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Quadro X
Solene Sessão de Encerramento,
Leitura de Comunicações
e Fim de Festa
Cena 1ª |
Ao
se acender a luz vemos de novo o Secretário/Coordenador.
Uma das mãos apanha o
microfone, que ficou da anterior intervenção, coloca-o
numa posição mais baixa e afasta-o para a borda da
plateia, deixando-o no centro exacto do cenário.. |
Secretário/Coordenador.- Muito
obrigados, Doutor Alexandrino Constante, pela sua emocionada
recordação da ilustre precursora de todos nós. Bom, e como
estamos (consulta o relógio que tem numa das mãos)
completamente fora do horário/tempo previsto no programa/folheto
deste Congresso/Colóquio, vou proceder, a seguir, a resumir,
muito brevemente, algumas das comunicações escritas que nos
foram enviadas.
A
mão esquerda desaparece e volta trazendo uma folha de
papel. Trá-la de pé e não arrastada, como
em anteriores intervenções. |
Assim,
o professor Alexandre (pronuncia à francesa) Constantin da
Universidade de La Sorbonne VI, remete-nos um detalhado informe,
do qual podemos destacar:
Por
detrás da folha aparece um indivíduo de tamanho natural
e bem trajado, com óculos e tal, que se dirige até ao
enorme microfone e começa a falar através dele. |
Prof. Alexandre
Constantin.- Depois de toda uma vida de trabalho e
estudo, tenho chegado à conclusão de que as inscrições
presentes na denominada Tábua Ocre de Núbia, representam a mais
extraordinária expressão, nunca feita na história, do conceito
coetâneo de contemporaneidade, através da introspecção
metafísica da ilegibilidade, como o demonstra o facto de ser
contemporânea a ela própria
Uma
mão do Secretário/Coordenador apanha o Prof. Constantin
e devolve-o para dentro da folha, para logo retirar a
folha pelo lado direito. A mão esquerda tira uma outra
folha do seu lado. |
Secretário/Coordenador.-
Como não temos muito tempo, vamos deixar por aí a gentil
exposição do Professor Alexandre Constantin. O Doutor Alejandro
Constantez, da Universidade Central de México, pela sua parte,
diz-nos, num interessante estudo:
De
trás da folha sai um outro conferencista, de aspecto
mexicano (não é preciso o chapéu) que se dirige
igualmente ao enorme microfone. |
Dr. Alejandro Constantez.-
Quanto a mim, os signos representados na Tábua Ocre de Núbia
oferecem um surpreendente parecido com determinadas inscrições
da cultura asteca. À luz desta análise comparativa temos
chegado à conclusão de que se reproduzem nela, com
extraordinária exactidão, todos os passos da ancestral dança
da chuva que se interpretava todos os Verãos nas pirâmides de
Teotihuacán, como o demonstram estes diapositivos que
acompanho
A
mão direita do Secretário/Coordenador tira do lateral
um comando de projector em que carrega três vezes sem
pausa. Uma potente luz, orientada para o público,
cintilará três vezes. Pelo lateral esquerdo vão
saindo, consecutivamente, disparados três
diapositivos que são em realidade três molduras vazias
que sustêm uns pares de dançarinos, trajados à asteca,
colocados, dentro de cada uma delas, numa determinada
postura, que serve tanto para invocar a chuva como para
suster a moldura. Os pés de todos, a sobressaírem por
baixo da parte inferior da moldura (únicos membros
vivos do conjunto) a correr sobre as pontas,
vão trasladando os diapositivos até desaparecem pelo
outro lado. |
Como
já calculo que, à hora da leitura das comunicações, vão
andar muito mal de tempo, só quero acrescentar que, tendo
dedicado a minha carreira e a minha vida a demonstrar esta tese,
não deixem de a considerar com a sua maior atenção.
Com
efeito. A mão do Secretário/Coordenador apanha-o pela
nuca e volta a metê-lo na sua folha, que retira pela
direita. A mão esquerda traz desde esse lateral uma
terceira folha. |
Secretário/Coordenador.- Vou
dar notícia, para finalizar, a uma curiosa comunicação que nos
chega de um centro docente muito próximo do lugar do achado,
ainda que muito afastado do nosso tema de estudo. Assina um certo
Iskandar Kundastão, que afirma ser professor de Telegrafia Vital
do Instituto Politécnico do Cairo. Nela diz, entre outras
coisas:
De trás
da folha sai um terceiro homem. Este vem vestido (pouco
vestido) como o Atonaton do Quadro I. É, de facto, o
mesmo actor e o mesmo vestiário. Traz numa mão uma
Tábua Ocre de Núbia de argila e de tamanho natural. Na
outra mão um buril. Vai até ao microfone, como os
outros, e começa a falar. |
Prof. Iskandar
Kundastão.- Eu penso entender o que significa a Tábua
Ocre de Núbia, porque, quando a vejo (Olha para ela)
não entendo nada. Alguém pode pensar que aí se lê uma coisa,
e outro que uma outra, e pode haver mesmo quem diga que se podem
ler várias, ou muitas, coisas à vez. Eu mantenho o contrário.
Eu não entendo nada, e penso estar no certo, porque penso que
não há nada que entender.
Eu tinha um tio, Hamed,
que trabalhava em Assuão, na construção da grande barragem,
quando morreu. Estava a trabalhar no alto da obra, acabava de
começar a apertar um parafuso num quadro eléctrico, quando se
derrubou essa parede e caiu. Mais de duzentos metros. Quando
chegou ao chão já estava apertado o parafuso. O meu tio Hamed
era muito rápido no ofício.
Amostra
a Tábua directamente ao público. |
Nunca
se perguntaram: que é o que pode haver do outro lado da Tábua?
Talvez esteja aí a resposta.
Vira
a placa e amostra o outro lado ao público. |
Não
se vê nada de especial, não é verdade. Mas se a tivessem mais
perto de si poderiam apreciar com nitidez umas marcas digitais
impressas nela. Não penso descobrir por elas quem foi o
assassino. Não. Essas impressões profundas, gravadas pelos
dedos que se agarravam nela só demonstra isso: que a Tábua foi
agarrada com muita força.
Para entender a Tábua
tenho escolhido um caminho muito simples: meter-me na pele do seu
autor.
Deita-se
no chão. Vira-se um momento para o público. |
Parto
da verdade essencial da lenda que fala da sua origem. Pode que
ela seja totalmente falsa nos acidentes, mas penso que, falsa e
tudo, pode nos ajudar a conhecer a sua parte de verdade e a sua
parte de falsidade. E já vou introduzir-me, sem mais, na pele do
autor
Entra
uma pequena escavadora amarela pela direita e deita em
cima do Prof. Iskandar Kundastão um monte de entulho
(são pedras de imitação) semelhante ao que víramos no
começo, depois do derrubamento do templo em que
trabalhava Atonaton. Desce a iluminação geral e
concentra-se sobre ele. Há uns segundos de pausa e de
silêncio, em que começa a se ouvir um bater rítmico e
constante. Depois surge uma mão entre o entulho. Vai
abrindo um furado, por onde emerge a cabeça dele, que
continua a falar com toda a naturalidade. |
Um
homem cai de um andaime ao anoitecer. Todos os seus companheiros
morrem ou ficam como ele, presos no entulho, sentindo que se vai
a vida. Não pode receber nenhum auxílio. Há só duas coisas
que tem por absolutamente certas: sabe que vai morrer, e sabe que
está ainda vivo. Ao cair estava a trabalhar numa placa de
argila, talvez a praticar furados com que a segurar na
parede
Agarrou-se com força a ela durante a queda, como se
pudesse oferecer-lhe algum apoio. Agora, caído, agarra-se com
maior força ainda. Só tem a Tábua, o buril, e tempo. Umas
horas, uma noite talvez. Como o meu tio Hamed, tinha que fazer
alguma coisa para demonstrar, aos outros ou a ele próprio, que
vivia. E fez então aquilo que sabia: apertar um parafuso ou
cinzelar a argila.
Continua
a se livrar do entulho e começa a sobressair o seu
corpo. |
Pode
que mesmo se tivesse lembrado das suas filhas, e que algo lhes
quisesse dizer, mas não precisamente se lhe deixava tudo a uma
ou outra delas. Mas, que se pode dizer nesses momentos? Talvez
tão só: merda, eu quero viver!. E podia ser
considerada, essa frase, uma transcrição exacta da mensagem que
não foi escrita. Não faz falta conhecer o código Morse para
deduzir que detrás desse aparelho que faz bip bip
biiiip há uma pessoa viva que quer dizer alguma coisa.
Acaba
de sair completamente, e fica a falar ao público sentado
no monte, com a tábua numa mão e o seu buril na outra. |
Poderia,
na onda de outros muitos estudos, considerar o autor da Tábua
esta como um claro precursor da telegrafia, e este pedaço de
argila como o primeiro telegrama. Mas, numa noite, o coitado tão
só teve tempo de inventar o sinal de chamada. Um sinal que tão
só queria dizer, às suas filhas, ou simplesmente àquele que o
encontrasse: estou aqui, e quero dizer algo, mas não sei
que, nem como, nem a quem
E nesse sentido sim, esta
humilde Tábua de argila não cozida pode ser considera como a
origem autêntica de todas as línguas do planeta
Atira
para o monte de entulho a Tábua e o buril e vai-se, por
seu pé e pela direita. Recupera-se a iluminação geral.
A mão direita do Secretário/Coordenador afasta o monte
de entulho como se limpasse os restos de pão em cima de
uma mesa. Logo vai segurar a folha junto a sua
companheira. |
Secretário/Coordenador.- Até
aqui esta curiosa comunicação deste certo Iscran
, do
nosso amigo egípcio, que desde aqui animamos para siga
cultivando a sua curiosidade pela arqueologia, para o qual
remeter-lhe-emos alguns números do nosso prestigioso boletim.
Bom, e já não temos
tempo para mais. A Direcção/Organização honra-me mais uma
vez, ao depositar nos meus fracos ombros a ingente tarefa de
pronunciar a conferência de encerramento deste
Congresso/Colóquio. Minhas senhoras, meus senhores: isto foi
tudo.
Só me resta lembrar-lhes
que a Festa de Encerramento terá lugar esta noite, pelas 21
horas, na Discoteca/Cabaret destas instalações, situada no
andar superior
Deixa
cair a folha que sustinha entre as mãos. Nela vemos
desenhadas umas escadas atapetadas apropriadas para o
palco de um autêntico cabaret. Começa a correr o pano e
a soar a música, mas as mãos, no entanto, continuam a
dar as últimas instruções. |
Voz do
Secretário/Coordenador.- Os bilhetes para a sua
assistência podem adquiri-los na cafetaria deste complexo
multimédia, à sua mão esquerda, ao saírem
Não
esqueçam, à direita a Secretaria/Menagement, à esquerda a
Cafetaria/Snack Bar
No andar superior, à direita o
restaurante internacional, à esquerda a sala de
festas/cabaret
As
mãos estão a repetir todas as úteis indicações do
princípio, mas neste momento parece realmente que estão
a dançar ao ritmo da música.
Do fundo do cenário, cheio
de luzes de cores, irrompe uma linha de coro mista. Eles
e elas com fatos de lantejoulas brilhantes, mas trazem
grossos óculos, gravatinhas de laço e livros na mãos.
Vêm a cantar divididos em duas vozes. |
Coro 1. Voz 1.-
Disse Matusalém
Coro 1. Voz 2.- E di-lo Kierkegaard
Coro 1 Inteiro.- A vida é uma comédia
existencial
Coro 1. Voz 1.- Repete-o Jean Paul Sartre
Coro 1. Voz 2.- Contou-no-lo a Beauvoir
Coro 1 Inteiro.- A vida é uma comédia
existencial
Esta
primeira linha rompe-se pela metade, e deixa passo a uma
outra linha vestida de modo semelhante (ainda que com
cores diferentes) mas com a peculiaridade de levarem às
costas umas asas de anjo cobertas também de lantejoulas,
em tons que não deixam de lembrar a iconografia copta.
É uma cena de final de revista num cabaret da Tebaida. |
Coro 2. Inteiro.-
Venderam-nos um milagre, a que faltavam os anjos.
Rompe-se
em vários pares que começam a se entrelaçarem. |
Coro 2. Voz 1.- A
vida é um caso complexo
Coro 2. Voz 2.- A vida é um caso bem simples
Coro 2. Voz 1.- Venderam-nos um milagre
Coro 2. Inteiro.- mas esqueceram os anjos
As
mãos do Secretário/Coordenador tinham ficado levemente
levantadas e de palmas viradas para trás. Agora giram
sobre elas próprias e aparecem sentadas nelas, como em
amplos sofás, duas coristas do primeiro coro, que,
quando acaba o giro, saltam delas e começam a dançar ao
longo do cenário, por diante do 2º Coro. |
Corista 1ª.- Disse
Matusalém
Corista 2ª.- E di-lo Kierkegaard
Agora
irrompe o resto do coro em duas linhas convergentes que
saem dos laterais e cobrem o Coro 2º como uma cortina. |
Coro 1. Inteiro.-
A vida é uma comédia existencial
Quando
acabam de passar, o Coro 2º avança para a frente numa
apertada fila. |
Coro 2. Inteiro.- A
vida é um assunto turvo
A
vida é um assunto claro
Coro 2. Voz 1.- Venderam-nos um milagre
Coro 2. Voz 2.- a que voaram os anjos.
Ao
mesmo tempo que em duas vozes, o Coro 2º dividiu-se em
duas filas, que se abriram como uma cortina deixando
passo ao Coro 1º. As mãos do Secretário Coordenador
não deixam de se mover ao compasso da música
aproveitando para indicar. |
Voz do
Secretário/Coordenador.- Não esqueçam
.à
esquerda a cafetaria
à direita a secretária
acima
um bom restaurante
acima a sala de festas
Coro 1. Inteiro.- Repete-o Jean Paul Sartre
Contou-no-lo
a Beauvoir
As
Coristas dançam uns passos de tango, a apertar a
cinta (ou o pulso) das mãos do
Secretário/Coordenador, que se deixam fazer, como boas
mãos ao alto que agora são. |
Coristas 1ª e 2ª.-
A vida é uma comédia existencial.
Segue
o grande final, em que ambos os coros se misturam e
convergem em todos os sentidos. O Coro 1 fica a fazer o
corrimão da escada desenhada no chão. O Coro 2, vindo
do fundo, acabará a fazer uma escada ele próprio (Uns
de joelhos diante, outros de pé depois e ainda uns
outros sustidos em ombros sacrificados, por trás) |
Coro Único.- A
vida é um tema de estudo
A
vida é um tema estudado.
A
vida é um lindo milagre
e
que funciona sem anjos.
Ficam
todos os coristas alados a fazer a escada. Mas ainda, ao
soar o último compasso (dois toques fortes finais) as
suas asas baterão apenas uma vez, e como por artes
mágicas. |
Voz do
Secretário/Coordenador.- Esperamo-los no nosso XXV
Congresso!