Mármores como sinos

Roi Fernán

Respirei os zumes todos deses tempos dourados e escollín a memoria por ilícito presente

 


ANTE UMHA LIVRARIA VAZIA

Como amava tanto
Os vedranhos livros,
As polidas aduelas
E os bronzes altivos;
Navegou a Estambul,
Cavalgou até Lídia.
Que fermoso continente
Se houver um bom lector!
Júlia te edificou
Para seu pai querido.
Randas de mármore pulcro
Renques de andeis de larício,
Papiros e pergaminhos
A agacharem a rapina
Dumha cabeça romana
Célebre pola cobiça.
Dorme agora um sonho mesto
Aquel prócer tam mesquinho,
No seu moimento de rocha
Trepado polos turistas.
Virtude e Sabedoria,
Ja hai anos que nom sorríem
Mirando para o seu leito
Infestado de mosquitos.
E só conversa comigo
neste ardente meio-dia
umha dúzia de colunas
ateigadas de fastio.
 

 



AVALOM

O imenso pomar de maceiras soletrea o teu nome.
Maçás vermelhas, pequenas, azedas,
Como coraçons sem alouminho,
Florecem e frutificam neste campo místico.
Fragas negras e silenciosas, verdes polícromos
Misturados a pedras talhadas com amor.
Desde os outeiros quase se acada o infinito.
Nalgures, Eva se agacha entre folhas de castinheiro
Mentres apanha um froito pecaminoso e retador
Frente aos olhares vougos dos rotineiros viajantes.
À noite um filho dos celtas acende um lume imenso
Que arde sem vontade de queimar,
Reflectindo na brétema árvores degoradas.
Terra de maldita fermosura, silêncio, aglaio,abraio,
Espanto, arrepio, terragio, pavor.
Nadam, entre regatos mansos, as cobiças humanas
Que ja nom se cumprirám jamais.
Toda a terra vos foi dada como presente
Para que dela tiredes quanto vos for mister.
Agora sinto que o mundo se desfijo,
Que as polpas dos meus dedos
Recendem a felicidade,
Cantigas em idiomas heroicos
Voam onda mim, levadas polo vento,
Sem anelar fugir.
Chuvisca mansamente no embigo verde
E estalam os vidros que rodeam a brita
De ourelas debuxadas num lenço gris.
Que prazer o nom querer ser,
Devagar ascendendo, acendendo os aneis
De lume que nom queima, que tam só
Os mancados ansíam soerguer,
Correr, voar, morrer, desesperar,
Somente pinga a pinga aborrecer
Tijolos com betom a esborralhar.














Folhas secas
Entre folhas velhas
Que nada dim.
Vós, polo menos despertades a alma
Ao falar de dias de sol tépido,
de terras longínquas,
De alheas palavras.
Pétalas amarelas, jamais murchas,
Convosco nom pode morrer o Estio,
Porque outras maos
Para mim vos deixarom,
Entre esquecidos rascunhos
Dum vazio louvor.














Agora que sopra a gúrria irada de Fevreiro,
Bufa desencadeada desde o horizonte boreal,
Sinto o ascenso irrefreável polas veas
Da vertige ceivadora de gargalhadas,
Libertadora de pulos e de arrepios.
Cambalea o meu cerebro ja sem siso
E desde o cavouco alicerçado de foscura
Enxergo estarrecido a marulhada verde
Ateada pola raiva dos deuses superiores.
A que mais duvidar ante a chamada cósmica?
Cumpre esquecer-se de si mesmo
E com orgulho lançar-se dentro.







 QUE A MIM?

Repartindo a sorte em Baptizados
A miude os seus olhos apagados
Se interrogam.
A multitude é insensível e tem pressa
Só um momento contemplam o cínico sorriso
Os grandes, verdes óculos,
E a maltreita cabicha.
Quando o sol nom nace e a lua nom brilha
O tempo é absoluto e todo o domina.
Pensando na sua desgraça,
Nom existem os demais,
Nom vale nada a vida.
Entre sombras de foscura
E tevras bem escuras
A sua candea orfa
Apoupinha amarguras.
Umha vez e outra vez ressoa a pergunta
Pero jamais, jamais; nunca, nunca;
Achará a resposta
Ao que tanto busca.










UM SONHO

Um sonho mais
Torno a criar
Nesta noite calorosa,
Nom quero acordar.
Favos de mel,
Grinaldas de odor,
Pel corada polo vento,
Brisa que sabe a mar.
Juntos ti e mais eu
Saberemos voar
Cara o poente silencioso;
Ti e mais eu
Sem ninguém mais.
Envolverei-me no teu cabelo primoroso
E regalarei-che:
Essência de anís,
Rosas aveludadas como carne
Lábios famentos que te ham esgaçar.
Serás o meu castelo,
Minha nave serás,
Navegaréi graças a ti
Infindos corpos
Sem ganas nunca de arribar.
Caminharéi pegado a ti
Sobre escarceus inexpugnáveis;
Jamais haverá palavras discordantes
Nem sedes que exaurir.
Fugirám das minhas noites
Os sonhos em busca de argumento
Ao encheres ti os poros esponjosos
Que milhares de gotas esquecidas
Nom puiderom saturar.








À BEIRA DO VIENNE

Terras dos povos pictevinos
Chairas de cansas primaveras
Onde ao trigo apouviga
A seiva da rega.
Casas brancas, encruzilhada
Da estrada nacional.
Coche lento, escura cor,
Olhos azuis, voo sonhador.
Estrada secundária
Que a ningures leva.
Deito-me à beira das papoulas
E perdido divago
Esquecido do mundo.
Atopéi este paraíso de terras condais,
De trovadores afoutos,
De rios vagarosos,
E sei-me rico.
Olhando o azul infinito de Julho
Alvisco a totalidade do meu ser.
Foi um intre que, sei-no certo,
Poderá nom volver.
Mas longe das carvalheiras
Choídas de sebe,
Náufrago numha ilha verde,
Sinto o gosto de doces framboesas,
De azedas cereijas,
De espigas amarelas
De sabores plenos
E quigesse que o verao
Florecesse eterno.























NO PORTO DE GITHIOM

Tamém tivemos nós
Um porto, umha enseada
O murmúrio das ondas,
Um cheiro a peixe-espada.
Alí chegou fugindo
Do tédio e do fastio
Quem aínda onte fora
Soberana de Esparta.
Que serena era a noite
Que donda a marulhada,
Que saborosos beijos
Na jeira da escapada!
Nom ousou o cansaço
Pousar entre os amantes
Nem tingir de negrura
Seus olhos anelantes.
A lua os enxergava
Bem alto pendurada
Banhando-os cum sorriso
De dona namorada.
Soou na madrugada
A buzina esperada,
A nave dos seus sonhos
Ao peirao arribara.
Escrivendo nas vagas
Esta canto de amor
Regalarom às algas
Um fermoso penhor;
Un nome para a história
Um facho de paixom
Um adeus emocionado
Ao porto de Githiom.








FRAGMENTO DE LENDA


Contam crónicas velhas escritas em pel de xato
Que houvo no norte umha corte famosa polo boato
O rei que a senhoreava de arminho se revestia
E umha pesada coroa na sua fronte reluzia.
Seus olhos esverdeados eram mais fondos có mar
Em afouteza e bravura o seu prol nom tinha par.
Cumha espada se cingia soada polo seu corte
Onde seu gume pousava somente ficava a morte.
Mil cavaleiros varudos gardavam a seu senhor
Todos ousados e fortes e mais feros ca leons.
Geada manhá de inverno saiu para fazer caçada
E metendo-se num souto engergou umha veada.
Falarom seus conselheiros de nom materem tal cerva
Pois o bosque era sagrado e a besta de Frida serva.
Mas os peitos soberanos sempre desouvem os rogos
Se pensam que os seus vassalos de seu rei son envejosos.
Era a beleza da cerva cousa que a todos pasmava;
A sua pel era unha lapa que de longe flamejava
E o seu olhar temeroso requentava nos monteiros
A desbotada tenrura daqueles férvidos peitos.
Taniscava a ingel cervinha nas pólas dumha aveleira(...)














Despois de remexer na velha ucha
Atopache um reflexo do paraíso,
moreas de gente espidas
aboiando num baile de luzes,
na catedral polifónica
incensada co recendente fume
de abadas de tamancos.
Nom assobordar os valados sem limiar,
nom esquecer sem voar
tam só bailar.
Fugires até umha lagoa em rolda,
emparelhar cumha meiga,
morrer de nojo.
Ouvir os sons antigos do cuco,
esvarar entre a lama como um baralhocas,
sentir o aguilhom dum escarapote,
disfraçar-se de area, habitar umha choupa,
escriver umha carta com tinta de choco,
bailar embora a dança do tamanquinho.














Sentado nesta triste biblioteca
no ilhado posto que,
coa tua presença no serao
dos venres adoitavas encher.
Penso em ti e no encontro de hoje,
deste martes frio e chuvioso
apesarado e enfadoso para todos
mas que aínda que fosse assoalhado
tamém seria negro para mim.
Pois nom me importa
que chova ou neve,
que vaia vento ou brilhe o sol
sem ti meus dias som sempre o mesmo
escura noite que nom tém fim.








OUTRA JEIRA NOJENTA


Vai-se Fevreiro e vai frio
as ruas vazias de gente
lagoas semelham de ovos quentes
pola coruja ciscados no ninho.
Remata ou começa, pois nom o sei
um ciclo novo de quatro anos velhos
mil quatrocentos oitenta e um merlos
em quatro gaiolas fechadas onte contei.
As nuves grises assejam-me
desde o ceu pequecho e
coa saraiva me ameaçam.
Fico suspenso e sonho
cumha noite de gélidas folepas
de tanques azuis
e areentos recifes.
Chama-me cedo,
ergue-se a lua por riba do mar
colhem sereas estrelas no ar e
abanam-me os anhos de la de cristal.








Amor, sentei-me hoje
onde ti o adoitas fazer,
onde te sentache quando
por vez primeira te vim.
O teu e o meu é um grande enigma
nom é o teu problema, ja o sei,
tam só me atinge a mim mas
foche ti quem primeiro
me mirache, e eu;
quando me decatei da beleza
dos teus olhos, quiçáis errei
pensando que se tam fixamente
cara a mim viraras e fitavas-me
com tanto comprazimento,
se quadra nom era curiosidade
ou um jeito de passar o tempo,
quigem pensar quiçá equivocadamente
que de mim gostavas e querias ter-me.









SOFRER

Agora sinto soprar com força
o morno vento do leste,
carregado de galgantes nuves
de choivas e de desejos.
Renques de mouros toeiros
arautos das trevoadas
sofro agora a açouta grave
xostregando-me na cara.
Enchem-se as veas de paixom,
cordoveas num voo além da terra
voltas e voltas zorregando;
onde o novo amanhecer
co solpor se esfarela.
Nom mais ver,
nom mais buscar;
qualquer lugar é bom para gozar;
inaturável beleza,
paixom nas tevras,
beijos e rinchos,
movementos olhados
num espelho ou num peto,
debaixo do grande arco de pedra.













Era numha noite parva de verao,
orvalhado de lua o mar se espelhava
vestindo a sua tona cor de beringela
que o ceu saudoso a el lhe emprestou.
Nada se escoitava agás o silêncio,
nada se movia na praia de Mos;
nom havia ninguém que ao fitar os lumes
enxergue roteiros aínda por cumprir.
Sentado nas rochas que fendem o ar
acompanho a xerfa no seu devalar
e sinto-me engorde cativo das vougas,
nostálgicas ondas que arelam fugir.









A TOMADA DE NINIVE


Caiu a cidade murada de tijolos,
a noiva do Tígris,
a senhora de povos.
Ja chegam de longe
os feros caldeos,
a fazerem presa e arrasa-lo todo.
Ouviram falar das suas riquezas
e urdirom razons para o vil saqueo.
Ameaças crueis, armas inéditas,
tribos assovalhadas, pactos funestos.
Temede paços ornados de alabastro,
ruas e pontes tremede,
chegou o dia da grande carrage
e nengúm jejúm vos ha prestar nada.
Tanto terá que dó debulhedes,
que deus invoquedes.
Nom haverá templo
onde vos abeirar.
Chorade e carpide pensando na cinza,
aterradora contra vós se encaminha;
é o seu guieiro a pavorosa cobiça
que cospe veneno de cobra fatal.
Buscade agarimo no fondo da terra
cavade coas maos um tovo inseguro,
nom fique nas casas da vila maldita
lembrança nengunha do vosso viver.
E pois só os cárceres
vos querem deixar,
guaridas de tolos soldados arreites
que gostam de ver-vos
espidos no chao,
correde ligeiros
fugide às montanhas,
pensade em vingança
da que vos saciar.










NUMHA CIDADE CHAMADA MERCADO

Noite de Reis,
noite bretemosa e fria
como nunca antes acordei.
Sopra um arinho do leste
que me fai mágoa no coraçom
que me dá azos para voar ardente
no espaço, no tempo.
De súpeto estou no verao
ja tam longínquo.
Furgoneta azul enchida de holandeses
cartaz num outeiro
e sem tempo de ampear
as ruinas deitadas em procura de mar.
Sopra um vento quentinho do leste
que me trai palavras mesuradas
pensamentos fondos, soidades mágicas.
Ceu azul, auga brava,
a cantiga dum pinheiro dondamente derramada,
barulho estrangeiro além da aramada
aquém da fronteira eu e mais o nada.
Todas as pedras para mim se talhárom,
quantos pes vos trepárom,
quantas donas esbeltas
nas puídas soleiras seus filhos acalentárom,
mosaicos heroicos perfilados com trabalho,
histórias de seqüestros, de deuses e de amados
de coitos doces e de suaves bailadas
os homes que os figérom ja hai tempo
que nadárom as gélidas lagoas do mundo subterráneo.
Toda a velha ruina para mim se desfijo,
a cidadela pétrea, a acrópole enedrada,
Zoa o vento do leste
que de longe viaja
randea-se um acipreste
e salaiam as cigarras.
Deambulo vagacento
matinando loucadas
numha lousa me sento
a fumar e mais nada.











LIBERDADE


Todos falam de liberdade,
e nom sabem
que nom existe em realidade.
que a terra é umha gaiola,
que os homes som pobres pioneiros,
prisioneiros, meus vizinhos,
choídos na sua varanda de metal,
a gralharem, toda a vida.
Farfalham, berram, bracejam,
som os símios deste circo,
entre barrotes de chumbo.
Deploraveis qual fargalhos
a falar de liberdade,
nom entendem
a louca e estranha carreira
na que sempre ganhadores
nos coroam de loureiro.












A PREZ DO BISPO SANTO

Mentres os membros cansados
repousava em brando leito
sentiu no escuro da noite
brotar umha voz do teito.
Era um mandado do deus
que entre os cumes sobrancea
e desde o freixo sagrado
os caudilhos alumea,
para que sábios guieiros
surjamos do nosso povo
e estragando os inimigos
cumpramos os vossos sonhos.
“Fero vento do poente,rouca açouta do solpor,
sendo neno ti arrolache meu sono co teu fragor.
Zoas dono desta terra despois que morre o verao
que nem rocha nem valado o teu valor quebrará,
o nosso sangue afervoras cada vez que nos xostregas
coa fusta dos teus refachos nas nossas consciências vougas,
obrigando a rexurdir do mais fondo das entranhas
a inesquecível bravura que atesoura a nossa raça.
Das ondas ti fas joguete, teu feudo das enramadas
os ánimos ti soergues das gentes amarguradas.
Escoita agora piedoso esta minha prez coitada
pois sem o teu valimento logo nom seremos nada.
Inchando os azos soberbos das vagas assovalhadas,
afunde essas feras nespras nas furnas mais agochadas.
Livra-nos por Deus cho pido de dobrada escravitude
esnaquizando estes brutos descidos em multitude;
nom soframos cativados as suas torvas olhadas
que um remoinho os engola no pego desta enseada.










MINAS NA RAIA

Para mim te talhou aquela
que foi a tua primeira vez.
Para mim te amassou com boca exquisita
sabendo o galano, quiçais nom,
que estava a gerar.
Meio-dia e sol ardente,
rua de vila arraiana,
alta espira, empoleirada, relógio e roxas paredes
na fortaleza do Hainaut.
Dia de festa na mina
e o caudal de esbrancuçados
vai ametendo sem pausa,
moços louros, penteados,
cheirando a po de carvom.
Mentres na praça se chufam
de raparigas e alcool,
nas sujas mesas de lata
das terraças dos “bistrots”,
vam pousando as suas roladas
de minchas, fritas, salchichas
e picheis de “blanche-citron”
Tamém quenta o sol estivo
o rechamante “plan d’eau”,
as torres de perforage,
as escórias dos “terrils”
e as montanhas de carvom.
Pola estrada costenta
dum vilarinho deserto
vai descendo um personage
que nom achou seu destino.
Vai por leite, aboiado,
a umha granja de arredor;
nom sospeitam seus poucos anos
“détournement de mineur”.
Beiçom seja dada
a aquel minuto festivo,
encontro nom procurado
que para mim te desvelou.
Ante um altar, arreitado,
o estranho se ageonlhou
moitos anos agardando
por um intre inesquecível,
um resgate inesperado
a um decreto malfadado,
feito de mágoa e suor.
Na sua cabeça arcana
com boca experta albiscou
lembrança de humanidade
exquisita e chea de prol;
tenro prado em que eu
noutras luas, esfameado,
alindei meu coraçom.
Segue ardendo o ceu de Julho
ja moitos anos despois
sobre os regatos e as sebes
na chaira arredor de Mons.
Num hospital de províncias
um velho vai-se finando
junto à filha e a fraca dona
entre os netos e o formol.
Pobres coitados beocianos,
ingénuos e sem razom
que coidam que aquel sorriso
que o meu anciao debuxou,
foi pro o sangue do seu sangue
e nom pra a recordaçom.






Amor, acendeche umha lapa tam intensa
cos teus olhos verdes e prazenteiros
que agora só ti serás quem de apagar
um lume que me abura co desejo
de sentir o teu corpo latejando baixo o meu.
Moito matinei porqué em mim te pousaras
coma rouxinol que escorrenta o laço
do longo inverno nos grises coraçons.
Agora sei que é primavera
e que nas solitárias noites de tevra
umha alma e um pensamento voam cara a mim.
Sei da tua timidez, eu nom gosto de espreitar,
mas quanto ansio escoitar o teu falar,
tontas palavras que me contam cousas vas.
Fugir da monótona realidade, comer, rolar
até os eidos que estám em algures,
até as terras de além mar.
Deixa que as rexoubas murchem,
deixa ao mundo que estoupe e torne a andar;
para nós sempre o ar será pegureiro
que as nossas senlheiras olhadas guiará.





CURSUS PLANUS

Eu nom som um bom lavrego
pois só gosto de admirar
os apeiros, as cortinhas
e os regos por semear.
Vou devagar caminhando
polos eidos de arredor
pescudando como um sábio
das terras o seu lentor.
Medra a lua no poente,
a geada rematou,
agromarám as polinhas
que o sol de onte quentou?
Agora que chega o tempo
de lavrar e sementar,
tenho medo das escolhas
nom sei bem o que botar;
tanto balde acogulado
de nabinha da melhor,
de patacas germoladas
nom o estragarei, Senhor?
Da-me siso e da-me azos
que nom se me varra a vista
perdo-me no dicionário
abraiado pola lista.









CANÇOM DE PARACAS

Somos mercenários dumha guerra qualquera
caminhamos sem rumbo por terras estrangeiras.
Fames e andaços tentarom esmagar
a nossa coiraça feita de lume e sal.
Somos guerrilheiros perdidos no deserto
vagando pola area do país encoberto.
Roubaremos colheitas, queimaremos aldeas
seremos justicieiros quando bem nos venha.
Serám o nosso couto os paços rechamantes,
as carnes de veludo, abeiro agarimante.
Derrubemos muralhas e fendamos valados
fagamos das ruinas o tovo cobiçado.









OUTONO

O lánguido outono impregnava-o todo,
de suave cadência,
bem-cheirosa essência,
enquanto o poeta de anos gastados
nos seus moitos versos,
vai vivendo o dia com branda harmonia
pensando que aquela que da árvore cai,
é algúm momento do seródio inverno
que nom viverá.










E logo veu a noite
escura de soidade
e caminhei entre sombras
e tornei a mirarte.
E caíam as folhas,
ía vento do norte,
e pairavam os lixos,
os que ninguém ceivara.
Havia brilhos de longe,
palavras cerceadas,
olhares que cofiavam
e pel aveludada.
E revirei-me no po
e ti tamém te virache
cruzei um pego profundo,
auga choca, auga brava,
palhas, cinzas, lagoas,
cheiro podre de lama.
E logo estalou a area
enquanto as folhas pousavam
e avançavam as formigas
e esbagulhava a fontana.
Que aginha calam as tevras
quando soa aquela marcha!


 

 

 





Umha lua de veas cheas de vinho
mira ausente na lámia do mar.
Foi cavalo nos guechos do vento,
foi um colo onde monear,
será um ceu lixado com bágoas
e águia ousada pairando no ar.
Nom me digas que nada recordas
daquel rio escoando ao luar,
do castelo de area e de cunchas
esvaído no sonho piolhento,
dumha praia sem rochas nem mar.








APONTAMENTOS AMARELOS

Onde vam as amadas dos troveiros?
Que se fijo das fermosas soldadeiras?
E os castelos debruçados sobre o Minho,
e as cantigas tantas vezes entoadas por Mendinho?
Onde estám os poetas provençais,
e os laúdes e saltérios melodiosos
que tangia sotelando aquel segrel?
Os esposos loitando na guerra
e as suas donas lavrando na leira,
os bispos chuchando os campesinhos
e as damas no castelo morrendo de frio.
Folepava brandamente sobre a erva
que a língua do rio de cote lambia,
junto à lareira umha raínha tristonha
cismava no jogral que antano a gabara.
Onde som as suas cobras de amor cheas?
Tristes tempos de paixom dormida
moitos moços suspiram sem sabe-lo
polo amor cantado ao velho estilo
polo amor cortês dos nossos devanceiros.







RETRATO


Loura cabeça como um trigal,
olhos castanhos, vivos, irados,
a silueta elegante
se recorta inquietante
por entre as ruas pétreas
da cidade natal.
Pálida carne, mármore grego,
é a sua beleza umha tormenta
de pelo lasso e luz sutil.
Eu nom existo, nom acredito,
mas um imám poderoso,
fio morboso, guia seus passos
sempre onda mim.
Fala com voz
murcha, apagada,
suaves palavras,
licor de anís.
E quando ouveo
na fonda noite,
vejo o seu rostro,
image ardente
dum corpo morno,
torpe e febril.








Mergulha-se a risonha natureza
num solene, morno banho de solpor,
e entrementres desce lenta do ceu
a carícia do orvalho do serao.
Um dia mais vai-se escoando
polas fírgoas longínquas do roivém.
Aínda estou nos anos moços,
ja a meditar no decurso do tempo
sempre tam dorido des que fugirom os dezaseis.
Agora é primavera, logo virá gélido inverno,
o ciclo eterno e anovador.
Será a natureza umha noiva perpétua
decote acompanhada da soturna donzelez.
Mas a nós, enlouquecidos, nada nos prestam
as melancolias assoviadas em verso
ou os azedumes, geraçom após geraçom,
trousados sobre alvorecido papel.
Somos elos enferrujados dumha cadea vital,
quando un anel se tornar po
e na infinitude do número incalculável afondar,
outro mais rufo e imaculado
volverá os olhos ao cabestrante e acougará.
Nacemos coa pel amarfalhada no coraçom
e nengúm prazer é quem de tirar-nos as enrugas
pois a enveja que é mortal inimiga da beleza
devagar vai inçando os baluartes que nos fortificam
e aleivemente a malquerença que em nós acorda
a verde floresta, lanha sem piedade a fina tersura
nom bem olhamos por primeiríssima vez o sol.









Deuses, gostaria tanto de ser um cristal puro
e fixado numha rocha nunca acordar.
Viveria umha história de quarzos ardentes
nas tórridas areas do deserto,
onde outros graos, ja hai mil anos,
sentirom derreter o seu geo
no sol aburante dumha paixom meridional.
Tamém trinar no parque outoniço,
adejando entre as árvores de Kew,
ou sentir que a minha códia nom esmorece
sempre húmida de orvalho matinal.
Sonhos que habitárom os desejos,
os deveços nunca achados,
jamais plenos;
vagas monótonas na beiramar oriental
ao pe de ruinas pontuadas de aciprestes,
espelhando no seu lombo toda a ourivesaria
que enfeita a resseca cidade sepulcral.













Umha chuviosa tarde de março
umha escura posta de sol.
Sinto que me cai o mundo enriba
pero nom me causa dor.
Polos cadilhos do meu coraçom
vou emprender umha viage,
um encontro comigo mesmo
entrevista co meu sopor.
Um a um e pouco a pouco,
lentamente, do negro labirinto
vou sacando os abrolhos
que tanto dano me fam,
e descubro com horror
e prazer ao mesmo tempo,
que tam só chapodei ramas
as raízes seguem dentro.








PASSEO NA CHOIVA

Outubro, ceivarom-se as fúrias e os desejos,
ceivarom-se de míticos antros os ventos.
Chiam as fiestras a tola balada
que lhes fala ao homes
de paixóns desatadas na reja floresta.
Gris, auga, vento; o dia escuro,
as nuves tecem simulacros de vida
espalhando os conjuros do Além.
Quigera ser um corvo voando bem alto
até os paços intangíveis que nom ousamos fitar.
Carrage e malquerença do ar fas-me sonhar
coa liberdade do amor, águia e egoa
que nengunha cadea poderá amarrar.
Sinto umha vertige que arrecende
a arume e as telhas misturam-se
coa brétema acesa do carvalhal.
As gotas de auga nom me molham
quiçais nom me querem molhar.
Fogem de mim os vivos
a debulhar lembranças que me alheam,
pois vou na procura dum graal poliédrico
de lóstregos zoantes, de sujas mortalhas,
de images dançando perpétua joldada.








DIÁRIO


Degorando que a noite os cobrisse,
que a tevra alumeasse as suas entranhas,
umha pinga de sangue adulterada
esvarou por seus lábios esfolados;
pois o hálito quimérico da dúvida
é um limo coberto de folgança,
voltarei a consciência amortujada
contra as doces palavras olvidadas.
Nom nacerá o sol da umbria náusea
aínda que vibrem anelantes teus desejos
porque a hedra refolgante for estrela
ou a lua de ametista umha milgranda.











Fonte do mosteiro lançal
que deitas auga
mais que milenária;
fresco presente de Deus
para frades cobiçosos de dita,
deixa-me fartar do teu sorriso
mentres beijo o ronsel
de nídias bágoas e macios lixos.












Compostela está fosforizada,
brilha mais agora que em tempos do emperador,
erigida com tijolos esmaltados
e com mármores de importaçom,
construçom.
A maqueta resplandece qual diamante,
as palmeiras abaneam-se por fotons,
todo grava coa sua cámara um turista
mentres papa um bocata de roxons,
eleiçons.
Casas levantadas sobre grude
árvores de cera e algodom
e as ruas tam escuras, tam estreitas
como mangas dum pequeno mandilom,
construçom.
Som de ouro e mais de prata as aliages
que recobrem, escondendo, as aleijons,
os palácios som de jaspe e malaquita,
eleiçons.
Templos de marfím, granito e gesso,
torres argilosas de cartom,
velha image dum froito mal clonado,
construçom.
Música de lérias estrangeiras
enche de fastio os coraçons,
deixem-me que atope algúm buraco,
eleiçons.

 



 

 

 


 


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