Lugrís
Freire: "Umha pátria, um idioma"
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Na nossa história literária é mui difícil
separar a defesa do idioma de um impulso nacionalista veemente e de um
amor ardente à patria, a Galiza. Assim podemos abordar a época e a
personalidade de Lugris Freire. Em múltiplas ocasions se tem falado e
polemizado sobre a "história clínica" do nosso idioma e da
nossa cultura, mas à hora de prosseguir umha trajectória espiritual
entroncada com o nosso passado glorioso ou decadente, actuamos com
temor, vergonha e indecisom para reconhecermos a nossa identidade.
Era Lugris Freire um homem romántico, segundo
o confirma o seu próprio neto (1),
um homem que estivera a ponto de suicidar-se no momento em que perdeu a
sua primeira mulher.
Mas nom só este feito o define como um
romántico. Também da sua obra poética se desprende a saudade, a
melancolia, a nostalgia de aquele que emigra, entra em contacto com
outras culturas e se reafirma na dele própria. Por este motivo, funda
em Cuba, a finais do século XIX, o primeiro jornal galego na América
intitulado "A gaita gallega" o 5 de Agosto de 1885. A sua
duraçom foi breve: até o 30 de Setembro de 1889.
De regresso à terra em 1896, desempenha o
cargo de empregado administrativo de águas da Corunha. O seu fervor
patriótico acentua-se ao encontrar-se com umha sociedade galega onde os
grupos nacionalistas incipientes revalorizam a auto-identidade sob o
princípio do Regionalismo levado a cabo já polos nossos clássicos
Rosalia, Curros e Pondal.
Deles herdou o saudosismo rosaliano coincidindo
com o seu coetáneo Ramom Cabanilhas. Em Ardencias, o poeta
apresenta umha chamada à mocidade galega e exprime com impetuosidade a
redençom da pátria, o amor que pode sentir por ela qualquer
nacionalista romántico enriquecido por umha visom saudosa da natureza.
Os poemas "Amor", "Fonte de amor" som um claro
reflexo da tradiçom rosaliana e de Cabanilhas. Nesta colecçom de
poemas emprega o alexandrino modernista e o eneassílabo, metros
próprios da poesia Rubeniana. Nom se pode dizer que na cultura galega
existisse umha escola modernista como as que se desenvolveram em outras
literaturas ocidentais. As nossas condiçons sociais e económicas ao
serviço de umha política centralizadora nom eran propícias para
fomentar umha cultura de salom adaptada a umha burguesia já assentada
económica e politicamente na sociedade. Por isso, nós, na nossa
história literária, nom podemos falar de umha escola modernista como a
de Rubén Dario em Hispano-América a quem seguírom os autores
castelhanos ou a de Baudelaire na França seguido polos simbolistas
Rimbaud e Verlaine.
Com que panorámica conta a literatura galega a
princípio de século? A resposta é fácil: o estádio de língua dessa
época, reduzida a um ámbito rural dá-nos a resposta. Os nossos
autores quando pretendem inovar vem-se obrigados a fixar-se nas pautas
marcadas polas outras literaturas porque nom existe tradiçom
literária. Desta forma também se acham em um "Barco sem
luces" à hora de representar graficamente o seu idioma e de eleger
as formas mais correctas para o registo culto da linguagem.
Quais som as possibilidades de um autor
modernista numha sociedade profundamente agrícola e com um material
lingüístico dialectalizado? Mui poucas. Assim se explica que Carvalho
Calero na sua História da literatura contemporánea (p. 569)
afirme:
"Unha escola modernista en galego, que houbera sido a
solución histórica normal, non se produciu, pois o espíritu
cosmopolita do modernismo, e a sua orixe hispano-americana,
determinábano a empregar a língua de Rubén Dario. Así, a
literatura en língua galega, imaxinable sen un fundamento
ético de servicio a Galicia, e a tendencia modernista, na que
dominaba o esteticismo, desenvolvéronse
independentemente". |
A prova de que
estávamos ante umha sociedade feudal na época de Lugris, temo-la num
poema intitulado "O pazo de Amil" onde nos diz o autor:
Naquel sobrado
senhorial que outrora
recendia a camoesas ainda tiñan
o retrato de Xácome de Andrade,
podente e xeneroso cabaleiro;
e no seo das huchas de castaño
durmia o traxe da fidalga dona
co bobiné de rendas vaporosas
e o seu adrezo de feitura persa
que das figaldas terras lusitanas
trouxera un cabaleiro namorado". (2)
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Os versos recordam as passagens de Otero
Pedrayo em Camiños da vida, onde ele lamenta a queda da
fidalguia, e associa esta decadência a umha ruptura definitiva com o
mundo rural para abrir caminho a umha sociedade mercantilista. A
desapariçom do mundo rural em favor de umha economia baseada na
indústria, quer dizer, urbana, significa pra os nossos autores
pós-románticos a perda de identificaçom com a terra e em
conseqüência o olvido progressivo do idioma dos nossos labregos e
marinheiros. Ardencias acaba com três prosas:
Unha pantasia
céltiga
A crónica de unha mareira
O discurso sobre Camões. |
Este final mostra claramente a ideologia
dos nossos autores em aquela época. Se bem nom temos umha escola
modernista, sim temos umha escola celtista com os seus mitos, a
ambientaçom cavaleiresca típica do mundo feudal em que está imersa e
todos os ideais que ela sugere. O que se pretendia com o celtismo a
partir de Pondal e nas literaturas europeias (francesa, irlandesa,
escocesa) era argumentar umha postura de defesa das culturas
minoritárias face às maioritariamente estendidas e centralizadoras
politicamente. "A crónica de unha mareira" é o reflexo do
costumismo exaltado por ele em numerosos poemas.
Lugris além de ser um poeta nostálgico e
amante da terra, foi um canto à pátria, à sua terra natal: Sada e a
ria de Betanços. Os nossos autores vem-se sumidos num entorno
progressivamente castelhanizado. Isto explica a exaltaçom,a louvança
das nossas paisagens campestres e marinheiras tentando revelar nas suas
desciçons umha comunhom panteísta entre o homem galego e a terra.
A terceira prosa, "O discurso sobre Camões", fora um discurso pronunciado no teatro Rosalia de Castro,
na Corunha, o 27 de Novembro de 1924, em comemoraçom do IV Centenário
do nascimento de Camões. Esta última parte, é outra das inquietudes
dos nossos nacionalistas: a uniom do espírito galaico-português. No
poema "O pazo de Amil" já havia umha clara referência: a
fidalga trouxera das fidalgas terras lusitanas um cavaleiro namorado.
Igual que os filhos de Breogám devem tender os braços amigos à nobre
Lusitánia em Pondal as fidalgas de Lugris namoram cavaleiros lusitanos.
"O discurso sobre Camões" é
umha mostra mais do espírito lusista das "Irmandades da Fala"
e da "Geraçom Nós". Lugris Freire é contemporáneo de Ramom
Cabanilhas e seguidor dele em muitas facetas poéticas. Vejamos o que
diz Cabanilhas em umha entrevista feita no "Diário de
Notícias" de Lisboa no ano 1929, quando o autor ingressava na Ral
Academia Espanhola (3):
"Portugueses e galegos vivimos cara o mar. Cando o sol
vermello do horizonte desce sobor das ágoas do Atlántico,
neses místicos instantes vesperais de recollimento interior nos
que se forman e moldeian as almas e florecen as arelas divinas,
é a mesma nosa oración. E entón cando vemos a semellanza do
noso destino sobor da Terra, pois que xuntos agardamos ver no
horizonte a branca vela dunha nave que non estamos certos si nos
trai o Ben soñado ou nos ven a buscar para un longo
viaxe"...
"...A fala galega que ten que
lembrar os portugueses balbuceos, xiros, berros e canturias que
a sua tivo nos anos de nena, e a fala portuguesa que nos abre
ós galegos certos e seguros camiños na evolución da nosa
agora en ridente mocidade, están tan fortemente trabados que
abondarian, por si soias, para faguer espiritualmente
inseparables os dous pobos". |
"Irmandades da Fala" foi o
movimento que começou a defender o idioma e dignificar o seu estado
social e político concebendo-o como emblema de umha naçom.
Como fazer teatro numha sociedade carente
de burguesia para apreciá-lo e fomentá-lo?
José Ramom Barreiro (4)
afirmou que "no Rexionalismo do ano 1890, soio quedaban os artistas,
os poetas, os intelectuais e os idealistas". Agora, a partir do ano
1915, um grupo de intelectuais presididos por Aurélio Ribalta funda em
Madrid a revista "Estudios Gallegos". O seu objectivo era
denunciar os problemas económicos da Galiza e assegurar a sua
personalidade regional assumindo a defesa do idioma. Antom Vilar Ponte
lança um manifesto à opiniom: "Nuestra afirmación regional"
ressaltando o valor da língua e propugnando a fundaçom de associaçons
do cultivo do idioma. Em 1918, celebraria-se em Lugo a primeira
"Assembleia Nacionalista Galega". Abandona-se o termo
"regionalista" por "Nacionalista".
Lugris Freire contribuiria com o seu
esforço e labor teatral a realizar o projecto lingüístico de
"Irmandades da Fala". O nosso autor representaria umha figura
ponte entre a Escola Regional de Declamaçom desaparecida en 1915 e o
Conservatório Nacional de Arte Galega fundada polos homens da
"Irmandade da Fala" corunhesa em 1919. Galo Salinas e Lugris
Freire foram os que se consciencializaram da necessidade dum género
dramático no nosso idioma e na história da nossa literatura,
conscientes de que a sua difusom oral podia penetrar na burguesia
castelhano-falante e consolidar a ideologia nacionalista de
"Irmandades da Fala".
A denúncia social e política do grupo
tampouco passa desapercibida na obra teatral de Lugris. A
desconsideraçom social, o desprezo polo idioma vernáculo, as liortas
entre os intelectuais, a falta de altruismo e patriotismo verificam-se
quando desaparece difinitivamente a Escola Dramática Galega. É a sua
umha obra que responde ao gosto da pequena burguesia incipiente naquela
época. Em todas as histórias da literatura as publicaçons
didácticas foram destinadas a esta classe social, respondendo assim às
suas ambiçons de triunfo sobre a aristocracia. Na sociedade galega de
inícios do século XX, o teatro fora utilizado polos nossos autores
dumha maneira similar à dos autores do século XIV quando escreviam
prosa didáctica na França, em Portugal, etc...
O 18 de Julho de 1903, Lugris estreia o
primeiro drama em prosa A ponte. Compreende dous actos e
desenvolve-se nas marinhas de Betanços. As suas personagens actuam no
ambiente social vigente naquela época. O autor elege um vinculeiro que
representaria o caciquismo senhorial. As apetências do vinculeiro nom
som outras que a conquista inobre dumha mulher de aldeia casada e com
filhos. A perdiçom do cacique é devida à sua imoralidade. O autor
apresenta-nos um cacique perverso, um aldeao instruído em questons
sociais ou que em todo o caso professa ideias avançadas, figura
simbólica de umha classe burguesa incipiente. Nom podia faltar a
miséria dos camponeses explorados polos caciques, nem a velha
supersticiosa.
Estas mesmas coordenadas acharemo-las em
outro drama intitulado Minia, mulher aldrajada polo cacique
Reinaldo apodado "o raposo". O desenlace destas peças
responde ao desenlace do drama social e sentimental: o aldeao acuitela o
cacique com umha faca.
Com Mareiras, drama em três actos,
o autor depois do sucesso de A ponte, quijo demonstrar que o
público aturava em galego nom só drama senom também drama longo. A
ambiçom literária e lingüística leva-o a introduzir nos diálogos
entre marinheiros, frases sentenciosas próprias da oratória oficial da
burguesia espectadora. Lugris disfarça assim as suas personagens,
marinheiros de Sada que ele conhecia na realidade.
A Escola Regional de Declamaçom nom
chegou a representar outros dramas de Lugris: Esclavitú, O Pazo,
Estadeíña.
Lugris com a sua actividade teatral fijo
ressurgir o teatro galego. A sua intencionalidade social e lingüística
respondia basicamente à ideologia de "Irmandades da Fala", da
"Geraçom Nós", movimentos nacionalistas que suplantam os
regionalistas do século XIX.
Na sua obra poética aparece como um
continuador dos seus antecessores románticos: Rosalia, Curros, Pondal.
Igual que os seus contemporáneos,
Cabanilhas, Otero Pedrayo, Lugris é um autor ao serviço de umha naçom
e um idioma.
NOTAS
1 |
Agália,
número 23, "Outono" 1990, página 320. |
2 |
M. Lugris
Freire: Ardencias, páginas 18-19. Zincke Hermanos,
Corunha, 1927. |
3 |
Ramón Cabanillas: Obras
completas, tomo 3, Akal, Madrid, 1981, páginas 565-566. |
[En
Agália nº 27, Outono 1991, pp. 373-377.].
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