O retorno

 

 

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Para Xavier Alcalá,
"americano" tamém



     O reactor fendia os nídios, altos ares. Em baixo, as nuves compunham um mar algodonoso. E por todas partes apontava umha luz incerta: ia-se acendendo o dia por algures.
     "Vas levar umha desilusióm, meu filho..." —A frase da nai, a jeito de ladainha petando-lhe na sem, tirou-no da sua abstraida contemplacióm para o traer à realidade imediata, e advertir, com abraio, tal umha aparicióm, ter umha rapaza acaróm seu.
     Observou, entóm, uns olhos mais que fermosos estranhos, inquedantes e sereos à vez, de que cor nom o poderia dicer, e mais umhas negras guedelhas, que recendiam dumha rara maneira... "Olhos de Céu", alcumou-na, para si, com ridículo orientalismo.
     Entrarom em tema, asi que el arrincou perguntando-lhe cara onde ia ela: os seus destinos eram um só, e semelhantes as suas histórias. FIlhos de emigrantes, nacidos, como quem di por azar, na pátria dos pais, conheceram-na já mozos, cumha única diferéncia: el ficara nela, adolescente ainda, com intencióm definitiva; voltara ela à Terra, com curiosidade mais bem turística... e velaí outra volta caminho da casa que deixara meses atrás. El, em troque, tornava, despois de longa auséncia, à percura da nenez morta, ou singelamente adormentada naquel país lonjano e perto ao tempo; lonjano tres veces, pensou, em anos, em léguas e nas suas marcadas peculiaridades; perto, na apaixoada evocacióm cotidiana...
     Asumira el a sua naturaleza aprendendo a língua nai; tatejava ela num dialecto ou mistura, dóce nom obstante, ou churrusqueira, melhor... ou asi lho pareceu ao rapaz, já mais que interesado nela, talvez engaratujado a partir daquel "fala-me em ese galego de livro, que se me hase tam simpático..."
     Antes do previsto pola sua impaciéncia, viu-se como esbarando cara aquel verde menos vivo na cor que o da Terra, muito mais manso, porém, no seu chairo feitio. E viuse, mesmo de súbito, tras doutra janelinha, case a rentes do chao, asistinto esta volta a um imóbil desfile de árvores, alambrados, erva, gando e algun vaqueiro recortado contra o horizonte poeirento, às veces aduviado por um que outro outeiro desmochado, mais algumhas casas, de tanto em tanto.
     E a companheira? Nada sabia de certo... Deveu ficar no primeiro ponto de chegada... mentres que el se internava no continente, rumo à arredada vila na que antano medrara. A separacióm da nena, decatava-se agora, sentia-a cumha forza impensável... "Vas levar umha desilusióm, meu filho..."



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     O retorno foi triunfal. Os amigos que ainda ali moravam mostraron-se-lhe inesperadamente gasalheiros. Tudo foi um se disputar ao que se apresentara por sorpresa, convidando-o acó, alá e acolá, numha festa corrida.
     Antes, sem que nenguém agardase por el, fora-lhe posível ir e vir de vagarinho polas rectas, quentes ruas. E gozara de vez com aquel jogo de as degustar a pequenos grolos, e aqueloutro jogo de doume-nom-me-dou-a-conhecer... ao se cruzar, de incógnito, com gentes que foram seus amigos ou seus conhecidos-de-vista, simplesmente, observando-os ao seu pracer, sem que advertiram nel outra cousa que um forasteiro...
     Asi pudo percorrer, cumha morosidade por veces ferinte, os seus corrunchos de cativo. O bairro, malia el, tópico bairro-de-tango, cos seus muros de madresilvas sobre um decorado de canavais, coas suas noites de escaravelhos e grilos amizosos... O seu bairro surgia, aparentemente fiel ao pasado, como um ilhéu florido no meio da fervenza do tempo, que, inevitavelmente, trocara um muito a vida vilega, segundo el mais que comprovar sospeitara em canto chegou.
     Somente umha peza nom casava... "Vas levar umha desilusióm, meu filho..." A sua casa nom estava já: o parche dum edifício novo, a rachar coa harmonia que el buscava no cuadro, foi umha labazada que o hoje lhe dava para lhe amargurar um reencontro que jamais seria cabalmente tal.
     Mais umha dor, menos tangível, compria ser sincero, ainda o espreitava, cando se decatou nom se acharem ali alguns poucos amigos, "ausentes por razóns políticas", dixeron-lhe. Eis, palpável, o cámbio que el cheirara. Esta terra, tam sua como a outra, tinha umha velha sona de democrácia, no dicer das versións oficiais "exemplo de liberdade para o mundo civilizado"..."A liberdade de escolher o cacique de turno", tivo que concordar con alguém... "Ao querermos facer valer a democrácia legal", redondeava o informante, "o choio escaralhou-se: já ti ves..."
     Foi nese momento que a el lhe nacerom os remorsos... Remorsos por andar facendo o turista morrinhento, dedicando-se ao pasatempo intelectual do "retorno às fontes", cando ao seu redor, a pouco que se rabunhase, havia medo, jenreira, incertidume, desalento, fugida, cadea, morte...
     "Vas levar umha desilusióm, meu filho..." Era agora cando el calibrava ajeitadamente a palavrinha, sentindo nos osos que dicer "desilusióm" significava mesmamente dar vida a um axexante e, pese a isto, necesário nemigo a lhe avisar que voltar ao pasado era imposível; pero, inda de ser posível, fora inútil, e pior, culpável. Asi castigava a realidade a un saudoso incurável, teimudo recriador do que já fora, a viver de lembranzas, para rematar, indefectivelmente, idealizando-as e esquecendo-se de viver o presente: pois o presente, do jeito que el o desvivia, era pasado decote...
     Rebulindo-lhe tudo isto, foi desasosegado dacó para aló, sem acougo, à vez sobrando-lhe e faltando-lhe as horas, sem saber que se facer, se seguir ou cortar. Acabou perdendo a nocióm dos dias, e perguntava-se se aquilo lhe pasara no prazo dum mes ou já ao dia seguinte da chegada. Nom era quem de dicé-lo... pois que o próximo pasado traducia-se-lhe numha morea de sentimentos, sensacións e images desarticuladas e caóticas.





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     Falava-se das guerrilhas urbanas, "perigosamente perto da nosa cidade", no murmurar dalgumhas gentes, que lhe comunicarom ao visitante os seus temores... inexplicavelmente, já que nel sempre atoparam umha simpatia espontánea aqueles ideais que julgava altruístas, e mesmo umha segreda admiracióm aqueloutros métodos, menos racionais do que valentes...

     Esa tardinha chegava "ela" dalgumha parte. Asi lho prometera, e asombrava-se el da sua seguridade na data; si, seria naquel serám primaveral, nom lhe cabia dúvida nengumha. Isto fixo-o momentaneamente feliz, pois tinha a certeza de que falar coa moza havia-lhe de sentar bem. (El a nenguém ousara contar as suas coitas...) "Vas levar umha desilusióm, meu filho..."... Nom, nom era para tanto... Umha dóce raiola tocou-lhe nos olhos, a partir do sol que estava a bautizar o caminho, e mais no íntimo, coa esperanzada recordacióm da companheira de viage.

     Alá ia el, rumo á Lagoa, a facer tempo. Mais, cal se voara, empurrado por umha poténcia telúrica, deixou axinha tras si, e sem reparar nelas, as duas pontes do rio e a misteriosa mansióm da ribeira, na que acochara as suas fantasias infantís... E viuse literalmente mergulhado na mesta folhage do parque natural que à Lagoa apreijava.

     O recendo dos eucaliptos e o rumor do bris nas folhas, misturavam-se coa algareira rexouba das cotorras, alá en riba, nas ponlas; e coa paz espelhante da Lagoa, broslada de vizosos camalotes. Naquela sombriza soedade, ao lembrar a sona de insondável que a Lagoa tinha, deu-lhe como um calafrio.

     Virou cara a saída e viu-se encanhonado por um fato de encarapuchados. Um certo mimetismo coas árvores a a própria uniformidade dos imóbeis, mudos asaltantes, a jeito de arrepiante retábulo de ultratumba, faciam difícil dicer o seu número. Eram como um ser só, home ou mulher, tanto tem, repetido, polo jogo de sol e sombra, actuando à maneira dumha cámara múltiple, ate formar umha sinistra companha.

     Somente os olhos pareciam ter vida no conjunto, tras daqueles cones tesos e mouros, menos dignos de guerrilheiros que de esbirros de kukluxklám ou de procisioeiros sevilhanos... "Ohos de Céu" tamém era da partida... Desmoronou-se o home, ao tempo que a sua suposta culpabilidade ia-se confirmando, através dum senlheiro juízo telepático entre eles e el armado...

     De súbido viu-se na beira, mais ainda, na própria auga colhido cal num cepo. Estarreceu-se asi que relembrou nom ter fondo a lamacenta Lagoa. E el nadar nom sabia, nem de nada lhe valera, pois que o empurravam irremediavelmente, cos brazos atados. Quixo berrar, pedir piedade, e nom pudo...

     Ou era que se facia noite, ou era que el se tornava cego... Confusamente, retrocedeu na memória, grade a grade... O bairro... Ela... O edifício intruso... Sua nai... Os outeiros desmochados... Ela... O avióm... Os vaqueiros... Sua nai... "Vas levar umha desilusióm, meu filho"... E comezou a se solagar, cum terror vertiginoso e molhado... "Vas lev..."... Um derradeiro empurróm.

     A dez mil quilómetros de "aquilo", acordou chorando como un neno.

 

 

 


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