O descobridor que chegou do frio. A viagem de Cristóvao Colombo a Thule

 

(Texto íntegro)

 

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     "Yo navegué el año de cuatrocientos setenta y siete, en el mes de Hebrero, ultra Tile, isla, cient leguas, cuya parte austral dista del equinoçial setenta y tres grados, y no sesenta y tres, como algunos dizen, y no está dentro de la línea que incluye el Ocçidente, como dize Ptolomeo, sino mucho más ocçidental. Y a esta isla, que es tan grande como Inglaterra, van los ingleses con mercadería, espeçialmente los de Bristol, y al tiempo que yo a ella fue no estaba congelado el mar, aunque avía grandísimas mareas, tanto que en algunas partes dos vezes al día subía veinte y cinco braças y desçendía otras tantas en altura."

     A citaçom que reproduzimos pertence a umha carta que o naquela altura "Almirante de Ia Mar Océana", e Virrei das Indias, Dom Cristóvao Colombo escreveu aos Reis Católicos, desde a recém descoberta ilha de "La Española", no mês de janeiro do ano 1.495, no decurso da sua Segunda Viagem (1). Nom se conserva o original da mesma, senom umha cópia efectuada polo dominico frei Bartolomé de Ias Casas (1.474-1.566), existente na Biblioteca Nacional, em Madrid (2). A citaçom aparece também, tanto na documentada Historia General de Ias Indias (1.530-61), do mesmo Padre Las Casas, como na biografia que sobre o Almirante publicou postumamente em Venézia o 25-4-1.571, o seu filho Hernando Colón (1.488-1.539) (3).
     Naturalmente, antes de determo-nos sequer a considerar quanto nela se afirma, pom-se-nos como questom prioritária a de determinar a fiabilidade da cópia efectuada polo Padre Las Casas.


1. OS DOCUMENTOS COLOMBINOS

     Por surpreendente que poda parecer, tampouco se conservam os originais dos Diários do Almirante. Contamos só com algumhas cópias abreviadas dos mesmos, realizadas polo referido Padre de Las Casas. Para reconstruirem as viagens colombinas os historiadores nom tenhem outro recurso que o de acudir a documentos e relatórios colaterias (4), além de vários documentos autógrafos do Almirante, alguns ainda mesmo baixo suspeita de nom ser genuína a sua assinatura (5), assim como a sua correspondência, nengumha anterior a 1.493 (6), e valer-se de diversas anotaçons manuscritas que aparecem nalgumhas das obras por el manejadas (7).
     Do Padre Las Casas sabe-se que se transladara a "La Española" no ano 1.502, onde travou amizade com Diogo Colón, apenas se instalou este ali como almirante, em 1.509. O dominico confessa que, possivelmente mercê a esta amizade, dispujo de cópias dos documentos dos muitos e variados pleitos que a família Colón sostivo com a Coroa, e que conseguira juntar abundante material, a maior parte perdido actualmente, para historiar a vida do já entom extinto Almirante. Mas o que realmente nos interessa aqui é o feito de que se pode constatar, através dos documentos por el manejados ainda existentes, a exactitude com a que os transcreveu (5), o que representa umha prova em favor da sua honestidade, e umha garantia de fiabilidade á hora de considerarmos o valor das demais cópias por el efectuadas, para as que nom contamos com nengum modo de comprovaçom documental. Dá-se também a circunstância de que Las Casas costuma coincidir enquanto refere com Hernando Colón (8), cousa que acontece assim mesmo com o fragmento sobre a viagem a Tile que arriba inserimos.


2. A VIAGEM DE CRISTÓVAO COLOMBO A TILE

     A respeito desta viagem, na sua comunicaçom aos Reis Católicos, o Almirante efectua precisons que, para umha melhor compreensom e análise, vamos ordenar assim:

a) que navegou no mês de fevereiro do ano quatrocentos setenta e sete.
b) que o fijo "ultra Tile, isla, cient leguas".
c) que o Sul desta ilha se acha situado a 73 graus Norte, em vez dos 63 que vinham sendo estimados por alguns.
d) que Tile é muito mais ocidental a como a situou Ptolomeu.
e) que Tile, tam grande como Inglaterra, é visitada por comerciantes deste país, nomeadamente polos do seu porto de Bristol.
f) que no mês de fevereiro, nom está ali giado o mar.
g) que em Tile há marés semi-diurnas de 25 braças de altura.


     2.1. Possibilidades cronológicas de umha viagem em Fevereiro de 1.477

     Ainda que nom estejam perfeitamente esclarecidas a maior parte das circunstáncias que rodeiam a vida de Colombo, vamos tratar de tracejar a cronologia próxima ao tempo da sua referida viagem, maioritariamente aceitada nestes momentos, ainda que sujeita, como quase todo quanto a el se refere, a revisom:
     1.451: Possível data do seu nascimento, segundo umha acta notarial genovesa.
     1.465: Com catorze anos, segundo confissom própria, começa a navegar.
     1.472: Aos 21 anos, reside em Savona, onde é "lanerius", deslocando-se por este tempo a Túnez seguindo ordes de Reinel ?Renato de Anjou? para tomar a galeota "Fernandina".
     1.474-5: Toma parte numha expediçom genovesa em auxílio da ilha de Quios.
     1.476: 13-8 . Combate naval do Cabo de Sam Vicente. Guillaume Casanove-Coullon ataca quatro galeras genovesas e umha urca flamenga. Agarrado a um remo, Cristóvao Colombo consegue chegar a umha praia do Algarve, onde tardará muitos dias em se recuperar. [Fig. 5].
     Cumpridos já os 25 anos, chega a Lisboa, cidade onde os Centurione e os Di Negro, genoveses, tinham sucursal. [Figs. 6 e 7].
     1.478: Julho, parte de Lisboa cara a Madeira, para comprar açúcar para os Centurione.
     1.479: 25-8. Segundo umha acta notarial genovesa, em que confessa ter mais de 27 anos, vai partir ao dia seguinte para Lisboa.
     Possível data do seu casamento com Filipa Moniz de Perestrello, com a que se estabelece algum tempo na ilha de Porto Santo, na Madeira.

     Pode-se observar a existência de un período indocumentado entre o mês de dezembro do ano 1.476, e julho de 1.478. Como conseqüência, pois, em princípio, nom parece haver nengumha impossibilidade para que no mês de fevereiro do ano 1.477 pudesse Colombo ter efectuado a sua navegaçom a Tile.


     2.2. Qual é a ilha de Tile?

     Afirma Colombo que Tile é muito mais ocidental a como diz Ptolomeu. Nom obstante este nom menciona nengumha ilha deste nome. Entre os por volta dos oito mil pontos da superfície terrestre cujas coordenadas determinou no ano 150, o que si situa na latitude aproximada dos 63 graus ?que o Almirante estima estar equivocada? é a sonada ilha de Thule [Fig. 2].
     Afortunadamente contamos com um meio para sabermos se Colombo identificava um topónimo com o outro. E este acha-se nos versos do coro "Audax nimium" pertencentes à tragédia "Medea", de Séneca:

     Venient annis
secula seris, quibus Occeanus
vincula rerum laxet, et ingens
pateat tellus, Tipchisque novos
detegat orbes, nec sit Terris
     Ultima Thule
(9).

     A traduçom destas palavras está no chamado "Libro das Profecías" que se conserva na "Biblioteca Colombina", sob a assinatura autógrafa do próprio Cristóvao Colombo:
     " Vernán los tardos años del mundo ciertos tiempos en los cuales el mar Ocçéano afloxerá los atamentos de las cosas y se abrirá una grande tierra; y un nuebo marinero, como aquel que fue guía de Jasón, que obe nombre Tiphi, descobrirá nuebo mundo y estonces non será la isla Tille la postrera de las tierras" (10).
     Tile, Tille, ou Tulé, nom som mais que derivaçons medievais da antiga Thyle ou Thule, que a famosa navegaçom polo Oceano do grego Pitheas deu a conhecer no século IV a.C. ao mundo mediterráneo. Nos tempos de Lúcio Anneo Séneca, "O Moço" (4 a.C. - 65 d.C.), autor da "Medea", nom se sabia de nengumha outra Thule diferente da visitada por Pitheas, que pudesse fazer-nos supor um errro interpretativo por parte de Colombo.
     Estabelecida, pois, esta identidade, resta-nos só conhecer a situaçom da ilha descrita polo navegante massaliota na sua obra "Sobre o Oceano", hoje também infelizmente perdida.
     Em base a alguns dos seus testemunhos, salvados em parte mercê a algumhas referências, nomeadamente as contidas nos escritos do grego Estrabom (64 a.C. - 214 d.C.), e de Caio Plínio Secundo (23-79), elaborou-se um possível itinerário da viagem de Pitheas, na qual este, despois de costear a ilha de Británia, arribaria a Thule, logo de umha singradura de seis dias. Segundo estes relatórios, nesta afastada terra havia cereais, mel, escassos animais domésticos, milho, ervas, fruta, raízes, utilizavam-se os piornos, e no solstício do verao o sol mantinha-se visível durante as 24 horas do dia ou, quando menos, havia umha noite muito curta (11). E ainda, a umha jornada de navegaçom cara ao Norte, poderia mirar o ousado navegante umha para el desconhecida mistura de témpanos e águas vitrosas, coalhadas, quase imóbil, que compara com um "pulmom marinho" (12).
     Tais coordenadas —seis dias ao Norte da Británia, noites brevíssimas durante o solstício do verao, e a proximidade da banquisa polar— apontam claramente às latitudes da Noruega central, ou às da Islándia.
     Agora bem, nos tempos da navegaçom de Pitheas, Islándia estava desabitada. E, segundo a arqueologia, nom é possível aceitar a existência de nengumha ocupaçom humana da ilha anterior à dos monges irlandeses que precedérom nuns cem anos aos nórdicos, que a ocupariam a partir do ano 874 (13).
     Como conseqüência, por simples exclusom, a Thule visitada por Pitheas tem-se que buscar na Escandinávia. Já em 1.911 chegava a esta conclusom Fritjof Nansen, quem, na sua obra "Nebelheim", situava a Thule pitheana a umha latitude aproximada de uns 63 graus, perto da baía de Trondheim (14) [Fig. 1]. Exacto ou, sequer aproximado, o resultado da sua análise, a realidade é que confirmava quanto sabiam já os geógrafos da antigüidade. Cara ao 220 a. C. Eratóstenes de Cirene; no cámbio da era Estabom; e ao redor do 150 d. C., Cláudio Ptolomeu, infinitamente menos dotados de meios técnicos e de recursos, situárom nessas aproximadas coordenadas a ilha de Thule (15).
     Agora bem, Colombo afirma : "y no está dentro de la línea que incluye el Ocçidente, como dize Ptolomeo, sino MUCHO MAS OCÇIDENTAL ". Thule, o mesmo que as Cassitérides, a ilha Antilha, o Brasil, Eldorado, e quantos lugares de sedutora condiçom tenhem existido, tivo umha localizaçom itinerante. E na Idae Média, seria situada na incógnita, e até entom inominada Islándia. Esta identificaçom aparece clara já no irlandês Dicuil, se bem pode que a iniciativa tivesse partido dos ascetas e monges que nessa altura a visitavam.
     Dela diria este no ano 825 no seu "Liber de Mensura Orbias Terrae":
     "Há agora 30 anos que clérigos que vivérom nesta ilha, desde o primeiro de fevereiro até o primeiro de agosto, dixérom-me que nom só durante o solstício do verao, senom também nos dias que o precedem e o seguem, o sol ponente oculta-se ao chegar o crepúsculo, como detrás de umha pequena colina, de tal jeito que nom se produz escuridade algumha num brevíssimo período de tempo, senom que, polo contrário, um home pode fazer qualquer tarefa que desejar como com a luz do dia, mesmo despiolhar a sua camisa, e, de achar-se numha montanha alta, em nengum momento teria desaparecido aquel da sua vista ".

     Com posterioridade a Dicuil a opiniom generalizaria-se, até o ponto de que Adam de Bremem identifica de modo tam definitivo Thule com Islándia na sua monumental "Gesta Hamburgensis ecclesiae pontificum" (16), que o desconhecimento acerca da sua sua primitiva situaçom persistiria já até o século XX.
     Assim, pois, a Tile que Colombo indica estar "mucho más al ocçidente" de onde Ptolomeu a situara, está claro que se trata da Tile, Tyle, Thule = Islándia, a primeira das terras que, viajando cara a ponente, desde a sua originária situaçom se acha.

Fig. 1
Mapa com as prováveis rotas seguidas por Pitheas (325 a.C.), Leifur Eiriksson (1.000), e Cristóvao Colombo (1.477), polo Atlántico Norte. A respeito deste último assinalam-se também as possíveis variantes que podem resultar da interpretaçom das cem léguas por el navegadas "ultra Tile".



     2.3. Na Tile visitada por Colombo nom se gelava o mar em Fevereiro

     Examinemos outra passgem de Dicuil sobre Islándia:
     "Ocupam-se de falácias quem dizem que o mar ao redor da ilha está gelado, que é um contínuo dia sem noite desde o equinócio de primavera até o de outotno , e vice-versa, perpétua noite desde o equinócio de outono até o da primavera; pois quem navegam em época que se considera de grande frio tenhem chegado até aqui de todos os jeitos, e enquanto habitárom esta ilha gozárom sempre da alternáncia da noite e do dia, a nom ser na época do solstício. Mas, depois de um dia de navegaçom cara ao Norte, achárom o mar gelado."

     Parece que se tenha que precisar que essa navegaçom de um dia cara ao Norte em que os informantes de Dicuil achárom o mar geado, deveu de ter-se efectuado, como indica mais acima, "em época de grande frio", que é quando na realidade pode dar-se esta circunstáncia, a causa da beneficiosa influência da corrente do Golfo que mitiga aquel clima extremo.
     Todos os relatórios de Dicuil som surpreendentemente exactos. Nom só está corroborada através dos ocupantes nórdicos da ilha a presença dos monges cristaos à sua chegada —os "papar" (17)—, senom que coincide com o tempo da navegaçom colombina esse mês de Fevereiro elegido por alguns deles como idóneo para transladar-se a Islándia para começar as suas meditaçons.
     A começos de agosto passado, quando já transcorrera mês e medio do solstício, pudem observar ainda mesmo no Sul da ilha, noites de apenas quatro horas de duraçom. Enquanto o chamado "Sol de Meia-noite", quer dizer, a nom ocultaçom deste detrás do horizonte, em Islándia é observável desde os seus pontos mais setentrionais, ainda que só poda ser desfrutado em toda a sua espectacularidade desde a ilhinha de Grimsey, ligeiramente mais nórdica. Sobre esta é fama de que o Círculo Polar Ártico passa polo meio exacto do leito do seu Pastor, de modo que este dorme ao Norte, e a sua esposa ao Sul da citada linha. Entre os dias 15 de junho e o 10 de julho organizam-se voos desde Reykjaik e desde Akureiri, para poder contemplar desde este pequeno território islandês de 120 habitantes o desusado espectáculo. Existe também um serviço de "ferry" a partir da própria Akureiri, no esteiro de Eyjafjördur, para aceder a ela por mar [Fig. 12].


     2.4. Tile situada a 73 graus Norte, nom aos 63

     Segundo estima Colombo, o Sul da ilha por el visitada, acha-se a 73 graus do Equador, e nom aos 63 que alguns dizem. A realidade é que a costa meridional de Islándia está muito próxima ao paralelo 63, precisamente o indicado por aqueles que Colombo crê equivocados. A latitude considerada polo navegante poderia corresponder por aproximaçom à ilha Jan Mayen, da metade de extensom do que Madeira só, situada a uns 600 quilómetros ao Nordeste de Islándia, um lugar volcánico e desolado, dificilmente livre de gelos em fevereiro, aproximadamente no mesmo meridiano que para Thule indicara Ptolomeu, nom ao Ocidente del, detalhes estes que invalidam a sua identificaçom com Tile.
     Nom existe nengumha ilha ao Oeste deste meridiano o suficientemente extensa como para considerá-la tam grande como Inglatera, cuja costa meridional se ache no paralelo 73. A de Islándia, como vimos, está próxima ao 63, enquanto que a Groenlándia, mais ocidental ainda, se acha no 60 [Fig. 1.].
     Evidentemente, a latitude que Colombo lhe dá a Tile nom pode dever-se ao erro ou à falsa transcriçom de nengum copista. Parece claro que el crê estar seguro do que afirma. Prova disso é que, crendo-se tam ao Norte, mostre a sua surpresa de nom achar gelado o mar. A nom ser que pretendesse impresionar os Reis Católicos fazendo-lhes crer que pudo ter alcançado tam assombrosa latitude, as únicas explicaçons plausíveis que para este feito achamos som:
     — Que, nom sendo provavelmente Colombo quem comandava a embarcaçom na qual fijo a viagem, o cálculo da latitude procede de outra pessoa, limitando-se el a recolhê-lo.
     — Que, o mesmo que lhe aconteceu à maioria dos navegantes do seu tempo, também aqui pudo sofrer o Almirante um dos seus freqüentes erros de mediçom.
     Porque, além do seu famoso engano a respeito do diámetro da Terra, que propiciou a sua chegada a América —embora el morresse crendo que se tratava de Ásia— detectam-se muitos outros e importantes erros seus. Lembremos, por exemplo:
     — Porto de Mares : "questaba a 42 grados de Ia línea equinocial " : acha-se a 21 graus Norte.
     — Puerto de Ia Concepción : a 34 graus; sendo a sua autêntica latitude a de 19 graus 35' (18).
     — A africana fortaleza de São Jorge da Mina, por el visitada, situa-a ao Sul do Equador, quando se acha cinco graus ao Norte do mesmo (19).

Fig. 2
Cópia simplificada do mapa de Ptolomeu em que situa Thule ao Nordeste das Ilhas Británicas. Peneirando relatórios tam precários, como velhos itinerários e testemunhas de viageiros, Ptolomeu determinou as coordenadas de uns oito mil pontos da superfície terrestre, entre eles 87 da Gallaecia. El foi o autêntico pai da cartografia.



     2.5. Umha viagem "ultra Tile, cient leguas"

     Considera-se que Colombo utilizava a légua italiana, equivalente a 4 milhas também italianas (20), uns 5.900 metros. Navegar "ultra Tile" cem léguas pode querer significar que ultrapassou esta ilha nuns 590 quilómetros.
     Naturalmente, sendo esta expressom de quem chega desde o Sul, temos que supor que devem de ser medidos em direcçom diferente da que procede. A esta distáncia aproximada existem : cara ao Nordeste, a já citada ilha de Jan Mayen, de duvidoso interesse naquela altura. E, ao Oeste, Groenlándia.
     Concretamente cara ao Noroeste podem-se medir esses 590 quilómetros em linha recta, desde o extremo de Islándia até o paralelo 70, onde se acham o cabo Brewster, e o estreito e o dilatado fiordo de Scoresby. Se a sua navegaçom nom se tivesse efectuado a meados do inverno, o que fai escassamente viável esta possibilidade, teríamos que pensar que Colombo poderia ter participado numha das ousadas expediçons que buscárom o famoso paso Noroeste, nesta ocasiom através do referido fiordo groenlandês [Fig. 1], ainda que el em nengum momento diga que tenha chegado a nengum lugar, depois de percorrer a referida distáncia.
     Augusto Mascarenhas entende que o futuro Almirante deveu de ter tomado parte na expediçom luso-danesa, comandada polos almirantes Pyningk e Podthorsth e o piloto Jon Skolp, a Groenlándia e, quiçás ao Labrador, de 1.476, que el alonga até o ano seguinte (21). Trata-se induvitavelmente de umha possibilidade, ainda que, em tal caso, Colombo nom poderia ter estado em agosto de 1.476 no combate de Sam Vicente, e as cem léguas que afirma ter navegado "ultra Tile", haveria que acrescentá-las notavelmente.

Fig. 3
No ano 874, Ingólfur Arnarson edificou o seu lar em Islândia no ponto ao que o mar conduziu os soportes do seu sitial. Um lugar chatolado de cráteres, lava, cinzas e solfataras. Chamou-no Reykjavik, "Baía dos fumes". A sua estátua, obra de Einard Jonsson, domina hoje o porto da capital islandesa.

     Outra interpretaçom acerca destas cem léguas é a de que quiçás podam referir-se ao montante das singraduras que, umha vez alcançada Islándia, deveu de ter relizado ao longo ou perto da sua costa, feito este que lhe permitiria supô-la "tan grande como Inglaterra ", cálculo bastante aproximado se é com a extensom deste reino, de uns 130.000 quilómetros quadrados, com a que a compara, e nom tam aproximada se por Inglaterra entende a ilha britânica, por volta de 230.000, ainda que aceitável, se consideramos a sua frase como a expressom de um conhecimento sequer aproximado da respeitável extensom —103.000 quilómetros quadrados— que Islándia possui. Em todo caso, digamos também que o Sul desta mede, também aproximadamente, essas cem léguas de cumprimento.

Fig. 4
Génova a fins do século XV, segundo a "Cronicarum Mundi". Combinando relatórios, alguns ainda nom suficientemente esclarecidos, parece que foi nesta cidade onde, entre o 25 de agosto e o 31 de outubro de 1.451, nasceu Christóforo Colombo, personagem hoje maioritariamente identificado com o Cristovam Colom, ou Collón, que apareceria em Portugal em 1.476.



     2.6 Tile visitada por comerciantes ingleses, especialmente de Bristol

     Está perfeitamente documentada a existência no século XV de umha rota comercial que enlaçava o Mediterráneo com as regions setentrionais da Europa, através de Lisboa, as Rias Baixas galegas, e Bristol. E era este porto inglês quem monopolizava os contactos com Islándia. Os seus barcos visitavam esta ilha na primavera e no verao para intercambiar peixe, lá, e outros produtos. No outono estas mesmas naves deslocavam-se ao Sul, alcançando assim as suas mercadorias o Mediterráneo através principalmente de Lisboa (22).
     Eram muitas as embarcaçons inglesas que participavam neste activo comércio, vital para Islándia. Calculam-se numhas cem anuais. A sua actividade ultrapassava muitas vezes as lindes do simples comércio para chegar em ocasions à pirataria. Em 1.432 Dinamarca e Inglaterra assinárom um tratado para pôr fim a este tipo de actos por parte dos ingleses, nomeadamente contra as colónias groenlandesas, também condenados por Nicolás V em 1.448 (23).

Fig. 5
Cabo Sam Vicente, Portugal. O 13 de agosto de 1.476, o corsário francês Chillaume de Casanove-Coulon, enfrentou-se aqui a quatro galeras genovesas e umha urca flamenga. Fundírom-se 3 naves genovesas e 4 corsárias. Ajudando-se com um remo, Cristóvao Colombo conseguiria cobrir a nado as duas léguas que separavam o lugar do combate das praias do Algarve.


Fig. 6
Lisboa, segundo umha gravura alemá em cobre água-forte do século XVI. Recuperado no Algarve das conseqüências do combate de Sam Vicente, a esta cidade, naquela altura um dos principais portos comerciais do mundo, parece que chegou Colombo, possivelmente por terra, em 1.476. Cumpri já os 25 anos.


Fig. 7
Lisboa na actualidade, desde o monumento a Cristo Rei. Nela tinham naquela altura sucursal os Centurione e os Di Negro, genoveses, para os que trabalharia posteriormente Colombo. Desde Lisboa partiu este para la longínqua Thule. Em Lisboa conheceu a sua esposa, Filipa Moniz Perestrelo. Em Lisboa presenciou em 1.488 o trifunfal retorno de Bartolomeu Dias de Novais, vencedor do "Cabo das Tormentas".



     2.7 As marés de vintecinco braças de altura

     A braça é umha velha medida marinha baseada na extensom aproximada dos dous braços de um home —em latim, "bracchia"— abertos. Trata-se de umha medida que varia, segundo os lugares, ainda que pode situar-se por volta dos 1,70 metros. O dado de Paul Herrmann de que naquela altura equivalesse esta a 58 centímetros, tem que dever-se a umha confusom sua com o côvado (24). Acerta Colombo ao falar de marés semidiurnas. Mas as vinte e cinco braças que assegura para as de algumha parte de Tile representariam umha diferença de nível de uns 42 metros, mais do duplo das maiores que se tenham medido no mundo. Algo absolutamente fabuloso e disparatado.

Fig. 8
A ponte Clifton, em Bristol. Situado a uns 12 quilómetros águas arriba do Avon. Este porto era, nos dias de Colombo, o segundo em Inglaterra, e o centro do seu comércio oceánico. Nas suas proximidades, na foz do Severn, pudo ver o futuro Almirante marés de mais de 14 metros que, sem dúvida, devérom de impresionálo fundamente.


Fig. 9
As rochas de Moher, na boca Sul da baía de Galway. Fôrom importantes as relaçons de Irlanda com a Península no século XV. Dom Henrique o Navegante, morto em 1.460, regalou-lhe um leom africano a um fidalgo de Galway. Da Irlanda chegavam à Galiza roupa, minhatos e cans de caça. No forte "Navidad", construído por Colombo no Novo Mundo em 1.492, houvo um nativo de Galway chamado Guilherme Ires. E na quarta viagem leva o grumete Donis, filho também desta vila.

     Um folheto recentemente publicado pola Universidade de Islándia indica que as maiores marés da ilha andam por volta dos 3,70 metros. Mas, dado que Colombo assegura que nalgumhas partes da Tile por el visitada "había grandísimas mareas", tampouco aqui cabe pensar num erro por parte dos copistas a respeito do número de braças por el indicado.
     Em conseqüência Colombo pudo:
     a) Nom ter realizado a viagem, limitando-se a inventá-la em base aos relatórios dos viageiros portugueses que alcançaram o Lavrador ou Terranova, lugares nos quais si tivérom ocasiom de observar enormes marés, cujo tamanho exagerárom.
     b) Nom desembarcar em Islándia, limitando-se a contorneá-la, interpretando hiperbolicamente a opiniom de algum dos marinheiros que com el navegavam. É pouco provável que a erupçom do volcám Kverkfjöll, no Sudeste da ilha acontecida provavelmente no momento da sua viagem (25), e os movimentos sísmicos que a devérom de acompanhar, pudessem influir excessivamente na amplitude das marés por el observadas [Fig. 12].

Fig. 10
A "Salmon Weir Bridge" de Galway, sobre o rio Corris. "Homines de Catayo versus oriens venierunt. Nos vidimus multa notabilia et specialiter in Galvei, Ibernie, virum et uxorem in duobus lignis arreptis ex mirabili forma", escreveria posteriormente Colombo. "Homes de Catay —China— vinhérom cara o Oriente. Nós vimos muitas cousas notáveis e especialmente em Galway, Irlanda, um home e a sua muller em dous madeiros arrastados de jeito admirável".


Fig. 11
Slyne Head, no extremo Norte da baía de Galway, passo também obrigado na rota de Islândia. "Desde Reykjanes a Jönhdulaup, em Irlanda, há cinco dias de navegaçom Sul", afirma o Landnamabok islandês, redigido por volta de 1.125. Reykjanes é a ponta sudocidental de Islândia; e Jönhdulaup, Slyne Head (Vide fig. 20).



     3. CONCLUSONS

     Do que acabamos de analisar, a respeito do que Colombo lhe comunica aos Reis sobre esta viagem, cremos que pode inferir-se claramente que:
     a) Se está a referir à Islándia, cujo tamanho e situaçom conhece aceitavelmente bem, e embora se equivoque na estimaçom da sua latitude, adverte perfeitamente que é mais ocidental que a Thule de Ptolomeu. Tampouco ignora circunstáncias tam pontuais como a da presença dos comerciantes ingleses, nem o significativo feito de que se achava livre de gelos no mês de fevereiro, data surpreendente e exactamente coincidente tanto com a testemunhada por Dicuil no ano 825 para os deslocamentos a esta ilha dos eremitas irlandeses, como com a do começo dos habituais periplos comerciais ingleses à mesma.
     Todos estes feitos apontam cara à verosimilitude da viagem.
     b) Equivoca-se rotundamente, polo contrário, ao afirmar a existência de altíssimas marés, o mesmo que na medida das mesmas, sendo esta circunstáncia o único argumento, autenticamente forte, em contra.
     c) De tratar-se de umha invençom pola sua parte este deslocamento, os relatórios de que se valeu para a elaboraçom do relatório poderia tê-los obtido dos marinheiros portugueses que chegavam a Irlanda, Inglaterra, ou à mesma Islándia, feitos estes perfeitamente documentados, assim como também através dos próprios navegantes ingleses, durante a sua admitida visita a este país (26), se nom é que nom era inglesa, precisamente, a nave em que viajou.
     d) Quanto a Cristóvao Colombo se refere é evidente que se acha sempre mergulhado num autêntico mar de contradiçons e de dúvidas, algumha quiçá mesmo deliberadamente propiciada tanto por el como polo seu filho Hernando, que nom sempre som possíveis de penetrar. Contradiçons e dúvidas som, nom obstante, algo bem diferente da mentira ou da invençom simples. A sua carta aos Reis é 18 anos posterior aos feitos que relata; poderia ter confundido com o passo do tempo o Almirante o lugar das enormes e impresionantes marés que, no seu momento, deveu de observar nas proximidades de Bristol? [Fig. 8].

Fig. 12
Em precário equilíbrio sempre entre a influência benéfica da Corrente do Golfo, a ameaça dos volcáns, e a inestabilidade sísmica, Islândia surgiu num dos pontos de encontro das placas continentais da Europa e a América. "Detrás desta ilha —escreveria Adam de Bremen em 1.075— nom há naquel mar nengumha outra terra habitada, senom que todo o que há mais alá está cheio de gelos infranqueáveis e insondáveis tebras".


Fig. 13
Inspiradoras possivelmente da concepçom iconográfica que la ilha Ogigya, habitada pola ninfa Calipso, imaginou Homero, as forças do mundo soterrado mostram-se em Islândia através das suas fumegantes solfataras. A fotografia está tomada no parque Nacional de Geysir.


Fig. 14
Os colonizadores construírom casas com muros de turba e pedras, de 3 a 6 pés de espessor, nos quais crecía a erva. As ovelhas podiam pastar sobre elas. A Granja Keldur é hoje a mais antiga do país. Foi levantada a meados do século XI, em tempos do rei Dom Garcia, Guilherme o Conquistados e o Cid Campeador. Nos dias de Colombo, e a diferença das igrejas das colónias de Gronelândia, nom tinha vidros nas janelas, senom vexigas atirantadas.


Fig. 15
Antiga dependência de Keldur. Surpreende a abundante utilizaçom da madeira, tanto na construçom dos trebelhos como nas divisons interiores, já que a madeira chegou a se converter num bem escasso em Islândia, a causa da intensa deflorestaçom, especialmente pola realizada polo gado ovino. Por este motivo, no século XII eram já contadas as embarcaçons islandesas.



     4. A ROTA ISLANDESA DE COLOMBO

     Os deslocamentos a Tile pudo tê-los realizado Colombo de vários modos diferentes:
     a) Até Inglaterra nas naves genovesas que se refugiárom em Cádiz após o combate de Sam Vicente de agosto de 1.476, umha vez reagida a viagem (27), para continuar desde ali a bordo de naves inglesas.
     b) Directamente, ainda que com escalas, numha embarcaçom portuguesa.
     c) Até Inglaterra em naves portuguesas, ou nas do Corsário Guillaume de Casanove-Coullon, para o que estivera a navegar, segundo nos asseguram o seu filho e o Padre Las Casas, e desde ali, continuar noutras inglesas.
     d) Até Inglaterra em naves portuguesas, para utilizar logo inglesas.

Fig. 16
Skalholt, "o mais nobre lugar de Islândia" com o volcám Hekla ao fundo, na margem direita do Hvitá Olfusá, nas férteis chairas do Sul da ilha. Aqui residírom os bispos islandeses desde 1.056 até que em 1.785 foi transladada a Sede a Reykjavik. No momento da viagem de Colombo esta estava vacante, ainda que foi coberta ao longo do ano por Magnus Eyjolfsson, morto em 1.490. A actual igreja, consagrada em 1.963, foi construída sobre os restos da antiga Sede.


Fig. 17
Estado actual do túnel que comunicava a antiga Sede com a Escola Episcopal de Skalholt, importante centro cultural durante muitos séculos. Aqui exercérom 32 bispos católicos e 13 luteranos. Em 1.402, a peste que assolou a ilha, deixaria com vida em Skalholt só o bispo Vilkin Hinriksson e dous dos seus fregueses.

     Se é minimamente fiável a nómina da tripulaçom genovesa que se enfrentou a Guillaume Casanove em Sam Vicente, na qual nom figura Colombo (28), temos que rejeitar abertamente o primeiro destes supostos, e admitir com os seus biógrafos mencionados a sua militáncia nas filas do corsário francês, o que invalida já o primeiro destes supostos.
     Quanto ao terceiro, além de impossível de documentar nestes momentos, parece escassamente provável, porque o referido corsário realizava a sua lucrativa actividade nas costas atlánticas continentais, preferentemente contra as naves venezianas que comerciavam com Flandres (29).
     A viagem colombina deveu de ter-se realizado de qualquer das outras duas maneiras acima apontadas. O feito de que no terremoto de Lisboa de 1.755 se perdesse o riquíssimo "Arquivo da Marinharia", que continha importantes documentos em relaçom aos descobrimentos (30), impede-nos concluir se o fijo utilizando naves portuguesas ou, por exclusom, que fosse em barcos ingleses. A época do ano em que se realizou, e essas escassas 100 léguas que afirma ter navegado "ultra Tile", reduz muito a possibilidade portuguesa, ainda que o feito de que depois desta viagem se instale em Lisboa, volta a acrescentá-la.

Fig. 18
Imediato à chaira e ao lago Thingvalla, ao pé dest longo muro que assinala o limite da placa continental americana, e o começo da europeia, juntava-se desde o 930 o Althing, o Parlamento de Islândia. Cada ano, no solstício do verao, e durante 15 dias, os representantes dos 12 Things comarcais procediam aqui a elaborar leis e administra justiça. "Nom tenhem rei —diria Adam de Bremen— só a lei".


Fig. 19
"Vestmannaeyjar", "As ilhas dos Irlandeses". No século IX servírom de refúgio a um grupo de escravos desta nacionalidade, fugidos depois de desfazer-se do seu amo Hjorleif. No XII levantaria nela um mosteiro o bispo de Skalholt. Mas, no tempo da possível visita de Colombo servia de base aos pescadores ingleses. Podem apreciar-se os efeitos da erupçom de 1.973, que estivo a ponto de destruir a vila. O aeroporto está situado na parte superior esquerda da fotografia.

     Tampouco nada impede pensar que tivesse podido tomar parte numha das habituais expediçons mercantis —e ocasionalmente predadoras— que partiam de Bristol. Se assim for, o feito mesmo serviria para explicar a sua parquedade informativa, assim como alguns dos erros cometidos.
     A maioria dos seus biógrafos nom se opom à possibilidade de que tenha sido nesta viagem quando Colombo visitou Inglaterra, ainda que também a pudo ter feito enquanto navegou para Guillaume Casanove. Admite-se assim mesmo que pudo ter sido no decurso da mesma, bem à ida, já à volta, ou nas duas ocasions, quando estivo em Galway, Irlanda, feito que refere numha nota manuscrita que aparece no seu exemplar da "Historia rerum ubique gestarum", de Eneas Silvio Piccolómini, Pio II [Figs. 9, 10 e 11].

Fig. 20
Reykjanes, extremo sudocidental da ilha, próximo à vila e à base aérea de Keflavik. O lugar era passo obrigado tanto para as naves que iam a Gronelândia, como para as que buscavam os fiordos ocidentais. "Deixamos umha boa terra com propósito equivocado, se é que pensamos viver neste pegote", diria desilusionado Ingólfur no ano 874 cando, depois de deixar atrás o cabo, abeirava os 50 quilómetros de lava que mediam até Reykjavik.



     4.1. A Islándia dos tempos de Colombo

     À margem do erudito topónimo de Tile com a que era conhecida, Islándia, "Terra do Gelo", recebeu este nome do norueguês Floke Vilgardsson, que tivera que invernar nela pouco tempo depois do seu descobrimento. Colonizada imediatamente depois polos escandinavos, a partir do ano 874, [Fig. 3], alcançaria já a começos do seguinte século umha populaçom de uns 30.000 habitantes, em boa parte escravos capturados em Irlanda e Británia [Fig. 19].
     Politicamente autónoma até 1.262, passaria neste ano a pertencer a Noruega, para fazê-lo a Dinamarca a partir de 1.380 [Fig. 18].
     Islándia foi desde o princípio um país de caudilhos independentes, que viviam em granjas de explotaçons agrícolas e gandeiras, da pesca, ou da caça de focas e baleias. Os seus habitantes levavam umha vida ruda, em que, contodo, nom faltavam entretenimentos baseados no jogo da pelota, os combates de cavalos, ou longas veladas nas grandes cozinhas das suas casas. O mais surpreendente desta sociedade é que Islándia soubo contar aginha com um movimento cultural e literário superior ao de qualquer outro país do seu tempo [Figs. 14 a 17].
     Em 1.362 a erupçom do Oraefajókull, no Sudeste da ilha, ao fundir parcialmente o gelo do glacial Vatna, o maior do planeta, arrasaria por completo aquela comarca, deixando-a erma e desabitada [Fig. 12].
     E ainda que se viu livre da "Peste Negra" de 1.349, a causa do seu isolamento, sofreu outra entre 1.402 e 1.404, à que ali conhecem por este nome, possivelmente portada pólos navios ingleses que entom começárom a comerciar aquelas águas. Nela perecérom as duas terceiras partes dos seus habitantes, nessa altura estimados por volta dos 40.000.

Fig. 21
Há 7.000 anos, o volcám Búrfell formou esta ribeira e o porto natural de Hafnarfjördur, em primeiro termo. O casal do fundo pertence já a Reikjavik. Hafnarfjördur foi o mais activo porto comercial de Islândia no século XV. Cabe pensar que, tanto a expediçom luso-danesa como a que conduziu a Colombo, devérom de visitá-lo.


Fig. 22
Hafnarfjördur, foi a principal base comercial inglesa durante mais de setenta e cinco anos. Nos dias da possível visita de Colombo produziria-se nela um enfrentamento armado entre estes e os germanos de Hansa, que acabárom por substitui-los, e construírom casas, edificios comerciais e umha igreja. A Vila contava naquela altura com 500 habitantes. Hoje supera os 15.000.


Fig. 23
Com 1.466 metros de altura, o glaciar Snaefells, levanta-se na outra banda da imensa abra de Faxaflói, a 100 quilómetros de Reykjavik e Hafnarfjördur. As suas cimas, com neve mesmo no verao, eram referência para os que navegavam cara a Gronelândia. No seu cráter situaria Jules Verne o começo da sua "Viagem ao centro da Terra". Em primeiro termo, Reykjavil, a capital islandesa.

     Ainda nom recuperado o país de tais tragédias teria lugar a famosa, ainda que escassamente documentada, expediçom luso-danesa à busca das terras do ocidente. Esta expediçom é diferente da que  —"circa annum 1.476", segundo Mercator— realizara o piloto danês Jon Scolp, e parece estar já também claro, ainda em contra da opiniom de Mascarenhas, que em nengumha delas tomárom parte, João Vaz Corte Real nem Alvaro Martins Homen, navegantes que receberam "donatarias" em Angra e Vila da Praia, nos Açores, em 1.473 e 1.474 respectivamente, a quem se conferira incorrectamente o mérito de ter descoberto a "Ilha dos Bacalhaus", presumivelmente Terranova, descobrimento que em realidade realizárom posteriormente os filhos do primeiro (31).
     No monento da chegada de Colombo, fevereiro de 1.477, o importantíssimo comércio inglês, tam necessário para a sobrevivência dos islenhos, em precário desde que no século XII desapareceram os bosques com os quais o país contava no momento da sua ocupaçom, imprescindíveis para construir naves, ia começar o seu declive, a causa da autorizaçom para frequentar a ilha que o monarca danês, Christian I (1.448 - 1.481), lhe acabava de conceder à Hansa germánica, se bem com a teórica limitaçom de que as suas naves nom invernassem nela [Figs. 21 e 22]. Também nesse mesmo ano, o Sudeste do castigado país ia ver-se de novo afectado, esta vez pola erupçom do volcám Kverfkjöll.
     Polo demais, Islándia [Figs. 12 a 23] seguia a ser um país de populaçom dispersa, com comarcas absolutamente inabitáveis e outras em que, junto a ilhós cubertos por bandadas de pássaros, apareciam verdes e lustrosos prados, jacimentos de ferro, ou rios com peixes, e fiordos cheios de focas e baleias.


     4.2. Conseqüências da viagem

     Quantas suposiçons até agora se tenhem feito para explicar os imediatos passos de Colombo —inspiraçom divina; possíveis, mas indemonstrados contactos com o além-mar; conhecimento de um inominado informante— poderiam ter um mais adequado cumprimento através de umha análise desta experiência islandesa, assim como da surpreendente —ainda que documentada também noutros lugares— possível arribada de indígenas americanos a Galway. O mais normal é que também tivesse conhecimento, através dos islandeses, da existência de terras habitadas ao Oeste. As colónias escandinavas da Groenlándia, fundadas em 985 por Eirik o Rojo, persistírom ainda até bem entrado o século XVI [Figs. 23 a 26]. E também mais que provável que chegasse ao seu conhecimento a existência das terras de clima mais benigno situadas ao Sudoeste de Groenlándia, visitadas havia quinhentos anos por Leifur Eirikson e os seus irmaos, que as sagas, constantemente repetidas, nom permitiam esquecer. As experiências luso-danesa e de Skolp eram tam recentes que, por força, houvo de ter conhecimento delas, já em Islándia, bem na própria Lisboa.

Fig. 24
Selos emitidos polo "Póstur og Sími", o serviço dos Correios e Telefones islandês, em abril de 1991, comemorando as viagens trasatlánticas de Leifur Eiriksson e Cristóvao Colombo.

     Parece observar-se um cámbio no Colombo, de vida até entom certamente um tanto heterodoxa, que retorna de Tile sem ter cumprido ainda os 26 anos. Elege estado quase de imediato e, desde Porto Santo, onde se instala provisoriamente, ademais de interessar-se pola cosmografia e a documentaçom e as cartas de marear do seu defunto sogro, —descobridor das ilhas da Madeira— realiza actividades comerciais para os Centurione genoveses, e navega repetidas vezes entre Madeira, Açores, Guiné, e Lisboa.
     E, seis anos depois; em 1.483, ou no 1484, com 32 ou 33 anos de idade, consideraria-se já com a suficiente bagagem de conhecimentos para expor-lhe ao rei de Portugal o seu grande projecto para alcançar a India polo Ocidente. Sabe já a que distáncia se acham as terras habitadas, que crê sejam Asia, e considera ter achado entre certos autores de prestígio opinions que confirmam a sua suposiçom acerca do tamanho da Terra, que lhe permitem encarar a possibilidade de alcançar directamente as riquezas asiáticas. Assim, nove anos depois, quando parte ao mando das naves dos Reis Católicos, dá a precisa ordem de que, "depois que tivessem navegado setecentas léguas ao ponente, sem terem achado terra, nom caminhassem desde meia noite até que fosse de dia" (32). Porque, aproximadamente a essa distáncia, aproximadamente também sobre o meridiano das terras anteriormente visitadas por Leifur Eirikson e os seus irmaos, e quiçá também pola expediçom luso-danesa, estavam as ilhas antilhanas.

Fig. 25
Estátua de Leifur Eiriksson en Reykjavik. Islandês de nascimento, e introdutor do cristianismo em Gronelândia, alcançou um ponto da costa continental americana ao qual chamou Vinland, partindo das colónias que o seu pai, Eirik o Rojo, fundara quinze anos antes naquela ilha.
Fig. 26
Estátua de Cristóvao Colombo, nos jardins de Pontevedra, tal como se acha na actualidade. A sua viagem a Islândia, quando contava 25 anos de idade, deveu de influir decisivamente na sua concepçom geográfica, assim como no ordenamento da sua própria vida.

     Cai dentro do possível, nom obstante, que o "anónimo informador" sobre as terras do além, de que já se falou no momento mesmo do Descobrimento, fosse a chave decisiva no seu projecto. Mas, possivelmente, nom chegaria a têlo induzido a levar a termo a sua viagem, de nom representar para el este relatório a confirmaçom de algo que a viagem a Islándia, e o achado de Galway, lhe figessem já divisar como umha realidade.


                                                                                                                                                             Vigo, janeiro - setembro 1.992





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NOTAS


(1) VARELA, Consuelo: Cristóbal Colón. Textos y Documentos Completos. Alianza Editorial. Madrid 1.989. 2 reimpresión, págs. 166-7.- PHILIPPOT ABELEDO, Afonso: La identidad de Cristóbal Colón. Ponte-Vedra 1.992. 2 ed., págs. 17 e 22.- COLON, Hernando : Historia del Almirante. Historia 16. Ed. Luís Arranz. Madrid 1.985, 3 ed., págs. 56-57.
(2) VARELA, Consuelo: Ibidem, pág. 166.
(3) COLON, Hernando: op. cit., pág. 29 e 56-57. Dom Hernando, que contou com a biblioteca particular mais importante e variada do seu tempo, chegaria a reunir nada menos que algo mais de 15.300 volumes. (Id. id. págs. 31-37).
(4) MUÑOZ PUELLES, Vicente: Cristóbal Colón. Diario de a bordo.Anaya. Tus Libros. Madrid 1.985, págs. 360-61.
(5) GIL, Juan, em: VARELA, Consuelo: op. cit. pág. IX a XI.
(6) PHILIPPOT ABELEDO, Afonso, op. cit., pág. 13.
(7) Entre elas o "Imago Mundi", de Pierre d' Ailly (1.350 - 1.420), a "Historia rerum ubique gestarum", de Eneas Silvio Piccolómini (1.405-1.464), elegido Papa Pio II em 1.458, a "Naturalis Historia" de Caio Plinio Secundo (23-79), ou o "Libro de Marco Polo" (1.254-1.324): GIL, Juan, op. cit., págs. LVI-LVII.
(8) MUNOZ PUELLES, Vicente: op. cit., pág. 13.
(9) COLON, Hemando: op. cit., pág. 64.
(10) VARELA, Consuelo: op. cit., pág. 287.
(11) JONES, Gwyn: El primer descubrimiento de América. Libros Tau. Ediciones Occidente. Barcelona 1.965, pág. 22.
(12) BEAUJEU, Jean: Historia mundial de Ias exploraciones. Espa-Calpe. Madrid 1.967. Tomo I, pág. 175.
(13) JONES, Gwyn: op. cit., págs. 22 a 31.
(14) HERRMANN, Paul: La aventura de los primeros descubrimientos. Labor. Barcelona 1.956, págs. 117-118.
(15) BEAUJEU, Jean: op. cit., mapas págs. 203, 221 e 224.
(16) PÖRTNER, Rudolf: La saga de los vikingos. Juventud. Barcelona 1.975, pág. 364.
(17) JONES, Gwyn: op. cit., pág. 29-31 .- NJARDIK, Njördur : Birth of a Nation. Iceland Review History Series. Reykjavik 1.978, págs. 12-13.- "Papar" procede do irlandês "pabba, pobba" , e este, à sua vez, do latim "papa", pai. Existem ainda vários topónimos com esta raiz. (Vd. fig. 12).
(18) PHILIPPOT ABELEDO: op. cit., pág. 17.
(19) Anotaçom do próprio Colombo no " Imago Mundi". São Jorge da Mina, actualmente Elmina, acha-se em Ghana, ao Oeste da sua capital Acrra.
(20) VARELA, Consuelo: op. cit., pág. 20.
(21) MASCARENHAS BARRETO, Augusto: O português Cristóvão Colombo agente secreto do Rei Dom João I. Referendo. Lisboa 1.988. 2 ed., págs. 151-159.
(22) CACHO, Javier: Más allá de Ia ciencia. V Centenario. Madrid 1.992.
(23) JONES, Gwyn: op. cit., págs. 100 a 105.- HEYERDAHL, Thor: El hombre primitivo y el Océano. Juventud. Barcelona 1.983, pág. 64.
(24) HERRMANN, Paul : op. cit., pág. 355.
(25) BORDIN, Guy: Guide d l' Islande. Editions Marcus. Paris 1.990. 3 ed. págs. 52 e 56.
(26) Anotaçom no seu Diário feita a sexta-feira 21-XII-1.492.
(27) VARELA, Consuelo: "Un hombre llamado Cristóbal Colón", in El primer viaje de Colón. Planeta-Agostini. Barcelona 1.992 : Ref. Histórica, pág. 4.
(28) ARRANZ, Luís: Cristóbal Colón. Quorum. Historia 16. Madrid 1.986, pág. 17.- Este autor fai notar também o feito —nom esclarecedor, desde logo— de que Colombo dispujera logo, no seu testamento, o pagamento de certas quantidades aos Spínola e Di Negro genoveses, que resultaram prejudicados neste enfrentamento.
(29) VOLTES, Pedro: Colón. Salvat. Barcelona 1.986, pág. 26.
(30) PHILIPPOT ABELEDO, Afonso: op. cit., pág. 291.
(31) MASCARENHAS BARRETO, Augusto: op. cit., págs. 143 a 155.- PERES, Damião: História dos descobrimentos portugueses. Vertente. Porto 1.992, 4a. ed. págs. 171-77.
(32) COLON, Hernando : op. cit., pág. 110.






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