregos, é fundamentalmente romana, segundo se deduz da intensidade dos motivos, da sua composiçom um tanto monótona, e dos efeitos da sua perspectiva. Estes fôrom conseguidos por meio da utilizaçom de diferentes planos nas talhas: baixos-relevos e meios-relevos nas cenas históricas e a folhagem acantiforme, e o alto-relevo, para grinaldas sustidas por bucránios.
     O material principal utilizado na realizaçom deste edículo foi o mármore de Carrara.


C.1: O INTERIOR

     O Ara propriamente dito encontra-se no interior, e este está decorado com um soco de tábuas. Sobre ele há um soco de bucránios com grinaldas de loureiro, rosas e distintos frutos, assim como fitas ondeantes, evidentemente relacionadas com a ideia de sacrifícios. Todos estes eram motivos habituais já na época republicana, ainda que fôrom utilizados também no famoso altar de Pérgamo, realizado por Antígono Isigono, Firómaco, e Estratonico depois do ano 239 a.C.
     Os frutos reproduzidos no "Ara Pacis" som os próprios do verão e do outono, cada um acompanhado da sua folhagem característica, guardando sempre a necessária simetria. Fôrom representados de perfil nos extremos, e de frente na parte meia de cada umha das suas vinte curvaturas, sobre cada umha das quais aparece umha patena de metal, decorada com lingüetas, ou com umha roseta arredor do seu respectivo umbo.


C.2: O EXTERIOR

     Som já muito diferentes as formas decorativas que nos oferecem os parámetros exteriores da obra (Fig. 12).
     Em primeiro lugar temos que nos referir ao seu soco. Está revestido com umha ostentosa decoraçom vegetal até o momento nunca utilizada em Roma, a base de Roleos de Acanto, dos que surgem outras com florões, palmetas, flores, ou lilios egípcios, povoados todos eles de variada fauna. No seu conjunto e possivelmente mercê ao seu escasso relevo, contribuem a produzir umha impressom de serenidade.
     Como explicaçom complementar digamos também que as folhas de acanto simbolizam a consciência e a dor do pecado, enquanto que a palmeira é a terra celeste, as uvas a fertilidade e o sacrifício, e os bois som o atributo da agricultura e da fundaçom.
     Mas no cálice de fina caule de colocásia que agroma entre os roleos, balanceiase um cisne de asas despregadas e curvo pescoço. Umha cena que se repete a intervalos. Trata-se, evidentemente, da ave favorita do protector de Augusto, o deus Apolo, a quem proclamara rei da nova Idade de Ouro a Sibila de Cumas.
     Cumas encontra-se na Campánia, no Sul da Itália, e nela subsiste ainda a cova na que viveu esta, ao que parece em tempos de Tarquino o Soberbo (534-510 a.C.). Mas nom semelha fortuita a sua incorporaçom à metáfora que nos ocupa, pois, além de ter sido considerada também amante de Apolo, esta Sibila aparece na Eneida recebendo a visita de Éneas, outro dos "antepassados" de Augusto.
     Teimando sobre o mesmo, o próprio Virgílio anunciara apenas uns anos antes: "Iam regnat Apolo", quer dizer, "Reina já Apolo" e, aproximadamente polo mesmo tempo em que era acabado o "Ara Pacis", encarregava-se também Diódoro Sículo de dar a conhecer novos elementos a respeito deste polifacético deus.
     Semelhante reiteraçom fai que nos tenhamos, de deter agora com um certo vagar no mesmo. Porque Diódoro Sículo é autor dumha espécie de monumental, e em muitos aspectos admirável, "História Universal" em 40 livros. E no segundo deles refere, entre outras muitas cousas a respeito dele, que Apolo era um hábil tocador de cítara, tal como aparece na representaçom do peitoral da estátua da "Prima Porta". Mas também se ocupá do culto e das conotações astronómicas que, tanto este como a sua irmã Diana, recebiam em certo templo circular da ilha dos hiperbóreos, que polos dados geográficos que achega, podemos identificar claramente com Británia, o lugar onde nascera a mai de ambos, Leto, ou Letona.
     O facto careceria de importáncia de nom ser porque a referência está tomada de Hecateu de Mileto, autor de por volta do ano 500 a.C., e polo facto de que, pouco depois do ano 600 a.C. o poeta Alceo de Lesbos comentara também o seguinte:

     Quando nasceu Apolo, Zeus adornou-no com a Mitra de ouro e enviouno a Delfos num carro tirado por cisnes. Entom os habitantes de Delfos entoárom o hino... e coros de donzelas agrupadas arredor da trépia rogavam aos deus para que se digna-se vir desde o país dos hiperbóreos.

     Estas surpreendentes informações complementam-se com a recolhida por Aelian de Praeneste, um compilador que viveu entre os anos 170-235, tomando-o também, muito possivelmente do indicado Hecateu de Mileto:

     Os cisnes voam ao redor do templo, puriticando-o em certo modo com o seu voo. Depois pousam-se no pátio do enorme e formoso recinto. Entom, quando os visitantes entoam os seus hinos e se extinguem os acordes das cítaras pulsadas polos músicos, chegam desde os Rifeos grandes bandadas de cisnes que descem em círculos e tomam parte no canto sagrado.

     Na complexa simbologia de metáforas que contenhem as obras de Augusto, e a sua própria actuaçom, a alusom e as referências a Apolo som constantes, e esta dos cisnes representados no "Ara Pacis", alcança umha surpreendente e inesperada dimensom espaço-temporal, capaz de manter-se por si própria ainda que nos tomássemos a moléstia de passar por alto a relaçom Apolo-Alexandre anteriormente detectada.


C.3: A PROCISSOM CÍVICA

     Mas o principal dos tesouros do "Ara Pacis" encontra-se no friso superior destes mesmos paramentos exteriores, concretamente nas fachadas laterais e posterior. Recebe o nome de Procissom Cívica (Fig. 12 e 13), e considera-se o monumento mais relevante da escultura romana. Está afastado da decoraçom inferior, que acabamos de descrever, por umha formosíssima greca de decoraçom vegetal.

Figura 13:
A Procissom Cívica do «Ara Pacis», representaçom da efectuada o 30 de Janeiro do ano 9 aC., na que Augusto fijo um sacrifício ao seu antepassado Eneas.

     O facto nele representado é o acto efectuado o dia 30 de Janeiro do ano 9 antes de Cristo, pouco antes da inauguraçom do Santuário. Nessa data, Augusto fizo um sacrifício ao seu antepassado Éneas. A talha parece ter a finalidade de servir de oportuno guieiro para a liturgia que ali mesmo, e cada ano, deveriam celebrar, segundo fora disposto, e lembra-no-lo a Res Gestae, os magistrados, os sacerdotes e as vestais.
     Os personagens que nesta procissom aparecem nom som nengumha abstracçom, senom que som reais, e na sua maioria, perfeitamente reconhecíveis: Augusto revestido como Pontifex Maximus, acompanhado de magistrados, leitores e, detrás, o séquito: Lívia, o seu genro Agripa, falecido três anos antes, Tibério, Antónia, que leva da mão o pequeno Germánico, o jovem Druso, vestido de general, naquele momento em campanha, e por trás dele Mecenas. As crianças contribuem a encher o espaço, e podem aludir o interesse de Augusto por conseguir aumentar a natalidade no Império. A continuaçom aparecem Senadores e patrícios com as suas togas e coroas de loureiro.
     Noutro ponto aparecem também as vestais, os leitores que as escoltam, os sacerdotes, os magistrados, e os vitimários, assim como as vítimas a sacrificar, um bode para Jano e dous bois para Júpiter.
     Os painéis nom estám completos, pois umha parte da procissom encontra-se no Louvre parisino.
     Augusto está representado no meio dos leitores. Mas, a pesar de ser um home mais bem baixo, o artista mostra-no-lo de maior estatura do que os outros.
     Como recurso para dar profundidade à representaçom, as figuras do fundo estám menos elaboradas e ressaltadas. A representaçom tem sido comparada em simbolismo com a das Panateneas, no Partenom. Mas nom é esta possível evocaçom mais do que a liberdade expressiva e a finura da sua execuçom o que fizo deste friso um marco da plástica romana.


C.4: A ALEGORIA À DEUSA TELLUS

     Outra das placas em relevo do friso, situada na parte posterior do monumento, (Fig. 14), é a que se considera dedicada à deusa Tellus, quer dizer, à Terra.
     Nela a deusa aparece sentada sobre umha rocha, com duas crianças nos braços, rodeada de espigas, plantas e animais. Tanto a iconografia como o porte podem sugerir que se trate de Vénus —vestimenta—, Ceres —frutos—, ou Tellus, polo assento, aludido também à fecundidade e à Pax Augusta. Mas o "Carmen Saeculare" de Horário tam ligado às actuações áulicas do momento inclina a pensar em Tellus: «Fertilis frugum pecorisque Tellus spicea donet Cererem corona» (Que a Terra, fértil em frutos e gado, presente a Ceres umha coroa de espigas).
     Debaixo dela aparecem umha rés e umha ovelha. Paul Zanker aponta mui oportunamente o facto de que umha rés e umha espiga foram utilizadas já nas moedas de Augusto dos anos 27 e 26, como símbolos da promissom da paz, o que, numha última instáncia, oferece a possibilidade de advertir a mensagem que se pretende transmitir nesta representaçom a respeito da relaçom entre a Terra e a sua riqueza, com a Pax Augustea.

Figura 14:
«Ara Pacis»
: a alegoria à deusa Tellus.

     As representações que a escoltam, consideradas por Zanker como Auras ou ventos, e ninfas aquáticas por Blanco Freijeiro, aparecem a primeira sobre um monstro marinho, e a da terra acima dum cisne —mais umha vez— na junqueira dum rio, simbolizado este por um jarro caído, humidade geradora. Elas contribuem a transmitir, segundo o mesmo Blanco Freijeiro, a ideia da irmandade entre a prosperidade trazida por esta paz e a vitória de Augusto, que a propiciara.


C.5: O SACRIFÍCIO DE ÉNEAS

     Esta representaçom encontra-se na parte superior direita do friso, na entrada ao santuário. E podemo-la seguir a través das figs. 12 e 15.
     Nelas aparece Éneas com Toga, embora sem túnica, como segundo Caio Plínio eram representados os reis de Roma nas estátuas do Capitólio. O momento elegido é o da sua oferenda de frutos aos Penates, divindades protectoras dos lares, resgatadas de Tróia. Estas aparecem no interior do templo situado à esquerda, obra que o próprio Éneas prometera construir. Assistem-no dous adolescentes romanos, mas com vestimentas do tempo de Augusto, aos que olha o herói que, como tal, está descalço.
     Éneas, que leva umha lança na mão, símbolo da sua dignidade, ou quiçá como umha metáfora de Alexandre, apresenta também um grande parecido com Augusto. De Ascánio, que mantém as suas vestes troianas e porta a vara de pastor, nom se conserva mais do que um fragmento.

Figura 15:
«Ara Pacis»
: o sacrifício de Eneas.

     No relevo da esquerda da porta, um dos pior conservados do Ara (fig. 12), adverte-se Marte observando a loba Capitolina no momento de amamentar os gémeos Rómulo e Remo. Zanker estima que nele deviam figurar também a figueira, debaixo da que tinha encontrado o pastor Faustulo, assim como o páxaro de Marte, que tinha ajudado a alimentá-los.
     Som cenas cheias todas elas de intencionalidade. Éneas é considerado como antecessor da Gens Iulia. Trata-se, pois, de lembrar a todos quem é realmente o Divino Augusto.


C.6: O "SOLARIUM AUGUSTI"

     Nom se pode falar do "Ara Pacis", sem nomear esta outra interessante construçom, imediata a ela, inaugurada no ano 10 a.C., um antes do remate de aquele, e como complemento seu (Fig. 16).
     Na realidade nom é mais do que um relógio solar. Mas também e como sem dúvida nom podia ser menos, o maior do mundo. O seu Gnómon, ou agulha, era um obelisco de 30 metros de altura trazido de Egipto. Assim também, o dia 23 de setembro de cada ano, data do nascimento de Augusto, a sua sombra apontava directamente o "Ara Pacis".

Figura 16:
Reconstruçom hipotética do «Solarium Augusti»
, numha tarde do dia 23 de Setembro, aniversário do nascimento do Imperador.

     Nom é esta, no entanto, nengumha novidade. A utilizaçom dos conhecimento astronómicos para assinalar efemérides ou festividades foi conhecida já em muitas culturas antigas, está estudada por especialistas e foi mui bem compendiado por Edwin Krupp em 1978. Curiosidades semelhantes às desta obra de Augusto podem observar-se, por exemplo, no túmulo de New Grange, em Irlanda, onde, desde aproximadamente o ano 3200 a.C., no solstício de inverno, e durante 17 minutos, o sol ilumina a tumba situada no seu interior, a quase 80 metros do orifício de entrada. Acontece assim mesmo em Stonehenge, Inglaterra, construçom em que, entre outras muitas realidades astronómicas, desde o 1500 a.C. umha das suas pedras, a denominada Heel Stone, sinala o ponto polo que surge o sol no solstício de verão.
     O motivo mais próximo que pudo ter inspirado este recurso para o "Solarium Augusti" parece que devemos procurá-lo, porém, no famoso templo de Ramsés II em Abu Simbel, acabado polo ano 1250 a.C. Nele, além de existir umha alinhaçom iluminável na alva do solstício de inverno, existe outra, de tamanho parecido à de New Grange, em que o sol chega a acariciar a estátua de Ramses, colocada numha pequena capela ao fundo do templo, o dia 18 de Outubro, data também do seu nascimento.
     O "Solarium Augusti" é, pois, outra mostra mais do egocentrismo, a vaidade e os desejos de ostentaçom de Octávio César Augusto.
     Blanco Freijeiro considera que o "Ara Pacis", embora as suas reduzidas dimensões, pode ser considerada, no que ao tempo de Augusto se refere, como o Partenom de Péricles. O que nom parece oferecer nengumha dúvida é que neste pequeno edículo tentou-se fazer um resumo da história de Roma, combinando a tradiçom helenística com o realismo etrusco, ou as grinaldas republicanas, com o espírito do Império, representado, como nom podia ser menos, pola família de Augusto. No "Ara Pacis", este aparece retratado como duns 50 anos, embora, por ser a encarnaçom dum ideal, a sua fisionomia apresenta mínimas mudanças respeito a anteriores momentos da sua dilatadíssima vida pública.
     Resulta também clara a conexom e a unidade conceptual que oferecem os frisos do "Ara Pacis" com respeito aos relevos da coiraça da estátua da "Prima Porta", tanto no aspecto artístico como na sua simbologia e as suas metáforas.


CONCLUSÕES

     A breve incursom que acabamos de realizar a través destas obras do tempo de Augusto permitírom-nos constatar:

A) Que este parece ter tratado de remedar em todo momento e fazer-se parecer a Alexandre (Figs. 1, 5, 6, 7 e 8).
B) Que foi por meio de metáforas visuais que o relacionavam com este e com as divindades com as que se fizo entroncar, quer através do seu pai adoptivo, Júlio César, quer recorrendo ao suposto adultério da sua própria mai com o deus Apolo, como tratou de potenciar as excelências tanto da sua capacidade, como da idoneidade do seu governo unipessoal.
C) Fica também patente a inspiraçom helenística das suas obras artísticas, em geral grandiosas, ainda que procurem manter sempre na sua composiçom a ordem equilibrada da escultura romana (Figs. 2, e 12 a 16).
D) Os retratos estám animados de patetismo grego e mostram o aceno de quem aspira a um poder que outros lhe disputam, tratando ao mesmo tempo de aparecer neles, como estima Blanco Freijeiro, como a encarnaçom ideal do príncipe, para conseguir o qual se fizo representar tal como queria ser lembrado: jovem e melancólico, mais oprimido ao mesmo tempo polos seus deveres e responsabilidade. Para J.J. Martín González estas representações respondem mais a um critério político do que a um estético. Quijo mostrarse aos olhos do povo como um governante bom, inteligente e poderoso, sem que a velhice nunca assomasse à sua face. (Figs.5 a 16).
E) Os estudos de Zanker demonstram assim mesmo a orquestraçom pola sua parte na utilizaçom das imagens, tanto as artísticas como as da numismática, até o extremo de que já em 1946, momento em que esta classe de estudos nom faziam mais do que começar a ser insinuados, chegara R. Bianchi Bandinelli a advertir na arte de Augusto a expressom dum sistema político autenticamente reaccionário.
F) Contou, ademais, como aconteceria depois dele a todos os imperadores e a quantos autocratas no mundo houvo, e há, com o cúmplice contributo dos mais destacados escritores do seu tempo. A sua própria Res Gestae nom parece mais do que umha tentativa para justificar e convencer, tanto a respeito da sua capacidade, como do seu "charis", o seu "ethos", a sua "fronesis", a sua "philantropia" ou a sua "sofrosine", por citar tam só alguns dos paradigmas utilizados com a mesma finalidade polos reis e déspotas helenísticos aos que, a través sempre de Alexandre, tratou de remedar.


     Assi, parece que a nossa análise nos permitiu encontrar sobejos motivos, para considerar que, o mesmo que Alexandre, Augusto utilizou desavergonhadamente a arte como um meio de propaganda e legitimaçom política. Alexandre como forma para conseguir a sua cobiça de domínio mundial, e Augusto para legitimizar a imposiçom da sua monarquia em Roma, logo de cinco séculos de república (510 a 30 a.C.).





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