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AUTO-ORTOGRAFIA
(TEXTO QUE ACOMPANHA A EDIÇOM DE "TEATRO PARA SE
COMER")
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Baptizado
como Juan Carlos (A Corunha, 1957), recebe ao se
iniciar, de mui novo, no teatro galego (grupos "O
Facho", "Teatro Circo") o nome de
Xohán. Membro fundador, sem h, da Escola
Dramática Galega, e com J da Associaçom Galega
da Língua, dá-se a conhecer, porém, como Xan
no campo da literatura, ao obter em 1977 o prémio de
narrativa do "Pedrón de Ouro". Como tal
publica Número de Patente. Mais tarde, ao dar a
lume Origem Certa do Farol de Alexandria aparece
na 1ª Ed. Xoán, na 2ª Joám e na
3ª, e até hoje, João, assinando assim a obra Um
Cenário Chamado Frederico. Recebeu 6 prémios
literários com X e 0 com J*. E ainda,
num recente, e subsidiado, dicionário de autores, toda a
sua obra aparece atribuída a um tal Rodríguez.
O barbeiro da sua rua, de pequeno, foi, infelizmente, o
único que o tratou alguma vez de Carlos, e
muitas de Carlitos. Ainda que o autor agora
pensa que esse era o nome do cabelo que cortava. |
*Actualizaçom: ao dia
seguinte do lançamento do livro de que fazia parte este texto
(1997) o autor recebeu a notícia da concessom do I Prémio Eixo
Atlântico de Textos Dramáticos. Mas este prémio nom foi
recebido nem com X nem com J, mas com o C de "O Camponês
Eloquente", pseudónimo com que se apresentara a este
certame convocado, em Viana do Castelo, pola associaçom de
municípios do Eixo Atlântico, e no que se admitiam obras
escritas, quer em português, quer em galego "oficial".
Consciente da oportunidade de concorrer, pola primeira vez em 16
anos, em igualdade de condições com outros autores galegos, o
autor enviou um texto escrito em português padrom (A Tábua Ocre
de Núbia), e mesmo tentando disfarçar qualquer possível alusom
à sua origem. Até ao momento de abrir o envelope, o júri, de
que faziam parte representantes de diversas instituições
galegas e portuguesas, estava na certeza de premiar um autor
português, ou, melhor dito, uma autora africana de Língua
portuguesa. Nom sei por que razões (mas encanta-me pensar nisso
cada vez que ouço falar em "literatura feminina"),
talvez porque as folhas nom cheiravam a tabaco ou porque nom
havia nenhuma cena truculenta, pensavam que se tratava de uma
mulher. Que era africana suponho que foi porque, apesar das
precauções, alguma galegada deveu escapar no texto. Curiosidade
linguística que deveria fazer reflectir a todos os
"indigenistas", quer africanos, quer galegos. Ainda que
a confusom nom deixa de ser saborosa também face aos teóricos
da "Negridão". Ao ler os dados pessoais de quem se
ocultava sob aquele pseudónimo, os jurados encontrarom-se diante
de um triplo trasvestismo, sexual, linguístico e racial.
"Ahá -acaba de pensar um
"listillo" oficialista - estás a reconhecer que entre
o galego e o português há a mesma diferença que entre um homem
e uma mulher ou entre um branco e um negro". Está bem.
Apanhaste-me. Admito-o: acabo de reconhecer que entre o galego e
o português há a mesma diferença que entre um homem e uma
mulher ou entre um branco e um negro. Ora, eu penso que entre um
homem e um mulher, ou entre um branco e um negro, nom há
diferença nenhuma. Ou diferenças irrelevantes apenas. Um tigre,
por exemplo, identificaria sempre a mesma presa.
Igual que acontece entre o galego e
o português, só dentro de um universo mental mui estreito podem
considerar-se um homem e uma mulher, ou um branco e um negro,
como objectos mui diferentes. Igual que acontece com o galego e o
português, só som diferentes se os comparamos entre eles, mas o
mesmo aconteceria com dous irmãos gémeos. Se comparamos,
porém, um homem negro e uma mulher branca, e vice-versa ou
versa-vice, com uma árvore, um bloco de granito, uma gema de
ovo, uma chave inglesa, o mausoléu de Napoleom ou um bilhete de
metro, comprovaremos que se trata de dous objectos quase
idênticos. O mesmo acontece se consideramos a situaçom do
galego e o português respeito das restantes Línguas do
Universo.
Por isso brindo esta anedota a
todos os essencialismos linguísticos, sexuais ou raciais que no
mundo existem, e em especial àquelas pessoas que alguma vez,
para responder alguma consideraçom de bom senso, mas
"impoliticamente correcta", feita por mim nalgum debate
público, o único que lhes ocorreu foi dizer: "Esse é o
típico ponto de vista branco, masculino, europeu, ocidental e
burguês!", que normalmente costumam ser pessoas tão
brancas, europeias e ocidentais como eu, muitas vezes tão
masculinas como eu, e sempre mais burguesas do que eu. Excepto
esta última, quero que conste que, na minha condiçom de mulher
africana inteligente e livre, nom considero nenhuma das
anteriores qualificações pejorativas.
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