Contos do Outono

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Anastasinho, o da filarmónica

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O autocarro ia transitando pola mesma estrada que anos

    O autocarro ia transitando pola mesma estrada que anos, muitos anos atrás, outros veículos semelhantes transitaram a mesma linha... Então ele era uma criança triste, apoucada, assustada e temerosa... A linha debuxava-se no horizonte extraviado daquela Terra Chã, algumas árvores iam-se movendo como delimitando porções, sortes ou quadrículas de propriedade...
    -Mãe, os carvalhos movem-se...
    -Não, meu neninho... Somos nós que avançamos...
    E sem embargo semelhava que as árvores iam em sentido contrário do autocarro endemoninhadamente velozes. O Anastasinho entrevia através das trevas da vida imagens duma timorata infância. Uma risonha vida inserida num espaço quase fictício. Agora os autocarros, que modernos! Ar refrigerado, vídeo, conforto... Na memória do Anastasinho há registada uma fotografia duns veículos com assentos de madeira e estruturas rectangulares e rudas. O interior inclusive é compartilhado ao cinqüenta por cento com animais. E iam avançando com lentidão caminho das feiras, por umas estradas cruelmente mulidas de croios vivos.
    Aquela fora uma feira especial. A mãe tinha que levar à venda coelhos, galinhas e ovos. A ele prometeram-lhe sapatos novos e algum brinquedo dos "Reis Magos"... Na noite anterior a inquietação do miúdo voltou-se num desassossegado inquérito:
    -Como é que são os "Reis malos", mãe?
    -Os "Reis Magos", Anastasinho... Fala bem!
    -Como são?
    -São três... E trazem brinquedos para os meninos que foram bons durante o ano...
    -O dia seis de Reis, feira em Sárria...
    -E o vintenove em Rubiám! -respostou o irmão, dous anos maior.
    -E o três em Castro de Rei... -replicou o Anastasinho.
    -E o cinco em Castrocão -disse o pai.
    -Não! -sementou a dúvida a mãe.
    Era a noite anterior ao "Seis de Reis", feira em Sárria. O Anastasinho receberia polo seu bom comportamento uma filarmónica de romántico som e cores vivas que impressionaram no miúdo, tanto que setenta anos depois ainda a conserva em lembrança daquele "Seis de Reis" que para sempre ficou registado no seu cérebro. Agora no outono da sua vida ali estava transitando de novo a mesma estrada que conduzia a Sárria. Regressa para lhe dar o último adeus ao seu irmão. O telegrama dizia, cru e brevemente: "Teu irmão faleceu, enterramo-lo o seis de Janeiro". Em poucas horas de Buenos ires foi plantado em Santiago da Galiza... Depois em autocarro até a inesquecível e muito mudada aldeia da sua infância.
    O Anastasinho andara tanto mundo que já se não lembrava com certeza das terras que ele pisara... As árvores continuavam movendo-se, ele desde a janela do autocarro comtemplava naquele espaço a cena das suas lembranças. Misturavam-se as ruas de Moscovo onde estivera de moço com a Patagónia ou os mares da Terra Nova.
    Anastasinho, o nosso país está-che muito mudado... Cousas da liberdade.
    Eram as palavras dum paisano que tinha viajado à Galiza. Mas ele agora vai por esta terra, da que leva ausente quarenta anos... (Em tantos anos é que um pode acreditar nas mudanças), na procura dessas mudanças para a liberdade... O que sim acha como sempre é o clima... segue a chover em Santiago, como não!
    -As estradas são melhores, hai mais e não ficam aldeias sem a sua pequena e estreita pistinha arranjada em vésperas de eleições!!
    -Certamente...
    No hotel informarom-lhe nas mais visíveis melhoras do país. O enterramento do irmão celebrara-se exactamente como ele tinha olhado antes de ter partido. O padre cantara as mesmas canções e na mesma língua! Disse as mesmas parvoíces e fixo os mesmos ritos...
    O Anastasinho experimentava agora um sentimento desconcertante... Ele que tanta saudade sentira da sua terra adorada nestes quarenta anos de ausência, ano arriba ano abaixo, agora sentia no coração a chicotada do que não tem onde plantar as raízes, o profundo espírito do povo a que pertencia... Agora tem ele que escarvar muito para achar um pouquinho de sintonia com aquilo que está a acontecer no país. É triste sentir-se estrangeiro na sua própria pátria!
    -Na Argentina sou "gallego" e na Galiza o que é o que eu sou? -perguntava-se o Anastasinho.
    Sabia-se tripulante duma última viagem na sua terra. Viera pola certidão de que nada ficava dele naquela saudosa aldeia. Enterrado seu irmão, que não tinha filhos, o nada já ancorava no espírito do velho caminhante. Mas, antes da partida quis visitar "os sítios". As leiras, lameiros, bosques onde de miúdo andara na procura de ninhos à vez que guardara nas vacas, ou simplesmente iam em grupo pendurar-se das cerdeiras ou ameixeiras para comer nas frutas destas árvores. Foi por aqueles bosques e por aqueles "sítios" onde tocou a filarmónica pola derradeira vez. Depois de ter interpretado uma melodia atirou-a no estanque do moínho, quis que algo seu ficasse no vale dos seus amores.
    De súbito uma dama vestida toda ela de branco entrou erguendo as persianas e marmurando:
    -Senhor Anastásio, arriba, são já as nove da manhã... Por que é que está o senhor a chorar? Por ventura não o cuidamos bem nesta residência? Pode-se considerar um privilegiado, "gallego", cá na Argentina não todos os maiores sem recursos moram numa residência como esta. Agradeçam-no aos seus paisanos do Centro.
    -Sonhava, minha senhora...
    -A propósito, deram-lhe o telegrama que chegou ontem da Espanha?
    -Deram...
    -Era o único familiar?
    -Era -disse o velho incorporando-se na cama.




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