Contos de fada em do maior

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O SOQUINHAS

     Quem era o Soquinhas? De onde vinha e de que vivia aquele sujeito? Tão só lembro alguns rasgos das suas feições. Acaso são sonhos de criança guardados na algibeira do cerebro? Não sei. Quando intento resgatar dados dessa minha epoca da infancia uma espessa nevoa esfuma, dilui as imagens. Só uns inconclusos skteches saltam à minha mente sem referencia cronologica. A treva assalta-me e deixa-me em branco quando pretendo afundar-me com precisão naquela epoca passada. Então uma angustia feiticeira altera-me os nervos, uma imaginaria hecatombe subconsciente transporta-me a um mundo cheio de fados, meigas e muitos outros seres imortais!
     O Soquinhas vestia de preto, dos pés à cabeça, e gesticulava e ria quase excessivamente. A tudo respondia com uma lucidez invejavel e com o acerto de um letrado, mestre, filosofo... A gente das aldeias celebrava quando o Soquinhas sonorizava os apaciveis espaços audiveis de Vilavelha, Noilam, Poça, Castragude... A sua estatura andaria polo metro e setenta e sete centimetros. Uns olhos verdes, quase de gato, reluziam e atraiam à vez que causavam certo temor nas espantadas crianças, ao que ajudava uma extravagante vestimenta. Contavam que andara polo mundo inteiro, navegara polos mares imensos e licenciara em varias faculdades... Mas o verme da tolemia —diziam os judiciosos— entrara na sua cabeça, sempre coberta com chapeu tambem preto.
     Só um decrepito velho da minha aldeia não acreditava lá muito no Soquinhas, até mostrava certa hostilidade, incompatibilidade, quando, o bem recebido por todos, chegava com o florescimento das arvores frutais, o despertar dos viçosos bosques da maravilhosa bisbarra onde me criei... Eram as antipodas do caracter, o antagonismo da personalidade. O temor do mediocre a ser destronado do seu reino... No pais dos cegos o virolho é o rei! —podia-se dizer do velho ruim e cobiçoso.
     A primeira vez que meus olhos, aterrados, desorbitados, viram ao Soquinhas ficaram para sempre encantados, alucinados pola beleza do espirito grande. Pola beleza da mente mais lucida, diafana e limpa. Eram as ... Bom, não sei que horas... A julgar pola ausencia do sol, entre a noite clara e o dia escuro. A fronda colindante do lameiro de Burriqueiras exalava perfumes que ainda hoje a minha pituitaria lembra em sonhos desde este lugar, arrumado da floresta, no que vivo.
     —Cuida-te dos quitassangues! —atormentavam-nos até ao sadismo, os maiores, numa procura de velar pola nossa segurança.
     Meu Socrates querido! Quando vi aproximar-se-me a um individuo, todo de preto, por uma corga funda ... Diante de mim iam as vacas. Seis vacas, preciosas, algo que o «progresso» nos tem roubado. A nossa inigualavel raça de vacas ruivas! Que nos depara o futuro? Que mais nos roubará o «progresso»?
     Apressurei o passo, as vacas tambem o aligeiraram... Umas alçavam a cabeça por cima do lombo das outras e quase corriam...
    
—Rapaz, não temas a presença da sabedoria! —dixo o Soquinhas pondo-me uma mão em cima do ombro.
     As vacas, como se acataram a ordem, detiveram-se e eu fiquei fixado com os pés no chão.
     —Não digas nada... Não temas. Qualquer bom viageiro e filosofo da vida vagabunda acreditaria nas palavras que vou dizer, meu lindo menino, as socas que levas, neste tempo enxuto, denotam uma carencia de meios no seio da tua familia. E essas calças? Quantos remendos? Um, dous, tres, quatro ...A casaca é do teu irmão maior? Não, não digas nada. Quiçá de algum tio jovem, a julgar polo ano em que foi feita. Devia ser militar o alfaiate! Como te chamas?
     —Chamo-me Fandim ...
     Neste intre as vacas puseram-se em marcha, o Soquinhas sorriu muito leve, como se quisesse guardar a gargalhada para outro momento mais propicio. Pronunciou ainda mais o nariz longo pegado a uma cara descarnada e com enrugas em jeito de rede.
     Para a esquerda daquela corga afundida por centos de anos de existencia, erguiam-se pinheiros que ao passo de uma suave brisa fluvial emitiam um choroso assobiar acompanhado de um erotico e natural suspiro. Os cães ladravam, emitiam ruidos no seu «idioma universal» lá em Sangunhedo... Alguem dava ordens às vacas num lameiro proximo. À direita da corga entrelaçavam-se os ramos dos castanheiros, carvalhos e algum vidueiro. Silvas longas como cobregas tropicais penduravam da ramagem.
     —Nesta hora, nesta fronda a poesia flui pola seiva da paisagem, polo sangue dos animais, pola agua dos regatos, poIo ar que inalamos! Não ...não digas nada. Não é preciso, lê-se nos teus olhos o que não poderiam expressar inocentes e torpes palavras.
     —Olá! Como vai, Soquinhas. Pensamos que neste ano te não veriamos por cá?— Dixo meu pai que saira ao encontro das vacas, já ao pé do espigueiro da minha casa.
     O Soquinhas guardou silencio, ensemismado, observando na reconstrução moderna do espigueiro. O ladrilho substituira à madeira de carvalho, o cimento à pedra lavrada...  Meu pai seguiu ainda uns instantes mais com o sorriso debuxado no rosto aguardando a resposta que o Soquinhas não deu. Negou com a cabeça apertando os beiços... Depois deu impulsos afirmativos adivinhando-se-lhe a contrariedade na cara.
     —O «progresso», eh!
     —O quê?— perguntara meu pai.
     —Nada...
     As vacas iam adentrando-se, com disciplina rigorosa, cada uma na corte correspondente. Eu seguim com os olhos e ouvidos uns instantes mais ao Soquinhas. Detivo-se novamente defronte a uma janela de um vizinho, recem arranjada com estridentes e modernos elementos que desentoavam na paisagem regia do granito, da cantaria lavrada polos antigos!
     —Criminosos, ignorantes, barbaros! —Bramou o Soquinhas sem que eu soubera polo quê, ainda que hoje quase o adivinhe.

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