v2monchodofidalgocontosdefada007.html
Os currais darriba desprendiam um
cheiro a bulho embebedor, lirico se me permitem a nobre expressão. O Alambiqueiro assentara a sua
majestosa e simples maquina acima de tres pedras no pendelho do Caseiro ... Os meninos, alertados polo perfume de
cada ano fumo-nos reunindo ao redor da cena ritual. A liturgia da aguardente ia completando um ciclo mais... O
Alambiqueiro bromeava com os nenos presentes. Estavamos todos? O Antonio de Petres, seu irmão, o Daniel do Ferreiro ...
Pepe, o irmão? Não lembro... Exercia de homem judicioso, uma criança prematura ou de simples ademans estudados?
Quiçá! O meu irmão Luis sim que estava. Tambem, creio, estava o Carlos de Carreira e o Tonho
de Ferreirinho ...
O Alambiqueiro comprovava a intensidade do fogo, a rapidez do jorrinho e mirava a um relogio de bolso
calculando, seguramente, as historias que lhe permitiria contar aquela «postura» que cozia no caldeiro. Os homens
do lugar iam passando polo pendelho cumprindo o ritual herdado polas gerações... As crianças escutavamos com
olhos atonitos os contos, por vezes vernizados de cor verde, do Alambiqueiro. O anfitrião do cenario ria,
convidava a copos de aguardente quente a todos os presentes...
?Alguem vai cantar o «baixinho» esta noite!
?Não lhe fagades caso ao Alambiqueiro, quere-vos assustar.
? Dizia o Reimundo tendendo copos a uns e
a outros.
Eu, junto com o Arturo de Petres, era o mais novo mas ainda assim não quedei sem a minha dose de liquido
recem saído das retortas e pretas tripas do aparelho. Lembro que o primeiro golo, doce, tepido,
deslizou-se-me
com suavidade pola faringe, acariciando-me o esofago para cair no estomago finalmente.
Os garranchos de uzeira e os cascotes de carvalho alimentavam a chama mitica da noite escura
... Ainda aos ceus da Galiza não tinham chegado as ondas imperiais e alienantes em unidades de Hertzio capazes de fazer
trocar os habitos da nossa gente... Não chegaram ainda os «Espinetes », «pitufos» e demais gado para envilecer
e entorpezer as mentes dos meninos livres das montanhas e até aos das cidades.
O cuco remedava-nos, ou eramos nos os que remedavamos ao cuco? O cuco andava de carvalho em carvalho,
polas devesas do Rigueiral, pensando em abandonar, fugir a paises mais tepidos. Já não quedam carvalhos para o
cuco, o cuco não gosta dos pinheirais!
?O primeiro medeiro que apareza na agra espantara-o! Fugirá.
?Porquê? ?perguntara-lhe eu a meu pai intrigado.
?O cuco tem-Ihes medo ...
?Ah! por isso lhes chamam
medeiros!?
Meu pai riu a perna solta. A minha ocorrencia devia sair-se da logica para um menino de curta idade.
Há quem bebe para esquecer. Eu bebo da brancura feiticeira do papel... Para esquecer? Não, para lembrar,
relembrar e afirmar-me, reafirmar-me nas raizes do meu povo infeliz que deseja emitir a voz redentora, a voz de
basta! O grito libertador. Esse berro que se vê entorpecido, obstaculizada por soculos de opressão colonial.
Os mouchos e as corujas namoram, palram, contam-se penas ou alegrias lá nos soutos centenarios
da Fonte...
As canas da macieira batem no teito do espigueiro de Caseiro empurradas pola violencia do vento «dabaixo» ...
O vento duro, crú. De onde vêm tambem outras cousas ... [Mas, deixemos isso; desejo que o presente relato
descurra polos recordos sossegados das imagens que guardo na memoria de uma criança singular].
Afinal da noite, certamente alguem cantou o «baixinho». A aguardente pendurava já nos sentidos de
algum assistente ao ritual. O Alambiqueiro acertara mais uma vez.