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Capítulo IV: A Fonte de Requeijo

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     Do meio e meio da terra vem nascer mesmo no pé do Laspedo. Lá como pode, fura entre as lajas da dura rocha e cai abaixo sobre outra pedra lisa que a modo de leito a recolhe e a agarima, para mui passeninhamente deixar sair a sobrante pola pipela a caminho do rio. Porque se chama Requeijo ninguém o sabe, mas não seria de estranhar que tivesse algo que ver coa esquisitice desta água. Nesta fonte, por estar ali na beira mesmo da Veiga, que se enche sempre de gado, toda a gente molha um nada à hora da merenda. Lá pola direita, um pouco mais abaixo, fica a Pedrosa, que é um monte baixo mui pelado e coberto todo de pedras. Mas não são estes uns pedregulhos escangalhados por ali onde quer; não, na maioria dos sítios as pedras topam-se juntas e amoreadas, como acovilhando algo. Ninguém sabe o que ali há, nem o que ali se passou, se é que é certo que se passara. Só se diz que há muito tempo se enterrara ali a um general. O certo é que haverá por aí uns cinquenta anos um forasteiro adinheirado que viera de não se sabe onde encarregou ali umas escavações na procura de algo. Cavaram todos os homens de Penacova, e assim foram pagados, mas nada ali não saiu, e aquilo segue tudo empedrado.
     Os três homens da pia reconheciam, cada um para os seus adentros e pola calada, que aquela água tinha algo que lhe dava tal suavidade no paladar como nunca antes tiveram experimentado. Como o tempo lhes chegava —a lua nova ainda não se encetara— aquela noite parecia que não tinham pressa, e enquanto bebiam e davam água à pia repousaram à beira da fonte, coas costas afincadas na peneda que há em frente do manancial. Depois o Perfeuto, quando teve o seu corpo bem saciado e com reservas para a noite, colheu o pinho e pôs-se ao caminho sem consultar a ninguém, como é o seu costume; os outros dous seguiram-no e pouco a pouco tudo volveu à rotina de sempre. Vão agora Lama abaixo e cruzando para onde fica o Penedo Esmigalhado; eles não hão-de subir tão arriba, pois a rodeira vai por aqui mais à beira do regueiro. O Perfeuto hoje não parece que ande lá o homem com tantas pujanças como as que o outro dia lhe fizeram sair da rodeira e ir bater às Fatigas. Não, hoje vai ir polo caminho traçado sem afastar-se mais que umas polegadas ali onde lhe faça falta para evitar que a roda vá ao buraco quando o houver. Parece que a tosse lhe foi a menos, mas não se lhe tirou completamente enquanto ele segue às voltas, também hoje, co assunto dos incêndios, e segue sem encontrar qual foi a sua última queima. De seguro que foi nos montes de Penacova.
     Ele montara aquela canteira com tantas ilusões... co dinheiro que ganhara na Alemanha mercou as máquinas que precisava para rebentar os penedos e um camião para carregar depois a pedra. Tudo começara bem. A pedra saía-lhe quase debalde e as ganâncias engordavam como as vacas do moinheiro no inverno. Em menos dum ano já tinha comprado outro camião e pagava a quem o guiava. Nos salários também pouco se lhe ia, trazia homens do lado de lá da Raia sem papéis e nem seguro lhes pagava. Pouco a pouco, coa força destes homens mal pagados, a pedra ia-se transformando em dinheiro que se amoreava nas mãos do Perfeuto. Quando se acaba um penedo, pois venha lume e a arrancar-lhe a alma ao monte, que aqui há muito que arramplar. Os vizinhos de Penacova, ainda que fartos polos estouros que não param em todo o dia e que salpicam a tranquilidade destas terras de sobressaltos inecessários, fizeram o que a cotio sabem fazer quando se trata de defender-se contra o mal que vem de fora... nada. Não fizeram nada. Um por ti e outro por mim foram passando a cousa e teve de ser o destino o que se encarregara do Perfeuto. E olha que lhe dava reganho ao Perfeuto ter que lembrar o mal que rematou o que tão bem principiara.
     Durante as noites que lhe levou chegar ao seguinte ponto no seu destino ele tentou com todas as suas forças evitar que lhe viessem à cabeça as lembranças dos acontecimentos que o levaram a ter de vender os camiões e mais as máquinas para dar pago aos advogados. Mas se por algo se caracteriza o Perfeuto é por saber arrumar assuntos e deixá-los apodrecer ao seu antojo até que rebentam e então não há remédio; mas, por enquanto, a cousa vai indo mais ou menos pola calada e ele tenta levar a sua mente em branco, e vá se isso lhe ajuda a manter-se na rodeira. Dom Narciso agradece aquela tranquilidade que até lhe permite de quando em vez levantar os olhos do húmido carroucho e voar montado no alto dos seus sonhos na procura das estrelas. Penacova quase sempre tem um céu limpo de nuvens nas noites da primavera, sobretudo quando entra o mês do São João. Desde onde andam hoje eles às voltas, as estrelas poder-se-iam contar por milheiros e nunca se daria rematado. Pouco mais se vê que o amplo espaço celeste que os cobre a modo de manto negro e prateado, e depois o grande pano vai caindo e vai morrendo lá na borda onde se junta cos montes que debuxam ondulado o seu remate. Dom Narciso vai ledo no seu andar, que contrasta coa apatia do Alcaide e coa teimosia do Racha-Pedras. Narciso sabe que ainda lhe faltam por passar jornadas de sofrimento, porque ainda não sente que chegasse a onde a sua intuição lhe diz que deveria chegar... Mas que mais pode haver na escuridão do não lembrado? Ele agora prefere deixar que o rodeiro rouche e o vá empuxando aonde quer que ele vá. O Perfeuto também teria preferido seguir na mesma de não pensar; mas olha que lhe estava a custar, ele tinha que fazer um verdadeiro esforço para não ver-se assaltado polas imagens que fotografaram, mui ao seu pesar, os seus derradeiros dias na canteira de Penacova. Por vezes era tal o esforço que até se lhe ouvia como falava só; ia ele ensimesmado numa discussão com alguém, que aos outros se figurava invisível, com quem desatava a sua fúria soltando mais blasfémias que palavras. Esta conversa levava-a ele num falar mui baixinho, e os outros dous compreendiam que não se estava a dirigir a eles. E se assim fosse preferiam fazer o mouco e, como a Virtudes, ouvir e calar. Dês que começaram aqueles diálogos, que haveria que denominar monólogos de palavrões, parece que o Perfeuto guiava algo mais devagar o carro; como se aquele falar lhe roubasse a energia que a cotio o fazia ir às carreiras e sair-se do caminho. Os de trás seguiram fazendo como que não ouviam nada e às vezes, para dissimular ainda melhor, assobiavam um chisco.
     Ao remate da noite deixaram a pia, ainda com muita água, perto do Castelo Velho, que fica na metade do caminho entre Requeijo e o pé do Castelo da Rainha Loba, onde lhes aguarda a quinta fonte. No Castelo Velho encontram-se também cachos de olas partidas se se rabunhar um nada na terra, que perto dos penedos mesmo parece cinza, ligeira e duma cor como griseira. Mas os penedos deste Castelo Velho não retêm lenda nem nada que os faça ressaltar, em contraste cos seus vizinhos da direita, os penedos da Rainha Loba; estes sim que sabem como atrair os mortais, erguendo-se esbeltos e desafiantes. São prova palpável da divindade para alguns habitantes deste lugar que insistem, ante o materialismo que os abafa —a eles e ao seu modo de viver minimalista— em que... sim, eles bem sabem que o homem pode fazer muitas cousas... casas, carros, aviões... mas os penedos da Rainha Loba! Esses não os fez homem nenhum, esses só uma Mão Poderosa os pôde fazer. Assim é como a Conceição se refere a Quem os criou: "a Mão Poderosa", que é quem de tocar cada uma das cousas e milagres que acontecem no mundo natural, e no sobrenatural. Ela é a que faz andar o mundo... Mão Poderosa, se te tivesse nomeado noutro sítio farias quiçá da Conceição uma filósofa, mas aqui, nesta beira da Raia, passarás sem influência alguma no saber dos mortais, desses mesmos que tanto conhecimento derramam pola nossa terra adiante. Os ecos dum Deus alheio aboujam já para sempre o espírito do Nosso próprio, e connosco morrerá, e connosco morreremos, e ninguém nunca saberá quem somos. Nada mais duro e doloroso que a existência que sabe do seu não existir vindeiro.
     Ele, como queira que for, estes penedos têm um encanto que não desaparece co andar dos tempos. Mas os três viageiros das estrelas pouco sabem ainda e para ali se dirigem ignorando a onde chegam. Agora, deixando tudo escondido, foram-se ao encontro da luz do dia. Hoje Dom Narciso marchou canda os outros.

* * *

     Nuestra Región anuncia a apresentação dum novo livro do poeta Budial, que terá lugar na livraria do jornal. O livro é um conjunto de poemas que o autor criou ao redor do tema da primavera.... A mais de um, o tema fará-lhe lembrar aquelas tediosas redacções que na escola se obrigava a escrever aos meninhos e meninhas cada ano... "La primavera es bonita; a mi me gusta la primavera, las flores nacen y los pajaritos cantan..., senhorita já rematei a redacción..." E entrementes os montes rebentavam pola pujança que a terra lhe fornece desde dentro, e se tapavam coas flores, e ainda assim eram ignorados... e os meninhos e as meninhas não tinham jeito de descobrir a primavera. Vai neles e não a conhecem. Quem podia encontrar o carreiro entre aquelas estéreis palavras da redacção e o verdadeiro milagre de cores que de súpeto cobre a terra...? Os poemas de Budial fazem uma reflexão sobre essa destruição do mundo que está arredor de nós, e que em lugar de ser interiorizado, criando harmonia interior, é bloqueado, tornado para fora, ignorado, instalando-se nos nossos miolos um olho de vidro que dirige o olhar a esse mundo... Um olhar que há-de o não ver, que há-de o negar, para o odiar, para desejar eliminá-lo, para lhe deitar lixo,... e para quiçá algum dia queimá-lo... Escusado é dizer que Nuestra Región não tem suspeita qualquer sobre as inquedanças do poeta, mas quem se atreve de decifrar um poema, ainda que o lera. Ele escreve...

Sem esperanças de ver-te
te miro, tojo amarelo
De ti aqui não dizem nada, estranha uzeira avinhada
Fora gestas e carpaços, dos jardins assenhorados.
Primavera estéril dos livros aqui exportados...
carregados coas primaveras grises de outros lares.

     O poema segue e segue e se estende por mais de duas ou três páginas das que Nuestra Región não nos fala.

* * *

     Com aquele caminhar pausado foram-se achegando estes peregrinos da noite aos refaixos da Rainha Loba. De súpeto o Perfeuto, que vai à cabeça, sentiu água nos sapatos e, olhando para onde o tinham levado os pés, viu-se rodeado de pedras rachadas que resplandeciam como fantasmas no meio da escuridão. Perfeuto tirou co pinho e botou a correr monte arriba; ia levado do demo. Os outros dous seguiram-lhe os passos e assim chegaram ao alto dos penedos da Rainha Loba. Na fugida para arriba o Perfeuto ia voando, aos poucos botava as mãos à cabeça e a apertava tapando os ouvidos, mas sem diminuir o passo. Os companheiros correram quanto puderam, evitando tojos, carvalhos e carpaços, mas não lhe deram alcance até chegarem ao alto. Chegaram boqueando, Perfeuto estava acochado no chão na junta de dous penedos numa pequena fárria, chegara arriba desfeito, não parecia o mesmo homem, e quiçá não o fosse. Os companheiros quiseram perguntar polo que lhe passava, mas não o fizeram, algo lho impediu, e Perfeuto com toda a certeza tampouco lhes teria contado do que escapava, ele apenas conseguia ficar ali no chão tremendo como um junco. Apesar do muito que correu as lembranças deram-lhe alcance. Foi assim como descobriu que os berros da velhinha das mãos queimadas se tornavam muito mais terroríficos ao apresentarem-se acompanhados doutros berros.
     Berros de homens. Homens que para ele trabalhavam de sol a sol. Homens da Raia, dum lado e mais do outro. Homens que arriscam a vida. Homens mui mal pagados. Homens sem seguro, e sem as condições mínimas de segurança no trabalho. Homens sem horário. Homens sem papéis, e sem direito a reclamar nada. Homens sem voz. Homens que trabalhavam até o esgotamento. Homens aos que um dia se lhes acabaram os fôlegos antes que a tarefa e não deram corrido a tempo para escaparem quando já prendera a mecha... Um deles caiu morto no chão; era o mais velho, pai de família. E aí começaram os pesadelos do Perfeuto. Juízo trás juízo para evitar o cárcere. As ganâncias derretidas no processo. Agora não tinha nada mais que os berros dos que foram sacudidos pola pólvora enraivada, que obrigam a ser lembrados. Tudo perdido. Ele sente-se o mais desgraçado de todos. Mas ele não sabe que do outro lado da Raia, a poucos quilómetros de Penacova, há vidas arruinadas, viúva sem homem na casa e com pequenos por criar... filhos para sacar adiante, o mais velho de doze anos e o mais pequeno no colo, foi tudo o que lhe deixou àquela mulher o estourido da canteira.
     O Perfeuto comprimiu quanto pôde as suas lembranças, à força de premer na cabeça, mas os efeitos foram os mesmos. Via-se o homem acabado. E os companheiros pola mágoa que lhes dava aguardaram ali até que ele ordenou de baixar. Botaram um bom pedaço lá no alto. Naquela trapa da noite e ao silêncio, a Dom Narciso espertou-lhe a imaginação e pareceu-lhe ver como se o penedo que ficava enfrente, pola parte de detrás da Rainha Loba, se cobrira com uma melena de cabelo ruivo, algo ondulado. Pronto desbotou tal ideia, pois aquilo não tinha jeito. Não podia ser tal. Pensou que a falta de dormir de noite já lhe estava afectando, e ele era dado às visões, polo que não acreditando naquilo, pôs-se a olhar para outro lado. Quando o Alcaide lhe perguntou se ele não vira nada... "e logo que ia ver?" —Narciso dissimulou. "Nada, nada" —o Alcaide tampouco acredita naquela melena dourada que baixa pola pedra abaixo. Aquele era o Penedo da Mulher. Em tempos a melena foi de verdade, mas agora só se pode adivinhar polos riscos que o pente foi lavrando rocha abaixo cada quando que ela se penteava. São poucos os mortais aos que ainda lhes está permitido ver, sempre no lusco-fusco, aquele cabelo que durante séculos acarinhou o penedo, diz-se que alguns também ouvem o estrondo que se produziu quando a mulher por querer colher o pente, que lhe resvalara rocha abaixo, caiu. Agora tudo fica lenda. Agora tudo fica nada.

* * *

     ...Os detectives chegaram perto da eira da festa e com alívio comprovaram que não se passeava por ela o homem do cabelo prateado...
     —Eh! Olhai aqueles dous que trajados vêm! Mágoa que tenha passado o Entroido, pois havíamos-lhes fazer comer farinha até polos olhos, com essas roupas mesmo parece que vão chamando por ela.
     —Deixa-os lá aos pobres, que quem sabe na procura de que andam.
     —E de que será?
     —Olha que aí te vêm para cá...
     —Não virão aqui onda nós?!
     —Deixa-os vir, que mal nos vão fazer? Divertiremo-nos um pouco à sua conta.
     As três moças estavam sentadas no maçadoiro da porta da escola, era logo meia manhã e não parecia que tivessem muita pressa por marchar; parecia como se aguardassem por algo ou por alguém. Os dous agentes caminharam até onde as moças estavam e saudaram-nas.
     —Bons dias moças, poderíamo-vos fazer umas perguntas...? Se quereis perguntamo-vos uma por uma, e seguimos assim à rolda.
     —Bons dias moços... ai, se vos parece escolhei qual quereis que conteste às vossas perguntas, que devem ser mui importantes a julgar pola vossa vestimenta...
     —A nós tanto nos tem, ide uma e logo outra, e assim vamos indo à rolda.
     —Ai sim! Assim vamos indo à rolda nós, e com vós, como vamos fazer...? Perguntais os dous à vez, ou primeiro tu e logo ele?
     —Não, eu sou o que faz as perguntas, ele é o meu ajudante.
     —E a que che ajuda, se se pode saber? Porque se tu fazes as perguntas, que lhe deixas a ele?
     —Mirai, não me comeceis com leas, que depois se perco o tino do que ando a fazer, não dou encadilhado bem a cousa.
     —Não será por nossa causa que, a se meter você num sarilho, nós só queríamos saber que faz este moço tão guapo se o dele não é perguntar.
     —Não faz nada, vem comigo, não vos deveis preocupar dele.
     —Não é que nos preocupemos, a nós o que se nos perdeu no assunto? É simples curiosidade.
     —Pois menos curiosidade e mais colaboração, que já vamos outra vez por mau caminho.
     —Olha tu, que de mau caminho nada! Nós estamos aqui sentadas e não nos pensamos mover para ir a nenhures convosco, ademais estamos aguardando polo bomboneiro que já passou para Gomesende, e talvez depois ao vir de volta passa e não o sentimos.
     —Mui bem, então movamos a cousa para rematar antes de que chegue o dos bombóns e vos marcheis com ele.
     —E dá-lhe com marchar, já vos dissemos que nós não nos movemos daqui até que chegue o bomboneiro, e não traz bombóns, que traz bombonas (2) de butano, vós sim que estais bombóns...!
     — Entendido...! Agora, se sois tão amáveis, poderíeis me dizer que sabeis sobre uma pia que desapareceu daqui há bastantes anos? Seríeis vós pequenas.
     —Se há tantos anos, como quer que lhe digamos o que se passou...? E já que pareceis meios adivinhos, quanto tempo pensais logo que nós temos?
     —Não sei o tempo que tendes, e mal aproveitado tampouco não parece que o tenhais... Mira, porque não nos contas tu que pareces a mais velha?
     —Eu se quisesse algo sei, mas eu desses temas não falo.
     —Pois logo eu tampouco direi nada.
     —E de mim ide esperando outro tanto.
     —Pois olha que começamos bem a cousa! A ver se antes de nada aclaramos quem das três está disposta a contestar algo do que nós perguntamos. E ademais, por que dianhos não quereis falar no tema?
     —O tema tanto nos tem, é a Igreja a que nos dá reganho.
     —Mas a pia já não tem relação nenhuma coa Igreja, agora pertence a um museu de Ourense.
     —Que pertença ao que quiser, a pia sempre será da Igreja, e essa é uma instituição de homens, e ali as mulheres não pintam nada, portanto de mim polo menos não vão sacar uma palavra.
     —Pois de mim tampouco.
     —Nem de mim, ademais essa pia foi roubada à gente deste lugar polos que vão de santos, e a gente por burra ainda lhe segue indo à missa.
     —Olha as mocinhas! Pareceis mui opinadas.
     —Que pareçamos o que quisermos, ademais a vós... que se vos perdeu por aqui?
     —Nós estamos ao cargo duma investigação sobre o paradeiro da pia,... que raios se passa aqui neste lugar, que ninguém nos responde às nossas perguntas?
     —Homem! É que vós fazeis umas perguntas mui estranhas. Se nos perguntares por cousas mais divertidas em lugar de temas relacionados cos velhacos da Igreja e as suas falcatruas, outro galo cantaria.
     —E que quereis que vos perguntemos, se esse é o tema que nos interessa?
     —Pois já vos podiam interessar outras cousas menos aborrecidas, vamos digo eu.
     —Não, se a nós tampouco nos interessa tanto que digamos, nós não o escolhemos, veio-nos encarregado de arriba, se por nós fosse...
     —Pois logo, porque não o mandais amolar e que o investiguem os da sotana que outra cousa que ranhar não têm, e ademais o que se passara ou deixara de se passar coa pia foi por causa deles?
     —...E falando de cousas que vos interessam, ademais de isso da pia, que outras cousas vos têm causado impressão por estes lares?
     —Homem, pois não temos visto muito, mas a julgar polo presente, de moças não anda mal este lugar...
     —Ai! obrigadas polo piropo mas não era preciso, na nossa casa há espelhos...
     As três moças riram abertamente e coa naturalidade do que goza da liberdade que lhes outorga o conhecido, a liberdade do domínio do mundo no que se sucedem estes acontecimentos.
     —A soberba, polo que vejo, também vos chega.
     —Não é soberba nenhuma, é conhecimento de causa ... é que vós tampouco ignorais que ides bem engabachados?
     —Pois sim que o sabemos, mas isto é parte do nosso trabalho...
     —Ai, pois não sabia eu que para ir por aí com essas perguntas que vós fazeis tínheis que ir emperiquitados.
     —Isto? Mas se só é um traje, o que conta é o que vai por debaixo...
     —Olha lá o que falava da soberba...
     —...E por riba nós não lho podemos negar, que não temos essa informação privilegiada...
     —Homem, pois isso boa solução teria, e já que o dia já se anuviou para o assunto da pia, a ver se ainda se vai arranjar a cousa...
     —Eu não me faria demasiadas ilusões, porque se bem certo é que até que se arrancam as batatas não se pode falar no que há debaixo da terra, nós temos melhores moços aguardando na verbena...
     —E logo onde é a verbena?
     —Em Fontearqueira, e nós pensamos ir a ela se encontrarmos quem nos leve.
     —Se calhar ainda podemos chegar todos a um apanho...
     —De apanhar ninguém disse nada, mas se queredes ir à verbena nós podemo-vos ensinar o caminho...
     —Pois logo combinamos assim e, se vos parece bem, passamos por aqui às sete para irmos juntos.
     —Pois que seja logo às sete... já que não pode ser mais cedo, e logo de aí em diante já veremos...
     Desde o maçadoiro as três moças olharam como os detectives subiam para ir para a Coanheira a caminho do seu veículo; depois, arrimando as cabeças um nada, mouminharam algo e riram-se, riram-se com aquela pícara inocência que ainda não perderam...









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2 Bombona: botija de gás (castelhanismo).

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