Escritos sobre teatro

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TEATRO DE CASTELAO
          Estrutura
     Castelao nom foi um escritor prolífico. Deixemos a um lado, para este cômputo, a sua literatura política, mesmo a sua literatura oral -pois, em contradiçom com as raízes das palavras, falamos desde hai tempo de umha tal literatura. Se excluímos os artigos e os discursos de propaganda ideológica de Castelao, os ensaios políticos -Sempre em Galiza-, o epistolário, nom é volumoso o que resta, que é a obra literária propriamente dita, a obra de criaçom. Se o Castelao deputado a Cortes ou ministro tivo que botar muitos discursos, redigir um certo número de artigos e escrever cartas avondo, foi um imperativo funcional. Mas o rianjeiro era de por si um artista mesurado e cauteloso, pouco ou nada improvisador, que procurava na sua obra a perfeiçom formal com grande teima, e nestas condiçons, e devendo ademais atender à sua obra gráfica, nom tinha muito tempo para acrecentar o número dos seus textos literários. Estes, pois, reduzem-se substancialmente a Cousas, prosas breves; umha novela, Os dous de sempre; um livro de contos, Retrincos; e umha obra de teatro, Os velhos nom devem de namorar-se. Esta peça consta de três lances, que som três farsas autónomas, ainda que coordenadas entre si pola temática e por certos elementos técnicos, assi como por um epílogo que reúne os protagonistas dos lances. Nos lances mesmos, nengum dos protagonistas sabe nada dos seus homólogos; de jeito que o epílogo parece invençom serôdia, nom presente na mente do autor mentres os lances fôrom compostos, ou, polo menos, concebidos. Assi que a contribuiçom de Castelao ao teatro é verdadeiramente reduzida, pois na forma em que chegou a nós, limita-se a um só texto.
     O título do mesmo hai que interpretá-lo como umha exortaçom aos velhos para que nom se namorem. Nom rege em Castelao, como nom rege no galego vivo, nem no histórico, a distinçom entre a construçom dever mais infinitivo e a construçom dever de mais infinitivo. De jeito que, ainda que seja recomendável escrever segundo essa distinçom, reservando a primeira dessas construçons para expressar obrigatoriedade, e a segunda para expressar probabilidade, em Castelao nom se observa tal norma, e Os velhos nom devem de namorar-se expressa proibiçom e nom suposiçom, como se dixese Os velhos nom devem namorar-se.
     Confirma esta interpretaçom o contido mesmo da peça, na cal os velhos som condenados à morte por namorar-se. E por se a moralidade nom era suficientemente óbvia, o autor explicita-no-la num epílogo, onde um deles di: "Morrim por namorar-me de velho", e outro confirma: "Por namorar-nos de velhos!". Mas o carácter didáctico da peça já fora sublinhado nas primeiras palavras do prólogo: "Aginha ides ver umha farsa em três lances, na que se demostra que os velhos nom devem de namorar-se". E mais adiante: "Este (...) drama (...) é (...) um aviso de três estalos que lhe damos aos velhos namoradeiros (...) os amores serôdios andam sempre aparelhados coa morte. Os velhos (...) morrem cos amores novos". Nestas circunstâncias, a afirmaçom, tamém contida no prólogo, de que a peça nom é de tese: "nom pensedes que a minha obra é de tésis, nom", resulta incongruente. A farsa é um provérbio, ou seja, um texto cénico em que se trata de pôr de manifesto um dito, de provar dramaticamente um aforismo, umha sentença, como em Musset Il ne faut jurer de rien, ou On ne badine pas avec l'amour.
     Como temos de interpretar, pois, a afirmaçom de Castelao segundo a cal nom se deve pensar que a sua obra seja de tese? Já dixemos que nos parece incongruente com o texto mesmo e com outras explícitas formulaçons do prólogo. Temos que admitir que o que quijo negar Castelao foi que a sua obra fosse um drama de tese ao jeito, digamos, de Ibsen; quer dizer, umha obra realista, ou naturalista, na cal se demostrasse umha tese mediante a reproduçom directa da realidade social. Fixemo-nos em que Castelao, imediatamente daquela afirmaçom negativa, "Nom é de tésis, nom", explica: "Trata-se apenas de umha síntesis artística, ou mais bem, artimanha escenográfica, onde jogam o amor e a morte de três velhos imprudentes". Opunha, pois, "obra de tese" a "artimanha cenográfica". Mas o primeiro conceito pertence a finalidade da obra, e o segundo ao método artístico. Nom estamos em presença de entidades homólogas. E como a oposiçom supom homogeneidade, deveremos concluir que Castelao nom expressou com correcçom formal o seu pensamento. Ao nosso entender, o campo em que Castelao quixo estabelecer a oposiçom, foi o campo da forma artística. Entom "obra de tese" está empregado como um tropo, umha sinédoque, por "texto realista (como sói ser o drama de tese ibseniano, ou benaventiano)", que se opom a "texto expressionista" (que isto quer dizer no fim de contas "sintese artística" ou "artimanha cenográfica" ao mesmo tempo que sincretismo de várias artes). É, pois, a peça de Castelao, umha obra didáctica, que demostra, que avisa; ou seja, e contra o que o autor di, "umha obra de tese"; mas nom formalizada de acordo com a séria, com a grave técnica naturalista das obras de tese que constituem o modelo do género no teatro escandinavo ou francês ou espanhol moderno, senom com umha técnica estilizada, a técnica da farsa. Farsa em que o literário só é um elemento da complexa, da sintética composiçom, em que entram o canto, a música instrumental, a dança, a luminotécnia: síntesis artística. Apenas síntesis artística. E este apenas sublinha, face às pretensons formais de umha obra de tese convencional, o carácter livre, popular, esquemático, estilizado, elementar, guinholesco, rápido, expressionista da sua peça, que só pretende esboçar, sem solenidade, sem gravidade, sem fidelidade realista ao assunto, sem empaque catedrático nem pedantaria pedagógica, o ridículo drama, a tragédia grotesca dos amores serôdios.
     Este drama é contado "à maneira galega". Que quer dizer isto? Singelamente, que o ambiente da peça é galego. Que som galegas as personages, que é galega a localizaçom, que é galega a linguage. Nom quer dizer que se siga no relato um método patenteado como galego. Se calhar pensou Castelao que é galego o muito humor e o pouco lirismo que hai na obra. E nisto tinha razom. Mas isto já vem dado na eleiçom de ambiente galego, na eleiçom de personages galegas. É redundan-te. Trata-se de um apólogo de validez universal realizado numha localizaçom galega, contado para galegos (especialmente), e portanto elaborado, plasmado sobre supostos galegos.
     O velho que se namora de umha moça, e pretende obter os favores da mesma, move a riso, porque as suas pretensons violam umha lei da natureza, ao querer ajuntar a velhice com a mocidade, ao contrariar a normal inclinaçom das moças cara os moços. O velho altera assi a ordem natural, e a restauraçom desta ordem entranha a condena à morte do velho. Todo isto está explícito na obra de Castelao.
     Mas nela, implícita, lateja a antítese dessa tese. É natural que o velho se namore da moça. A moça é a vida, e tem um irresistível engado para o que se sente morrer. A moça é o calor vital, de que o velho está necessitado, como David está necessitado de Abisag. A moça é a fonte da mocidade, que o velho procura numha utópica Florida, como Ponce de León. A moça é o cravo ardendo a que o velho se aferra para resistir a sua velhice, para conjurar a morte. Entom, esse assunto é trágico.
     Logo, a conduta do velho namorado é antinatural e natural, cómica e trágica, move a riso e a pranto. Exteriormente, a peça é umha farsa cómica; interiormente, umha farsa trágica. Umha síntese, umha tragicomédia.
     A realizaçom cénica deste assunto verifica-se em três lances. A expressom é mais ajeitada que a de actos, pois em realidade trata-se de três farsas perfeitamente autosuficientes, mas nas que o assunto é o mesmo: um velho namora-se, e morre em conseqüência. Tamém se chamavam lances as partes em que se dividia A fiestra valdeira, de Rafael Dieste; no entanto, neste outro caso do rianjeiro mais novo, esses três lances som verdadeiros actos. Lance dramático denominava-se tamém o melodrama num acto de Mourença, de Armando Cotarelo. Atendendo às datas das primeiras ediçons, A fiestra valdeira é de 1927, Mourença de 1931, Os velhos nom devem de namorar-se de 1953.
     Se designamos os lances polos nomes dos actantes sujeito e objecto de cada um deles, as personages que representam respectivamente o Velho e a Moça, teremos o seguinte quadro.
          Lances                Velho                               Moça
          I                          Dom Satúrio                     Lela
          II                         Dom Ramom                    Micaela
          III                        Senhor Fuco                    Pimpinela
     Os lances dividem-se em "esceas", quer dizer, cenas ou escenas. O primeiro comprende sete, o segundo catro e o terceiro seis. Se nos perguntamos que entende Castelao por "escea", descobriremos que o seu critério é oscilante. Ordinariamente, as peças divididas em cenas tenhem em conta para formalizar a divisom, o movimento das personages: de jeito que comeca umha nova cena cando algumha personage entra no palco ou sai do mesmo. Mas hai outra concepçom da cena, segundo a cal é o cámbio de decorado, ou a queda do pano, o determinante. Hoje lemos as comédias de Calderón divididas em cenas consoante o primeiro critério, e as de Shakespeare consoante o segundo. Neste último caso, cena vem ser o mesmo que quadro. No lance I de Os velhos nom devem de namorar-se, as catro primeiras "esceas" constituem um só quadro, mas as 5ª, 6ª e 7ª constituem quadros independentes. No lance II, cada quadro é umha "escea". No III, as três primeiras "esceas" agrupam-se no mesmo quadro, e as restantes constituem quadros independentes. O epílogo está formado por umha cena única, que em realidade é um quadro tamém. Castelao intitula "esceas" todas as divisons dos lances, haja cámbio de personages ou haja cámbio de decoraçom. Mas quando ocorre isto último, fala de cámbio de quadro.
                         "Baixa o pano para cambiar o quadro."
                         "Cai o pano para mudar o quadro."
                         "Cai o pano para mudar o quadro."
                         "Cai o pano para mudar o quadro."
                         "Cai o pano para mudar o quadro."
                         "O pano cai a modo, para mudar o quadro."
                         "Cai o pano para mudar o quadro."
                         "Baixa o pano para mudar o quadro."
                         "Baixa o pano para mudar o quadro."
     O quadro, pois, é a decoraçom. Nom hai quadros como umha divisom pertinente, que poderia comprender várias cenas, segundo pode suceder habitualmente. Hai, simplesmente, cenas com cámbio de personages e com cámbio de decoraçom. Assi que a divisom é heterogénea, porque hai cenas ou sucessons de cenas que se desenvolvem sem cámbio de decoraçom, e hai quadros que comprendem várias esceas, ainda que neste caso os quadros continuam chamando-se esceas, e o movimento das personages é indicado nas acotaçons, mas sem que se faga divisom formal e numerada das cenas por esta causa; de jeito que se trata de umha escea formal (quadro) dividida em cenas reais que nom repercutem numha divisom formal. Assi que hai umha incongruência terminológica evidente, que supom umha estrutura formal distinta da estrutura real, porque Castelao chama esceas umhas vezes às cenas delimitadas polo movimento de personages, e outras vezes às partes com unidade de lugar (quadros).
     Procuremos umha sinopse.
                                                  LANCE I
               (Quadros)                     "Esceas"                     (Cenas)
                    I                          1ª, 2ª, 3ª, 4ª                          4
                    II                               5ª                                   3
                    III                              6ª                                  1
                    IV                              7ª                                  1
     Realmente, o primeiro lance está dividido em quatro quadros. Chamando "esceas" às divisons assi denominadas e postas por Castelao, e ceas às seqüências com continuidade de personages, resultaria que o primeiro quadro comprende quatro cenas ("esceas" 1ª, 2ª, 3ª, e 4ª); o segundo, três cenas; e o terceiro e o quarto, umha cena cada um. A divisom em cenas temo-la feito atendendo às anotaçons que registam o movimento das personages, e aceitando os convencionalismos usuais a respeito deste movimento, como por exemplo a unidade cénica cando hai um breve intervalo na apresentaçom no palco de duas personages que figuram no rubro da cena. De jeito que a divisom do lance polo autor em sete "esceas" nom responde à estrutura real, que comprende nove cenas distribuídas em quatro quadros.
                                                  LANCE II
               (Quadros)                     "Esceas"                (Cenas)
                    I                                    1ª                          3
                    II                                   2ª                          2
                    III                                  3ª                          3
                    IV                                  4ª                          2

     Neste lance, Castelao chamou "esceas" aos quadros, afastando-se do critério que o levou a fazer quatro "esceas" do primeiro quadro do primeiro lance, e seguindo a pauta que seguiu no resto desse primeiro lance. Este segundo é, pois, na realidade, um lance dividido em quatro quadros ("esceas") nos cais nom se regista formalmente a divisom em cenas, que se dá em todos os quadros. Castelao aplica aquí pura e simplesmente a divisom "shakespeariana", mentres que no primeiro começou com a "calderoniana" para passar-se à "shakespeariana" logo. As quatro "esceas" de Castelao som na realidade dez cenas distribuídas em quatro quadros.
                                                  LANCE III
               (Quadros)                     "Esceas"                (Cenas)
                    I                               1ª, 2ª, 3ª                     3
                    II                                   4ª                          1
                    III                                  5ª                          3
                    IV                                  6ª                          1
     Castelao, como no lance I, começa aplicando a divisom "calderoniana" para passar-se logo à "shakespeariana". Nos dous lances segue o primeiro modelo até o primeiro cámbio de quadro, e logo o segundo modelo. As seis "esceas" de Castelao som realmente oito cenas divididas em quatro quadros.
     O Epílogo pode ser considerado como constituído por um só quadro que comprende umha única cena.
                                                  EPÍLOGO
                    (Quadros)                  "Esceas"                     (Cenas)
                         1                               1                               1
     Vemos que a divisom dos lances em quadros e cenas é a seguinte.
                    Lances                     Quadros                     Cenas
                         I                               4                               9
                         II                              4                               10
                         III                             4                                8
     O número de quadros é, pois, o mesmo em todos os lances, e o número de cenas varia mui pouco, já que só admite sobre a média, nove, umha de mais ou umha de menos. Em total, nos lances hai vinte e sete cenas, o que dá umha média aritmética de nove, como fica indicado.
     Visto isto, vejamos cal é a estrutura real da obra, como deveria aparecer dividida em conseqüência, especificando mediante rúbricas a definiçom dos quadros e as cenas. Quer dizer, anotando os lugares em que se desenrola a acçom e as personages que intervenhem na mesma.
                                                  LANCE I
               Quadro primeiro: A botica de Dom Satúrio.
                         Cena 1ª: Lela e o Boticário.
                         Cena 2ª: O Boticário, e, depois, mais Boticários.
                         Cena 3ª: A Morte e o Boticário.
                         Cena 4ª: O Boticário e as suas Catro Irmás.
               Quadro segundo: No campo.
                         Cena 1ª: Lela, o Carabineiro e as Dez Mulheres.
                         Cena 2ª: As Dez Mulheres.
                         Cena 3ª: As Dez Muiheres e a Morte.
               Quadro terceiro: Interior da casa do Boticário.
                         Cena única: O Boticário e a Morte.
               Quadro quarto: Exterior da casa do Boticário.
                         Cena única: As Catro Irmás.
                                                  LANCE II
               Quadro primeiro: Casa do Fidalgo.
                         Cena lª: Dom Ramom e os seus Pais.
                         Cena 2ª: O Rapaz e Dom Ramom.
                         Cena 3ª: Dom Ramom e os seus Pais.
               Quadro segundo: No campo.
                         Cena lª: O Demo, a Porca e as Dez Mulheres.
                         Cena 2ª: Os mesmos e Dom Ramom.
               Quadro terceiro: Casa de Micaela.
                         Cena 1ª: Micaela e o Português.
                         Cena 2ª: Micaela e Dom Ramom.
                         Cena 3ª: Micaela e o Português.
               Quadro quarto: Exterior.
                         Cena 1ª: Dom Ramom e Dous Espantaihos.
                         Cena 2ª: Dom Ramom, o Sapo e os Espantalhos.
                         Cena 3ª: Dom Ramom, morto, e os Espantalhos.
                                                  LANCE III
               Quadro primeiro: Casa de Pimpinela.
                         Cena lª: Pimpinela e os seus Pais.
                         Cena 2ª: Pimpinela e o Moço.
                         Cena 3ª: Pimpinela e o Velho.
               Quadro segundo: No campo.
                         Cena única: O Velho e as Dez Mulheres.
               Quadro terceiro: Dormitório.
                         Cena 1ª: O Velho e o Moço.
                         Cena 2ª: Os mesmos e a Morte.
                         Cena 3ª: O Velho, morto, e Pimpinela.
               Quadro quarto: Interior.
                         Cena única: Pimpinela e o Coro.
                                                  EPÍLOGO
               Quadro único: Cemitério.
                         Cena única: Dom Ramom, o Boticário e o Senhor Fuco.
     Umha ediçom "racionalizada" da obra, polo que se refere à sua divisom em partes funcionais, teria de basear-se no esquema que acabo de formular.
     Polo que se refere aos elementos pessoais que intervenhem na acçom, remeto-me a anteriores trabalhos28. O elenco, em resumo, é o seguinte:
     Caracteres           Lance I                     Lance II                Lance III
     1. Velho               Satúrio                     Ramom                 Fuco
     2. Moça               Lela                          Micaela                Pimpinela
     3. Moço               Carabineiro                Português           Moço
     4. Morte               Mendicante                Sapo                   Morte
     5, Povo                Mulheres                     Mulheres            Mulheres
     6. Parentes          Irmás                          Pais                   Pais
     7. Coro            Coro de Boticários      Coro do Baile    Coro do pano
     8. Mensageiro                                         Rapaz
     9. Censores                                         Máscaras
     10. Bailadores                                       Espantalhos
     11. Servidora                                        Mari Pepa
     Como vemos, hai sete caracteres fixos, ou que se dam em todos os lances, e catro eventuais, que nom aparecem em todos eles. O lance II acumula os onze caracteres, mentres que o I e o III registam só os sete constantes.
     As relaçons fundamentais entre as personages, tal como aparecem no funcionamento da acçom, som:
               1. O amor do Velho pola Moça
               2. A ligaçom entre a Moça e o Moço
               3. A penalizaçom do Velho pola Morte.
     Em princípio, Castelao poderia desenvolver o seu relato sem usar da segunda relaçom. Nos três lances hai um rival do protagonista, mas o essencial é que o Velho ama e morre. Que tenha um antagonista nas suas pretensons, nom é indispensável para o assunto do drama. Mas Castelao fai do antagonista -que nunca se enfrenta directamente com o protagonista- um carácter constante. A relaçom 2 sublinha a relaçom 1. A Moça poderia nom ter pretendente algum distinto do Velho. Com que rejeitasse a este, era avondo, sem necessidade de preferir a ninguém. Mesmo no caso de Pimpinela, a preferência é só interior, pois de feito acede a casar com o Velho. É irrelevante a estes efeitos que no Epílogo apareça contraindo com o Moço segundas núpcias, como que Micaela afirme falsamente que era amante do Fidalgo. As Moças nom podem dar ao Velho a felicidade, porque a mocidade nom ama a velhice. O Epílogo, calquer que poda ser a sua força satírica, introduz um elemento de moralidade normativa supérfluo depois da sançom "biológica" que constitui o desenlace dos lances.
     A trama dispom-se segundo as seguintes seqüências essenciais:
               1. O Velho solicita a Moça
               2. Censura dos amores dos Velhos
               3. Duo de Moça e Moço
               4. O Velho e a Gente
               5. Anúncio da catástrofe
               6. Catástrofe
               7. Epílogo.
     Estes som os sintagmas essenciais da obra, ou as cenas naturais e teóricas, mas em nengum dos lances se realizam por esta ordem, nem sempre correspondem exactamente a outras tantas "esceas" (nem cenas) da peça. A distribuiçom formal das cenas nom se corresponde necessariamente com a sintaxe da estrutura profunda do relato. A subordinaçom e o hipérbato, a elipse e a redundância alteram no texto o esquema.

          Estilo
     Como conta Castelao esta história? Que estilo emprega no desenrolo das "esceas"?
     Em primeiro lugar, as personages e as situaçons estám tratadas de jeito caricaturesco. Hai umha estilizaçom "esperpêntica" que dá carácter de farsa ao drama. Mas esta atitude do autor perante a sua matéria tem os seus limites. Nom observamos a crueldade valleinclanesca na caricatura castelaína. Mália ao Epílogo, realmente perturbador, nom vemos desprezo do autor polas suas criaturas. Desde logo, hai algumhas que nom estám em absoluto caricaturizadas. Tal me parece ocorrer sobretodo no lance III, onde nem o Velho, nem a Moça, nem o Moço estám desenhados como monicreques. A mesma Nai nom é umha figura ridícula. Mas até os pícaros, os senvergonhas, som tratados sem sanha, quase com compaixom, ao menos com comprensom. A desumanizaçom que em Valle-Inclán converte em miseráveis bonifrates as mais das personages dos seus esperpentos, nom se consuma em Castelao. No rianjeiro avondam as debilidades humanas postas em evidência sem nengumha atenuaçom convencional, mas tamém sem tartufesca indignaçom nem nieztscheana superioridade desprezativa.
     Ora, a atitude humorística nom exclui em Castelao a consciência da tragédia do Velho Namorado. O pudor contém a entrega sentimental à comiseraçom, mas a mesma crueza com que se apresenta a desgraça dos Velhos, dá testemunho da sua magnitude no ánimo do dramaturgo. O humor negro, o humor macabro trata de dissimular por decoro a solidariedade, a consideraçom, a condolência que inspira a situaçom, tam natural e tam fatal, que aflige ao Velho, ao home que se aferra à Vida sem saber renunciar a ela.
     Deste jeito, umha forma cómica trata um assunto no fundo trágico, porque o amor do Velho pola Moça é um aferrar-se à Vida, é umha luita contra o destino, contra o fado, e esta rebeldia contra o fatal, esta desesperada resistência perante a Morte, é um assunto essencialmente trágico. Assi, podemos considerar que a obra de Castelao é umha tragicomédia.
     O discurso dramático resolve-se mediante dous estilos de cenas, que podemos calificar de realistas ou expressionistas. Estas últimas tenhem às vezes um sentido simbólico notório, mas noutras ocasions nom se lhes vê mais que intençom estilizante, sem aparente funçom simbólica. Nas cenas realistas, o autor conta "à maneira galega", empregando movimentos e palavras, manifestando sentimentos e condutas consoantes o ambiente e as personages que se utilizam. O protagonista é no primeiro lance um burguês, no segundo um fidalgo, no terceiro um paisano. O ambiente, no lance primeiro é urbano, no segundo pacego, no terceiro campesino. Lela é umha artesana filha de família, pois vai à botica em procura de medicamentos para o seu pai; Micaela parece umha solteira da aldeia próxima ao paço de Dom Ramom, que vive só, pois recebe na sua casa sem problemas tanto o português como o fidalgo: no entanto, fala do seu creto, de jeito que nom é umha mulher que trafique descaradamente com o seu corpo; Pimpinela vive com os seus pais num pobre casoupo rural. Nas cenas realistas, estas gentes, e as que com elas aparecem nos lances, falam e conduzem-se como corresponde à sua condiçom. Mas hai outras cenas em que o autor nom procura ganhar-se a aprovaçom do espectador polo verismo da sua arte, senom pola força da sua estilizaçom do suceder dramático. Som as cenas expressionistas.
     Se chamamos R ao estilo realista e E ao expressionista, colocando entre parénteses um S acarom do E quando a cena expressionista contenha um claro elemento simbólico, teremos a seguinte distribuiçom de "esceas", respeitando a divisom das mesmas feitas por Castelao:
               Lance I                Lance II                Lance III
                    1ª.R                     1ª. E                     1ª.R
                    2ª.E                     2ª. R                     2ª.R
                    3ª.E (S)                3ª.R                      3ª.E
                    4ª.E                     4ª.E (S)                 4ª.R
                    5ª.R                                                 5ª.E
                    6ª.E (S)                                            6ª.E
                    7ª.E
     Assi que das dezassete "esceas", dez som expressionistas e sete realistas; quer dizer, o expressionismo domina em dez, e o realismo em sete. Porque, por exemplo, a organizaçom do diálogo e do movimento na "escea" primeira do terceiro lance, é expressionista na sua simetria, ainda que a substância ideológica da "escea" cai dentro do estilo realista; e o expressionismo evidente do granguinholesco final do lance primeiro, a "escea" 7ª, reveste na locuçom a forma realista de um pranto. Neste sentido, a tendência é a combinar em toda a obra, em distintas doses, realismo e expressionismo. Por outra banda, o elemento simbolista tende a manifestar-se sob a forma expressionista, merecendo sublinhar-se polo menos três vezes.
     Podemos considerar que na parte realista Castelao continua a tradiçom do sainete costumista da inspiraçom popular decimonónica, e na parte expressionista se achega à peça estilizada de tom artístico esquemático do "teatro de vanguarda". O primeiro arranca da observaçom directa polo autor dos costumes do seu país. O segundo tem que ver com o "teatro de cámara", o teatro experimental, como o ensaiou Yeats na Abadia, ou Balieff no "Teatro do Morcego".

          Língua
     A língua de Castelao supom um dos compromissos mais equilibrados entre os modernos escritores galegos polo que se refere aos dous polos de atracçom que actuam sobre a língua literária. Estes dous polos som a realidade da fala dialectal e a necessidade de limpar o galego de aderências castelhanas. No léxico e na sintaxe, achamos em Os velhos nom devem de namorar-se muita louçania verbal, muita vida espontânea, muita autenticidade coloquial. Mas Castelao quer evitar deturpaçons castelhanizantes, tam numerosas numha língua silvestre, nom normalizada, e às vezes incorre a este respeito em excessos de celo, ou seja, em hiperenxebrismos, mentres que noutras ocasions admite castelhanismos que se podiam subsanar, segundo o nosso critério.
     Assinalaremos exemplos de um e outro caso, consoante a nossa ediçom de 1979.
               Hiperenxebrismos                Castelhanismos
                escea                                    tésis
               experência                              síntesis
               concência                               o noso linguage
               comenência                            porque ajudam-lhe
               abandoache                            silha
               cência                                     boeno
               nasceu                                    pinheirales
               pacência                                 pelejo
               estranas                                  enganhaba
               esceário                                  romerias
               brila                                        bachilher
               ambente                                  angelinhos
                                                              principales
                                                              cabezales
     Entre os hiperenxebrismos, alguns, como se vê (experência, concência, comenência, cência, pacência), som, paradoxalmente, formas vulgares. Na língua literária resultam formas demasiado evolucionadas, ainda que tenham a sua justificaçom dialectal. Se se quer, afastam-se dos hiperenxebrismos; mas, funcionalmente, em Castelao respondem à mesma intençom de sublinhar o enxebre face o castelhano que os pseudogaleguismos (estranas, esceario, brila, ambente), que som hipercorrecçons. Tamém som hipercorrecçons, mas nom propriamente hiperenxebrismos, azas, e anceios, onde se corrigiu um inexistente dialectalismo de sesseio.
          Fontes
     Os velhos nom devem de namorar-se nom é so umha farsa, umha peça de literatura teatral. Contém um texto, e a este nos vimos referindo. Mas a obra é umha síntese artística, umha artimanha cenográfica. Segundo o seu autor, é umha obra imaginada por um pintor e nom por um literato. Castelao desenhou os figurins das suas personages e as maquetas de algumhas cenas, e deu minuciosas instruçons para a montage. O espectáculo conjuga literatura, cenografia, luminotécnia, canto, música instrumental, dança, tramóia. É essencial o colorido. Nos três lances hai umha "escea verde". Os retratos parlantes, os telons animados, as luzes móveis, os panos que cobrem Pimpinela, o sapo, os espantalhos, as posturas simétricas, os movimentos colectivos procuram uns efeitos ópticos que nom se podem esquecer se queremos ter umha visom total da obra. Algumhas críticas de Os velhos visam somente o texto literário, o libretto da obra. Mas esta só se consuma na representaçom. Ainda que o texto em si mesmo pode ser estudado -e é o que nós fazemos-, nom se pode perder de vista que é só umha parte do conjunto, se se quer formular um juízo total sobre a obra como produto teatral, cuja realizaçom está na sua representaçom cénica.
     Já registamos o carácter popular das personages e a utilizaçom de motivos pré-literários de tipo folclórico: o parrafeio amoroso, a serenata estudantil, o pranto funeral, as brincadeiras do entruido, a cançom coral, o conto de fantasmas... Mas é tamém mui importante o elenco de formas dramáticas inspiradas no teatro de ensaio.
     En 1921, em Paris, Castelao assiste às representaçons do "Teatro do Morcego", espectáculo russo dirigido por Nikita Balieff. Este inspira-lhe as "esceas" do coro de boticários, da cortina com figuras que cantam, da conversa com os retratos dos antepassados, algumhas das cais estám prefiguradas em sketchs imaginados ou realizados por Castelao para o Teatro de Arte que queria criar em Pontevedra e que desembocou na Sociedade Coral Polifónica. Outros projectos e esquemas análogos ideou Otero Pedraio cando mais adiante Castelao volta a pensar no seu Teatro de Arte. Como expliquei noutros lugares, motivos de Balieff e de Otero aparecem em Os velhos nom devem de namorar-se. As máscaras, a maquilhagem, os trocos de figuras, a música, o canto e a dança som mui frequentes nas peças anglo-irlandesas de William Butier Yeats imitadas do teatro "Nó" japonês, peças que Castelao pudo conhecer, pois os homes de Nós tinham muita admiraçom polos escritores irlandeses nacionalistas, mesmo os que escrevessem em inglês. Mas ainda que Castelao como artista plástico gostou muito da pintura japonesa, a sua obra teatral semelha pouco a dos dramaturgos do Abbey Theater, nos cais nom achamos os traços de farsa de bonifrates que é um componente de Os velhos.

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