Escritos sobre teatro

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O Público
     Ao longo das páginas anteriores fomos vendo cal foi, em linhas gerais, o desenvolvimento do teatro galego. Cal é ou foi o público ao que se dirige, ou que surge espontaneamente perante o feito da representaçom?
     Deixando à parte a ínfima minoria dos mesmos autores que escrevem as peças, quer dizer, os intelectuais comprometidos com a literatura galega, diremos que o principal núcleo está, ou estava, constituído pola classe artesanal, a mesma que nutria os Coros galegos, que tanta importáncia tivérom na promoçom desse teatro. Os sócios dos Coros, encanto afeiçoados ao folclore musical, acolhêrom o teatro galego como umha manifestaçom mais do folclore galego. Assi, o tipo de teatro a que naturalmente se inclinavam, e a que prestavam calorosa acolhida, era o teatro de costumes populares, com personages freqüentemente vestidas com os trajes regionais que se costumavam nas interpretaçons musicais. Estas, muitas vezes, adoptavam um marco de cena ou quadro de costumes, ao oferecer umha foliada ou umha moinhada com ambientaçom e decoraçom, o que ja estava mui perto do teatro lírico de costumes. O teatro galego, para este público, era um teatro de assunto rural, com predomínio do elemento cómico, o que nom excluía os momentos sentimentais.
     Hoje a situaçom é outra, ainda que mui confusa. O teatro intelectual -representado pola moda das fabulae palliatae e outras obras de tipo histórico ou fantasista, ou "vanguardista"- ou nom passou às tábuas, ou recolheu eventualmente os aplausos dos profissionais universitários de inclinaçom galeguista, completados, para que os locais registassem umha entrada suficiente, com o público burguês habitual do teatro espanhol de consumo, gente de boa posiçom económica que em províncias acode geralmente a presenciar por distracçom as representaçons das companhias que com muita frequência se acercam às cidades de ditas províncias, e que consome aquel produto como calquer outro. De todos os modos, polo que se refere a este tipo de teatro galego, as ocasions que se brindam a dito tipo de público som mui raras, pois praticamente se reduzem a algumha encenaçom do Hamlet, ou A noite vai coma um rio, de Alvaro Cunqueiro, ou ao Macbeth do próprio Shakespeare, montado polo Teatro Circo, cujos experimentos nom se reduzem, ou nom quereriam reduzir-se, a um só tipo de teatro. É pois, este de que falamos um público mui eventual, mui amorfo, mui irrelevante, mui pouco significativo como público do teatro galego.
     O público mais característico, no momento presente, para o que se representa teatro galego, e que é praticamente todo o público específico actual, é um público juvenil, de estudantes mui receptivos à mensage ideológica das peças, e disposto a valorá-las com os parámetros que brinda o grau de protesta contra a ordem estabelecida que o produto oferecido alcança.
     Finalmente, indicaremos que o antigo público artesanal, amante do típico, desapareceu ou está a piques de desaparecer. Ninguém atende à demanda que noutros tempos era a mais firme e espontánea base de umha possível dramaturgia galega. Ainda que se escrevessem peças costumistas, seria difícil achar entre a juventude actores afeiçoados dispostos a representá-las. A realidade é que excepto as persoas de idade avançada, nas cais podem operar gostos residuais, nom se encontram no mundo artesanal os antigos ingénuos entusiastas dos sainetes de Charlom e Ermida. Aqueles artesaos desaparecerom, e o seu posto na sociedade ocupa-o umha baixa classe média, educada esteticamente polo cinema e a televisom, que nom se sente identificada com o folclore galego. Os jovens desta nova classe, muitos dos cais acedêrom à Universidade, se sentem interesse polo teatro galego, é através da sua assimilaçom da actitude crítica que tinge a mentalidade estudantil, e entom hai que incorporá-los ao público juvenil politizado de que falávamos antes. Se nom estám incorporados a esse público, nom som público de teatro galego.
     Com certeza, no momento em que se escrevem estas linhas -janeiro de 1977-, o povo galego, nom menos que os demais povos da Península, acha-se num momento de crise histórica, de transiçom a novas formas de vida pública e privada, que tenhem de calhar numha reestruturaçom das duas possibilidades de atitude face ao fenómeno do teatro. É evidente que umha distribuiçom dos tipos de público como a que hoje está vigente -com umha clara tendência à nivelaçom num só tipo- é característica de umha situaçom crítica, e isto determina tamém as peculiaridades da produçom teatral. Portanto, nom hai dúvida de que os dados variarám, e ilusório seria considerar esta situaçom como estável. A mesma permissividade que está sucedendo ao autoritarismo reduzirá a temperatura política do teatro, e este recuperará -em público e em temática- sectores hoje excluídos. Mesmo no caso de que se produzisse umha reacçom contra a crecente liberdade, nom é de esperar um teatro de propaganda ideológica ao serviço dos poderes públicos. Volveria-se mais bem a formas politicamente inócuas. Em todo caso, som inevitáveis mudanças que farám antiquada rapidamente a descriçom dos feitos que leve data de hoje.


     Teatro Rural
     O mais antigo tipo de teatro galego por razom da sua temática que podemos registar, é o de ambiente rural. Ja pertence a esta classe de teatro o mais antigo espécime que conservamos dos tempos contemporáneos, A casamenteira, de António Benito Fandinho (1812). Cando nos meados do século XIX se inicia o ressurgimento da literatura galega, este tem um carácter romántico tardio, ja tingido de realismo costumista. A valorizaçom e reivindicaçom dos valores genuinos do país deixa-se sentir, como nos demais géneros, no teatro, que ja desde 1845 se abre passo. Apresentar em cena a vida da aldeia pareceu o mais conforme com o espírito de exaltaçom do galego, pois a aldeia era considerada a depositária da tradiçom, deturpada nos núcleos urbanos mais ou menos desgaleguizados.
     Muitas destas obras de ambiente rural som peças em um acto, geralmente denominadas sainetes. Algumhas som de carácter puramente cómico, mas com freqüência contenhem um elemento de propaganda galeguista, ou satirizam a desgaleguizaçom das cidades ou de determinados sectores do país. Fôrom mui celebrados no seu tempo os sainetes dos trabalhadores ferrolanos Eugénio Charlom Árias e Manuel Sánchez Ermida. Eram peças que os seus mesmos autores representavam, e por tanto para dous actores, ainda que no seu caso cada um podia fazer mais de um papel: bastava com que nunca houvesse mais de duas personages em cena. Os referidos autores escrevêrom em colaboraçom catro sainetes. O mais antigo, Mal de moitos (1915), apresenta-nos um diálogo entre um velho patrom educado nas tradiçons do país e um moço que estivo em América e se apartou delas, começando polo próprio idioma, que substitui por umha inepta gíria híbrida. Os autores nunca perdem a ocasiom de ridiculizar os que se avergonham de serem galegos ou de falarem em galego. Assessorados acaso por algum membro intelectual das Irmandades da Fala, estes engenhosos artesaos cometérom o erro de empregar um galego bastante artificioso e com pretensons de koiné, em vez de escrever pura e simplesmente na fala local das classes populares ferrolanas, as da cidade e as da sua comarca. Os tipos que aparecem nos sainetes ou passos de Charlom e Ermida som tipos aldeaos, mas emarcados às vezes num ambiente de cidade ou vila.
     Mais fecundo foi Xavier Prado ("Lameiro"), que nos seus livros Monifates e Farsadas, ambos impressos em 1928, reuniu até catorze peças de teatro. Delas podem considerar-se onze do género em prosa, como os sainetes de Charlom e Ermida, mas num galego, ainda que nom isento de erros, mais fiel às formas locais, neste caso as do campo ourensano.
     Mui celebrada foi no seu tempo a comédia o O chufom (1915), do médico luguês Jesus Rodríguez Lôpez. É umha comédia de equivocaçons, com duas linhas paralelas de malentendidos. O chufom é um personage que intervinha nas negociaçons matrimoniais como advogado do pretendente.
     Finalmente, citaremos as comédias ou dramas de ambiente rural de Armando Cotarelo, Trevom (1922) e Lubicam (1924). Nestas obras, escritas numha linguage de vocabulário escolhido, ensaia-se em galego o tipo de teatro freqüente na época do realismo e do naturalismo, um teatro de fortes efeitos e personages campesinos.


     Teatro de Paço
     Nom faltam ensaios de teatro rural cujas personages, ao menos as principais, nom som labregos, mas senhores; quer dizer, um teatro de paço. Pertencem a este subgrupo A mam de Santinha (1921) de Ramom Cabanilhas, e Maria Rosa (1928) de Goncalo Lôpez Abente6.


     Teatro Marinheiro
     Os marinheiros, como os labregos, tamém achárom os seus autores para encenar. Som, certamente, menos, as obras que podemos citar. Deixando à parte as de Lugris, que situaremos entre as mais intencionadamente "sociais", podemos mencionar como obras marinheiras de costumes, Mourença (1931) e Beiramar (1931), de Armando Cotarelo, e A fiestra baldeira (1927), de Rafael Dieste: as três localizadas, polo que se refere à acçom, na ria de Arousa.
     Os dramas marinheiros de Cotarelo som mais vigorosos e cingidos que os seus dramas rurais. Os seus desenlaces som catastróficos. Beiramar consta de três actos. É drama de paixons, que se desenvolve em torno a um crime de amor. Umha cena retórica lírica, pouco adequada à caracterizaçom realista das personages, empana em ocasions a eficácia do diálogo dos marinheiros.
     Mourença é um breve melodrama de tipo granguinholesco. O seu diálogo carece das amplificaçons líricas que abundam em outras obras em prosa -Trevom, Beiramar- deste autor.
     A fiestra baldeira, de Rafael Dieste, é umha comédia de ambiente marinheiro escrita com muita atençom aos efeitos cénicos e à economia da linguage. Procuram-se aqueles mediante inflexons na acçom que se modulam com naturalidade, ainda que com detalhes nom carentes de um certo preciosismo. O suave tinte rosado e moralizante da comédia, de final feliz, vencida satisfactoriamente a peripécia que constitui o nó da acçom, tem algo de neoclassicismo moderno, forma reflexiva de um certo espírito de vanguarda aplicado à estilizaçom da vida popular. Ainda que cabe umha leitura sociológica ou psicológica desta comédia, os seus traços relevantes configuram-na como umha peça de costumes, mas ja nom "realista", senom composta com um sentido da arte superadora do documental e seleccionador dos elementos empíricos conforme a critérios estéticos mui finos.


     Teatro Social
     Ja indicamos que às vezes som incertos os limites entre a peça costumista e o teatro "social", isto é: o teatro de crítica social. O tema do caciquismo enquadrado num ambiente de costumes rurais, o estudo ou a exposiçom do tema do caciquismo como um costume social entre outros, tivo fortuna no teatro galego. A obra que alcançou maior popularidade foi O fidalgo, do industrial sapateiro Jesus Sam Luís Romero, estreada em 1918. No seu tempo foi mui representada. Hai poucos anos puxo-se de novo em cena, para comprovar que ja os tempos eram outros, outros os gostos e outras as preocupaçons sociais do público.
     Podemos agrupar com O fidalgo outros dramas galegos que cabe reduzir ao mesmo esquema. Estes dramas som A ponte (1903), Mínia (1904) e Escravitu (1906), de Manuel Lugris Freire; A pátria do labrego (1904), de António Vilhar Ponte; Pilara (1919), de Manuel Comelhas; e, ainda que classificado noutro apartado, e mais refractário a umha leitura sociológica, o ja citado de Cotarelo, Lubicám (1924).
     Em todos eles hai três personages essenciais: a mulher objecto, o proprietário legítimo da mesma e o ladrom. O movimento da peça consiste numha acçom do ladrom para apoderar-se do objecto, seguida da persecuçom e castigo do delinqüente. O castigo, consistente na eliminaçom física do ladrom, pode ser realizado -geralmente com arma branca- polo proprietário do objecto roubado ou profanado, ou bem pola própria vítima, a mulher objecto, que pode ser donzela ou casada. O titular da autoridade sobre a mulher, o actante sujeito, que chamamos proprietário legítimo do objecto -com legitimidade legal ou moral- pode ser o marido, o noivo ou o pai da mulher.
     Trata-se, pois, de un drama de três actantes, os ja mencionados: a mulher, o seu cabeça de família e o agressor. O assunto é a agressom, frustrada ou consumada -rapto, estupro- e a reparaçom. O argumento, a persecuçom da vítima polo agressor e a persecuçom do agressor polo executor da sançom.
     Como o agressor é um cacique, um home da cidade, um home rico, cabem leituras freudianas ou leituras adlerianas das peças. A ambigüidade da relaçom entre a perseguida e o perseguidor no drama de Cotarelo é outra peculiaridade deste face aos seus congéneres.


     Teatro Político
     Com posterioridade, o teatro social tende a fazer-se mais e mais político. Esta tendência observa-se nas peças, sempre breves, de Alvaro de las Casas, O tolo de Lastra (1930), A gavilha (1930), Pancho de Rábade (1930), Mátria (1935), Mitim (1936). Muitos anos depois, ao caducar o regime franquista, reaparece este teatro adaptado às circunstáncias. É um exemplo Zardigot, de Eulógio R. Ruibal (1974).


     A Comédia Burguesa
     Prado "Lameiro" ensaiou a comédia burguesa em peças como Luís de Castromouro, Vida vilenga e Marta (1928). Este tipo de teatro mal foi cultivado.


     Teatro Histórico-Lendário
     O teatro histórico-lendário foi bastante cultivado. Recriar do ponto de vista actual acontecimentos que tivérom importáncia para Galiza, foi um anseio mui lógico dos dramaturgos galegos. Galo Salinas escreveu A torre de peito burdelo (1891); Joám Cuveiro, Pedro Madruga (1897); Cotarelo, Hóstia (1926); Cabanilhas, O Mariscal (1926). Ja no após-guerra, Daniel Corteçom trabalhou denodadamente neste campo. Às suas biografias dramáticas de Prisciliano (1970) e Gelmirez (1974), cabe antepor Nicolás Flamel (1966), de logrado tom dentro da sua dependência de Cunqueiro.
     Das peças anteriores à guerra, merecem destacar-se, entre as citadas, Hóstia e O Mariscal.
     A primeira apresenta-nos o suplício de Prisciliano. É umha tragédia em um acto. Se prescindimos de certos traços de erudiçom didáctica, achamo-la ajustada, nobre e intensa. A ordenaçom de Zoé como diaconisa polo bispo que vai morrer, e a processom do cortejo que se encaminha ao lugar do suplício, com o seu regresso umha vez executada a decapitaçom, som cenas de muita eficácia dramática.
     O Mariscal encena tamém um suplício, o de um mártir galego, como Prisciliano, pois para os respectivos autores Prisciliano e Pero Pardo de Cela fôrom vítimas de poderes tiránicos. O segundo é visto como defensor da personalidade de Galiza frente às forças centralizadoras. António Vilhar Ponte, continuando a tradiçom de Benito Vicetto e Manuel Leiras Pulpeiro, ideou o drama do Marechal e remeteu a Cabanilhas um esquema do mesmo. Postos ambos de acordo sobre a distribuiçom definitiva das cenas, Cabanilhas versificou a obra de cabo a rabo. Polo seu estilo é umha tragédia do tipo histórico modernista que cultivavam por entom em castelhano Eduardo Marquina e Francisco Villaespesa. Este último anunciou a traduçom e encenaçom de O Mariscal, propósito que nom chegou a realizar-se. Mas de O Mariscal tirou-se um livro de ópera, que com partitura de Eduardo Rodríguez Losada se cantou em 1929.


     O Teatro e o Grupo "Nós"
     Nalgumha maneira pode agrupar-se com O Mariscal, O bufóm del-Rei, de Vicente Risco (1928), polo que ambas as obras tenhem de modernistas. Se nos atemos ao estrito sentido histórico dos termos, a peça de Risco é mais bem simbolista, do tipo das obras de Maeterlinck, o Shakespeare do simbolismo. O drama de Risco, em cuja cena final pode ter influido a Salomé, de Wilde, nom é obra histórica nem lendária ao modo de O Mariscal. Nom se inspira em momento algum da história de Galiza, senom que se localiza temporalmente numha vaga Idade Média, com certeza mui avançada, digamos no outono da Idade Média, e o país em que a acçom decorre é nom menos indeterminado, o país dos contos, o mesmo país de castelos artúricos envoltos en névoas indecisas da geografia de Maeterlinck. Em castelhano cultivara este género de teatro o galego Goy de Silva.
     Mais originais e poderosas som as duas peças intituladas Os velhos non devem de namorar-se e A lagarada, de Castelao e Otero Pedraio, respectivamente, com Risco, os grandes mestres da geraçom Nós.
     A primeira tem as suas raízes nos projectos de criaçom de um teatro de arte galega alimentadas polo desenhante e pintor durante a sua residência em Pontevedra. Influiu nos seus propósitos, como recordou Filgueira Valverde8, a impressom que a Castelao causárom em Paris, as representaçons do teatro de La chauve-souris, de Nikita Balief. A combinaçom de literatura, música instrumental, cançons, danças, mímica, pintura, máscaras, luminotécnia que se aprecia em Os velhos é registada por Castelao nos seus Diários com relaçom ao teatro russo de Balief. Castelao imaginou umha série de esquemas teatrais, ou peças mímicas mui breves, alguns de cujos elementos fôrom aproveitados mais adiante nos seus Velhos, que de momento nom redigiu. Mas "Pimpinela" naceu deste mesmo impulso. Castelao buscava a colaboraçom de outras persoas para o seu "Teatro de arte". Sendo deputado a Cortes nas Constituintes da República, durante as viages em trem que realizava com o seu companheiro de deputaçom Otero Pedraio entre Madrid e Galiza, ambos falavam do teatro de arte galego que Pontevedra, cidade onde Castelao estava avizinhado, haveria de acolher. Mentres Castelao pensava e repensava a sua "Pimpinela", Otero, em 1934, escreveu dezasseis esboços, esquemas e projectos de Teatro de máscaras que a Castelao entregou e Castelao conservou entre os seus papéis.
     Escrita a farsa de "Pimpinela", Castelao tratou duas vezes mais o mesmo assunto e reuniu as três versons do mesmo drama em Os velhos nom devem de namorar-se, estreado em Buenos Aires em 1941. Mas "Pimpinela", anterior a "Lela" e a "Micaela", ainda que talvez a mais atractiva das três realizaçons da Moca-objecto, ressente-se da sua origem independente, e o seu lance é umha versom do drama mais diferente das outras duas que estas entre si. As personages essenciais som propriamente três: o Velho, a Moça e o Moço. Na gramática da obra, respectivamente o sujeito, o objecto e o destinatário -se queremos adoptar umha terminologia simplificada e convencional-. Como indica o título da peça, esta versa sobre o amor do Velho pola Moça, que termina com a morte daquel.
     A forma de farsa expressionista que Castelao dá ao seu drama converte-o numha tragicomédia. O mesmo motivo realiza-se em três versons distintas. Um epílogo didáctico conecta as personages dos três lances, que nestes se mantenhem completamente incomunicados. Assi como o lance de Pimpinela nom pode negar a sua origem independente, o epilogo nom pode negar o seu carácter de recopilaçom e resumo final, alheio à natural deriva dos três actos anteriores, que nom antecipam de nengum modo a relaçom material tardia que se estabelece entre eles.
     Da obra cabem duas leituras auténticas: umha que atende ao significado e outra que atende ao significante.
     No primeiro sentido, trata-se do amor do velho pola jovem, que termina com a morte. É Fausto que quer recuperar a juventude, mas a juventude é um símbolo da imortalidade, e a imortalidade é património dos deuses. Estes castigam com a morte o sacrílego que quer igualá-los. Como o bem alheio que se persegue é a imortalidade, a morte restabelece a ordem perturbada pola prometeica tentativa de roubar o lume da vida. Ainda que Castelao trata cruelmente o Velho namorado, essa crueldade emascara um sentimento de compaixom, pois o anelo do velho é un anelo naturalmente humano.
     No segundo sentido, trata-se de "teatro de arte". A estrutura externa da obra, con a sua rigidez, os seus paralelismos, os seus efeitos especiais, o seu sincretismo artístico, acusa umha estilizaçom técnica encaminhada a produzir um deleite estético concentrado mediante recursos convencionais nom dissimulados por umha ficçom de realismo. Dirige-se, pois, a um público ou o bastante ingénuo para nom perceber o convencionalismo -um público popular hoje ja anacrónico- ou a um público o bastante culto para aceitá-lo sem dificuldade. É o público para o que projectava cenas em Pontevedra. Um público para teatro de cámara.
     Assi, Os velhos som à vez umha tragédia do destino -quer dizer, umha tragédia clássica- e um espectáculo plástico e acústico; isto é, um festival cénico.
     Nom está mui longe desta composiçom a enérgica peça trágica de Otero Pedraio A lagarada (1929). Ainda que o seu autor a intitulou, ou subintitulou, farsada trágica para ler, é verdadeiro teatro, e se nom foi nunca representada, nom é porque nom poda sé-lo, senom porque foi dada à luz numha época em que o teatro galego caira, como espectáculo, numha profunda postraçom. Cando grupos de jovens, nas postrimarias da era de Franco e morto este, relançarom o teatro galego como meio de agitaçom e propaganda ideológica, A lagarada nom foi representada porque nom continha mensage constestarária algumha. Ja nisto se parece a Os velhos: é, por umha parte, um drama digamos existencial, e, por outra, umha obra de arte estilizada, que, como Os velhos, ainda que de maneira distinta, combina elementos populares e cultos.
     Ramom Otero desenvolve em cenas realistas um drama rural e vindimar, umha tragédia dionisíaca mui verista, na cal se agitam homes e mulheres da aldeia dominados por furiosas paixons. Em torno a um rico herdeiro a luxúria e a cobiça desencadeiam o crime. O par criminal desfai-se; abandonada a rapariga polo ambicioso assassino, el e ela proponhem-se viver fora da lei.
     Esta acçom tem como contraponto umhas cenas de ambientaçom em que a acçom nom progressa. Duas delas, a obertura do acto segundo e a que precede ao desenlace, som cenas simbólicas, comentários líricos à maneira dos cantos corais da tragédia grega, com personages fantásticas. Estám rimadas. Mais apoiada na trama, mas tampouco funcional no desenvolvimento da mesma, é a cena dos clérigos, ao começo do acto terceiro. Está em prosa, e situa-se no mesmo plano dos acontecimentos reais da acçom, mas tem carácter episódico e a sua funçom é poética e ambiental.
     A lagarada, apesar das amplificaçons literárias de algumhas anotaçons e umha certa tendência a que elas completem narrativamente o relato da acçom, mantém-se essencialmente mui bern nos limites do verdadeiro teatro, pois ditas anotaçons ou som supérfluas ou redundantes, quer dizer, que umha posta em cena pode arranjar-se sem elas no que excedem da sua funçom estrita como aclaraçons para a acçom mesma. Nom hai nengumha outra obra de Otero Pedraio que reúna estas condiçons. O tomo Teatro de mascaras (1975) nom contém senom ideias para possíveis encenaçons. Os seus dezasseis esboços devem ser considerados como as catorce ideias de cenas dramáticas, pantomimas ou sketchs comunicadas por Castelao aos seus amigos de Pontevedra. Só que Otero as ideava por escrito, como guions. Nengumha dessas ideias está realmente consumada. Com relaçom à colaboraçom de Otero e Castelao nesta classe de projectos, veja-se a carta deste a aquel (5 de Março de 1934) exumada em Grial, num. 52, p. 271. É curioso consignar que nos esboços de Otero aparecem alguns motivos que depois havia de utilizar Castelao. As caras de personages pintadas no decorado (Máscaras, I) recordam o decorado do final de "Pimpinela". Os espantalhos (Máscaras, XI) e o sapo (Máscaras, II), reaparecem em "Micaela". O tipo do Português que aparece neste lance nom difere muito do que dá nome ao esquema "As bodas do português" (Máscaras, VIII). Dom Ramoncinho, o fidalgo de Os velhos, oferece fincas a Micaela em troca de beijos; em "Vento noutúrnio" (Máscaras, III), o fidalgo do paço de Laiovento recorda um parente seu que dava por um beijo de moca três ferrados de semeadura.


     A "Fábula Palliata" e outras formas de Teatro Culto
     A utilizaçom no teatro dos mitos clássicos para expresar as preocupaçons, os conflitos e os afans do mundo moderno ou da natureza humana em geral, deu origem a umha série de peças que, tomando o seu assunto do repertório grego, prestam às personages a mentalidade do home dos nossos dias. Distintas comédias ou dramas de Giraudoux, Anouilh ou Sartre, como La guerre de Troje n 'aura pas lieu, Antigone ou Les mouches, algumhas das cais fôrom traduzidas ao galego, servirom de pauta a obras originais que durante certo tempo se escreverom, ainda que nom se representárom. Tratava-se de um trabalho para intelectuais universitários, pois a ironia, engenho ou profundidade dos modelos só podiam ser imitados por autores mui cultos, e um público numeroso capaz de entender tais subtilezas nom existia em Galiza.
     Entre as peças que se podem classificar neste apartado, a mais antiga é Midas, de Isaac Díaz Pardo (1957). Para nom citar senom obras que fôrom impressas, acrecentaremos Orestes, de Arcádio López Casanova (1963). Romeria às covas do demo, de Manuel Lourenzo (1975), representa a última maneira de tratar o mito, em que a modernizaçom e a ironia desembocárom na sátira paródica desmitificadora.
     A peça de tradiçom literária que reelabora assuntos nom ja gregos, mas tomados a outros clássicos da literatura ocidental, também foi cultivada. Alvaro Cunqueiro bebeu em Shakespeare ou nas sagas nórdicas a inspiraçom do seu O incerto senhor dom Hamlet (1958). Outro refinado produto literário do mesmo autor é A noite vai coma um rio (1965), que ja nom recolhe o seu assunto directamente da tradiçom literária. Bernardino Granha inspira-se em Boccaccio para compor o seu melodrama Vinte mil pesos crime (1962), no cal o assunto se traslada à Galiza actual, e o relato sentimental pré-renacentista se transforma em cru conflito de traços naturalistas.
     Os prémios Castelao de teatro revelárom dous interessantes autores. Genaro Marinhas del Valhe, mais que polas suas farsas entre valle-inclanescas e garcialorquianas, deve ser recordado por peças como A revolta e A obriga (1965), mui marcadas pola preocupaçom moral, mas nom degeneradas em alegatos sentimentais ou predicaçons ideológicas. Joana Torres mostrou em A outra banda do iberr (1965) umha habilidade na criaçom de caracteres e no movimento das personages na cena que deve ser sublinhada.


     A Farsa Grotesca e o Passo Satírico
     Acabaremos fazendo referência à peça breve de intençom crítica ou de estilizaçom esperpêntica hoje mui em voga. Nom é outra cousa que o auto, passo, entremês ou sainete da tradiçom, adaptado às conjunturas do consumo actual. Como as representaçons de teatro galego que nestes dias se realizam correm a cargo invariavelmente de grupos juvenis de afeiçoados, esse tipo de teatro breve resulta adequado às limitaçons dos conjuntos.
     Podemos distinguir duas classes de peças breves.
     Umha é a farsa literária, o auto de carácter simbólico, mais ou menos entroncado com o teatro medieval ou com os apontamentos dramáticos de Valle-Inclán ou García Lorca. Citemos a este propósito as farsas de Marinhas del Valhe.
     Com a absorvente preocupaçom política, que nom concebe outro teatro que aquel em que se encontre umha diatriba da ordem estabelecida, surge a paródia das instituiçons e dos princípios que governam a sociedade actual. Um teatro de escassa preocupaçom literária, que pretende chegar ao povo pola via da linguage crua e a desmitificaçom da história e a ética vigentes. Este teatro, como as formas preliterárias do teatro, é às vezes improvisado, de elaboraçom colectiva e de execuçom agressiva. Nom deu frutos recolhidos pola imprensa; e as peças impressas de Eduardo Blanco Amor ou Manuel Maria Fernández Teixeiro que parecem inspirar-se naquela concepçom do teatro, polo simples feito da fixaçom dos textos revelam-se como formas indecisas de actividade dramática. Os ensaios do que pretende ser um teatro para o povo realizados por autores mais jovens, por vezes anónimos ou colectivos, e que parecem ser liçons de política encenadas ou experimentos de conduçom das massas mediante a catarse dramática, tenhem pouco que ver com a literatura e cedemos a sua análise, se proceder, ao sociólogo. Por outra parte, nom hai textos impressos até agora de tais ensaios, o que os substrai do nosso campo de actuaçom.


     Teatro Infantil
     A literatura galega moderna nom descuidou inteiramente o teatro infantil. Pode considerar-se que o primeiro intento sério o constitui a peça Agromar (1936) de José Filgueira Valverde. Modernamente convocárom-se concursos para premiar obras deste tipo. Assi surgírom peças como As laranjas mais laranjas de todas as laranjas (1973), de Carlos Casares, e Sinfarainim contra Dom Perfeuto (1975), de Bernardino Granha.


     Bibliografia
     É escassa a bibliografia sobre teatro galego. À parte as histórias da literatura galega de carácter geral, mal podemos mencionar estudos históricos ou de calquer outra maneira científicos sobre a nossa matéria.
Até onde alcança a História da literatura galega contemporánea (1808-1936), 2ª ediçom, Vigo, 1975, servimo-nos dela para a citaçom de autores e obras. Com certeza, em dita História figuram muitos mais nomes e títulos, que pode utilizar o interessado na questom. Neste trabalho de hoje só mencionaremos escritores ou peças por algum motivo significativos.
     Galo Salinas escreveu umha Memoria acerca de la dramática gallega, A Corunha, 1896, de onde procedem as notícias sobre peças hoje desconhecidas de princípios do século XIX.
     Outras informaçons procedem de Leandro Carré, que dedicou vários trabalhos a recopilar dados sobre o teatro galego. Vejam-se especialmente os artigos citados na continuaçom.
     Leandro Carré, "Apontamentos para a historia do teatro galego", em Boletín de la Academia Gallega, ano XXVI, números 235 a 240, A Corunha, 1931.
     Leandro Carré, "Lingua e literatura de Galicia", em 4 ventos. Revista lusíada de literatura e arte, número 7, Braga, 1955.
     Rosende Lois de Ogando, "O teatro galego", no mesmo lugar.
     Tenho a convicçom de que "Rosende Lois de Ogando" é um pseudónimo de Leandro Carré.
     É importante para conhecer os antecedentes do teatro de Castelao o trabalho de José Filgueira Valverde, "Castelao escenógrafo. Os decorados da Polifónica de Pontevedra", en Boletín de la Real Academia Gallega, número 357, Vigo, 1975.
     Nesse mesmo lugar figuram também os seguintes trabalhos sobre o teatro de Castelao.
     Ricardo Carvalho Calero, "Esquema argumental de Os vellos non deben de namorarse"
     Leandro Carré, "Castelao no teatro galego".
     Luís Seoane, "Os vellos non deben de namorarse".
     O autor do presente estudo é tamém autor de um trabalho intitulado "Aspectos de Os vellos non deben de namorarse", publicado em Grial, número 47, Vigo, 1975.
     De Filgueira Valverde veja-se tamém o prólogo a Teatro de máscaras, de Otero Pedraío, Vigo, 1975.
     Sobre a primeira obra galega cuja representaçom consta, A fonte do juramento, existe um trabalho de Gumersindo Placer Lôpez, "O primeiro drama galego: A fonte do xuramento", em Grial, número 30, Vigo, 1970.
     Sobre formas de literatura folclórica que constituem teatro embrionário, pode ver-se:
     Luis Carré, "Arte popular escénico", em Douro-Litoral, 5ª série, números III-IV, Porto.

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