Esclarecer que suponho que, por umha dessas
fantasmas que habitam nos prêlos das imprensas, hai dias dizia um
jornal que eu ia falar acerca das minhas experiências pessoais com o
meu avô. Isso é impossível, pois que el morreu no mes de Fevereiro e
eu nacim no de Abril.
Mas isto nom seria obstáculo para que faga
umha sucinta e, ao mesmo tempo, pessoal visom das catacterísticas mais
salientáveis do seu carácter e, sobretudo, das claves que, em último
termo, justificam e explicam a natureza deste carácter. E pretendo
fazê-lo nom como singela escolma de dados ou anedotas, senom como umha
panorámica sintetizada entre as vertentes pública e privada, nom
claramente diferenciadas, como seria doado pensar numha vida tan cheia
de paixom e calor humano, e, por outra banda, inseridas umha na outra de
tal jeito que, muitas vezes, se confundem nom sômente na pràtica
habitual e quotidinaa, senom na sua obra e, principalmente, no seu
poemário, que é um excelente termómetro das suas médias
temperamentais.
O entorno familiar condicionou-no desde mui
jovem.
Umha grande carga de posicionamento
historicista da família, como parte integrante de umha linguagem ou
avoença que, ao mesmo tempo, o integra como indivíduo e que,
consequentemente, lhe serve para a sua imbricaçom no tronco da sua mais
grande família nacional, que compom o substrato do país. Deste jeito,
home, família e naçom formam um mesmo corpo e alcançam essa dimensom
espaço-temporal globalizadora que será um constante sustento do seu
pensamento.
Esta apelaçom íntimo-historicista é, às
vezes, mais afectista do que real.
Assim, em tanto, pretenderá ter ancestros
entre os condes de Andrade, como entre antergos marinheiros da ria de
Sada, os que mesmo que chega a cantar ilusórias e pretensas fazanhas.
O certo é que procedia de umha família da que
se têm notícias desde o tempo dos Áustrias, na paróquia de Dexo e da
que existem, e el encarregou-se de recopilá-las, testemunhas escritas
sobre a prestaçom de serviços de armas, solicitudes de empregos, etc.,
e que, com a passagem do tempo, se instalárom em Sada (Fontám), na
segunda metade do século XIX.
O pai tivera um depósito de sal no peirao, do
qual fora despossuído por problemas com a Administraçom.
Talvez fosse este motivo o primeiro lugar comum
de conflitividade que achou com o poder colonial. A situaçom da
economia familiar na sua meninez era resultado desta medida, de que
avondo escuitava falar acotio na casa.
Encontrou-se, assim, desde mui jovem, de fronte
à realidade política do país. E atopou, também, que era indivisível
a problemática particular da colectiva. Puxo-o, em fim, de cara à
injustiça generalizada e ao sofrimento, neste caso o que provocava em
sua mai, pola que sempre tivo umha grande veneraçom e carinho, como
norma de convivência naquel mundo finisecular de umha terra deprimida
pola impotência social, rabexa que estoupa em todos os seus textos
teatrais, e a emigraçom, da qual nom tardará ele em ser outra vítima
máis.
Mas estes ingredientes que se iam amalgamando
nos primeiros anos, cristalizárom durante a estadia em Cuba, na
formaçom definitiva do seu carácter. Som anos agitados, em que acede
ao traballo, em que entra em contacto com outras realidades, em que
descobre a cultura pátria, como motor da regeneraçom do processo de
cámbio social e político que, agora, se convence de que é
indispensável e, sobretudo, e isto marará-o profundamente no futuro,
defronta o colonialismo na sua mais sinistra fazeta: a explotaçom
sistemática do considerado inferior. Transpola assim, definitivamente,
a sua circunstáncia vital nos desejos de liberdade dos nativos, nos
valores que se presumem na causa da independência das ilhas.
Esse carácter tem, a meu modo de ver, três
elementos fundamentais: umha fibra de extrema sensibilidade, umha
tendência transcendente e, como consequência, a criaçom de um
universo próprio que será resumo das suas duas vidas: a pública e a
privada, o que, como já dixem, nom claramente diferenciadas no seu
pensamento e insumidas umha na outra.
Da fibra sensível podemos dar cumprida conta
nas manifestaçons mais diversas: períodos de profunda malancolia e de
depressom, que iam precedidos ou precediam a outros de ánimo exultante
e de firme afirmaçom nas próprias forças.
Isto tinha umha razom primigénia que é
preciso sublinhar.
O articulamento da sua própria ética apartir
da estética objectiva: o motor deste processo é um motor dinámico.
Assim entra em contradiçom com a realidade do país, em que a estética
do entorno provoca a ética da moral colectiva, nom a dinamiza.
Assim podemos dizer que era um home atípico
entre os seus coterráneos.
A morte da sua primeira esposa deprime-o de tal
jeito que chega a pensar mesmo no suicídio. Possivelmente em atitude
mimética de um romantiscmo seródio ou, talvez, produto de um dos seus
períodos depressivos que, algum tempo depois, lhe inspiram os versos de
Noitebras, o seu segundo livro de poemas. Antes dele, Soidades,
na Havana, com o famoso limiar de Curros, é um momento de
afirmaçom, de poder moral.
Os derradeiros anos da sua vida som umha
síntese negativa de todas as angústias e pesadelos que gravitáron
sobre a sua pessoa durante toda a sua trajectória vital. A enfermidade
nom foi apenas mais do que um pano de fundo da imensa tragédia que o
acovilhava.
O derrubamento de tudo, o mundo de ilusons
esmagado, o que com tanto trabalho, suor e bágoas se conseguira,
destruido por mor da besta da irracionalidade. O inimigo, afinal,
vencera.
Ali sô, afundido na mais fera soledade, no
gabinete da rua de Santo André, cara ao Orçam inaccesível, onde se
escuitavam, de quando em vez, as detonaóns dos fusilamentos; a Galiza
inteira fremia de pavor e, para mais escárnio ainda, o fascismo lhe
arrancava um filho. As forças abandonarom-no e deixo-se levar pola
morte.
Mas imediatamente antes deste período, temos o
que corresponde à II República: um tempo de esplendor que lhe levanta
o ánimo. Un tempo em que a vida familiar está tamizada de factos
positivos também: remate da carreira dos filhos, boda da filha... Todo
um cámbio brusco aquel, que o leva de novo à depresssom, à derradeira
depressom.
Dizia que há umha tendência transcendente:
dela somente referirei, como ele mesmo nos fala, o seu nascimento à
arte, o descobrimento da pátria e desse sentir sintético-valorativo,
que mais tarde se asentaria definitivamente em Cuba, o significado
profundo da relaçom do home com a terra.
Leerei a sua própria escrita:
Pouco despois salin do cimenterio de Lians, e collin pol-o
rueiro que leva á Oleiros. Áquela música, úneca que hastra
estonces falárame d'algo grande, resoaba ainda nos meus
ouvidos, ainda conmovía o meu corazón.
Novos pensamentos: solo quería á
terra: o amor da pátrea revertía no meu peito.
Cheguei
â pousada, subín ô sobrado, y-abrin a vidreira que daba ô
medio día.
O sol habíase agachado xa. Era a hora
d'entre lusco e fusco.
A estrela da tarde deixaba ver o seu disco
como un brilante; os pinales envolvíanse paseniñamente nas
brétemas anunciantes da noite; as arrás das barranqueiras
entoaban como de costume as suas cantigas sin xeito; y-unha
brandiña brís, recendente, indicaba que a natureza comenzaba a
vida da noite.
Púxenme á ollear o panorama
nouturnio, que tan en caráuter hachábase c'o meu esprito. As
sombras comenzaban á correrse pol-o val, pero ainda puiden ver
a torre d'Hércules no oeste, e no sur a aldea de Carral.
N-esto volvía da foliada o gaiteiro
Chinto, amigo meu, que, ô pasar por diante da pousada, froreaba
unha valente muiñeira.
Senteime
á escribir: fixen os primeiros versos da miña vida, e logo
quedei amorroñido... durmido.
Cando despertei, vin con sorpresa que
os versos estaban feitos na agarimosa lingua gallega. |
Hai umha
evidência; o sentido último e grandioso da paisagem. As ánsias de ir
além da singela presença pessoal. Chegar a essa integraçom panteísta
com as cousas que estám além dos limites temporais e que fam do
próprio entorno umha funçom dinámica dos actos do home. Lugris mesmo
apela a umha espécie de milagre na assunçom da sua poesia, como
querendo fazê-la partícipe de algo mais trascendente, de algo mais
grande.
E essa vocaçom de fundamentalismo de que estou
a falar, nom é absoluto, inédita nos homes da sua época, nessa linha
pondaliana de primigenismo e originalismo, em referência, claro está,
às origens que impregna toda a sua obra.
O seu universo íntimo nutre-se destes dous
apriorismos: a sensibilidade e o sentido transcendente; apriorismos que,
aplicados á funçom prática do seu devir quotidinao, nos dam umha
visom do mundo que arelava e que, finalmente, nom conseguiu mais que
parcialmente.
Home fundamentalmente político.
Manipulado posteriormente, além de esquecido.
Sabia que estava num país sem normalizar, um
país ofendido historicamente por umha dependência alheia.
Tem consciência assim do que significa o
colonialismo e sabe que sô rompendo estas cadeias podem alcançar
cumprimento os seus ideais.
Emporisso, só como possibilismo, planteja a
república e o autonomismo. Pensa na repúbica como a forma mais doada
de alcançar a autonomia. Nom é republicano ideológico, senom
prático. Era simplesmente umha eleiçom pragmática que mesmo chocava
com o seu poso educacional, com a tradiçom familiar. E aqui é onde ele
enlaça umha vida com a outra.
O seu labor privado é tam intenso e, mesmo,
mais desaborido do que o público. Há de convencer primeiro aos seus da
legitimidade da sua cruzada. Como um profeta na sua própria
terra hostil. E, aos poucos, vai-no conseguindo. Até que acha um morno
ainda que generalizado consenso no seio da família.
Entom articula-se na mente esse difícil
projecto de futuro, baseado em três alicerces: pátria livre,
liberaçom social e arco familiar integrado nestes dous eixos
fundamentais. É a trindade própria que é a mesma no seu interior e,
ao mesmo tempo, diferente cara ao exterior, mas, em todo tempo e lugar,
baixo idêntica ideia única e imutável: Galiza.
Esse projecto ten, como dixem, períodos de
esplendor, momentos em que parece que está a ponto de ser realidade
tangível: presidência da Academia, reconhecimento geral, assunçom da
República...
O final apresenta-se, de súbito, umha manhá
de Julho: e já tudo é declive até a fim. Aqui rematam as ilusons e
só fica a dúvida de se, no mais profundo do seu ser, aninhou até a
derradeira hora, algum fume de esperança.
E remato com esta ilusom de que ainda entre as
acedumes da trágica envolvente daqueles tempos visse umha lumieira no
fundo do seu corredor da morte, com uns versos do seu poema A Patria,
que som farto reveladores, penso, de todo o que estou a dizer:
Se por
Galicia morrera
A morte bendecería...
¡Por ela cen vidas dera!
E non no meu corazón
Esta soidade levára,
Nin esta doente africión.
¡Patria, Galicia, eu te adoro!
Porque non morro por tí
Pol-a vez primeira choro! |
[
En Agália nº 23, Outono 1990, pp. 319-323 ]. |
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