Contos do Outono

Páxina Anterior

Neologismo metafórico

 

Acusam

    Acusam-me meus amigos... meus amigos? Ou devo dizer meus competidores ou colegas? Alguns seguramente o sejam, outros não! Acusam-me, como digo, de ser um escritor "politizado", "ideologizado", "mimético"... Mas um narrador pode-se permitir a omissão? Fazer algo só lúdico? Qué é o que é só lúdico?
    Caro leitor, vou-me apresentar: chamo-me Jorge Luís Argis da Pena... Seguramente ouviste falar de mim antes. Fizem de tudo já na minha existência dos trinta e tantos anos... Camponês, madeirista, camareiro, marinheiro, estudante, político de décima terceira ordem... Em fim que um pode morrer tranquilo quando logrou plantar uma árvore, escrever um livro e engendrar um filho? Eu nesse caso posso morrer em paz! Mas não, não seja que a dama de preto me tome a palavra! Desejo ainda, entre muitas outras cousas, demonstrar que sou capaz de escrever um relato lúdico, sem filiação política, sem país de origem nem grupo sanguíneo!
    Como dizia o Lúcio Anneo Séneca... "Não exijo de mim ser igual que os melhores, senão melhor que os maus"...
    De tanto acusar minha literatura de "política" -que cousa não o é?-, é que me propus ser melhor do que os maus literatos contemporâneos, do meu país, "lúdicos" e cómodos para qualquer formação política que governe ou "reine" no mundo no que eles vegetam.
    Aí vai, pois, o relato:
    Ana é uma bela dama de uns vinte e tantos anos que casou aos dezoito com Afonso, um rico terratenente do lugar, vinte anos maior. É um país tão rico e culto, sem desocupados nem analfabetos, que nenhum mal havia em ser o homem mais rico do mundo! Possuía Afonso um palácio de três mil metros quadrados, três andares, mobília de madeiras trazidas de países exóticos especialmente para o caso. Ele viajava pela Ásia visitando as inumeráveis impresas extratoras de petróleo e inclusive possuia minas de ouro na África do Sul... Mas nada mau havia nisso já que o Afonso doava anualmente miles de milhões, de unidades da moeda de seu país, de leite em pó e filmes para a nutrição das crianças do mundo preto. Nutrição espiritual corporal. Os filmes tinham muito êxito também entre os adultos, que formavam bichas até de dous quilómetros para os ver, á vez que eram obsequiados com um copo de nutritivo leite. Havia filmes de toda a classe... Rambo, Superman, Rocky13, etc.
    Nos arredores do palácio existia toda uma série de espécies arvóreas que fazem daquela estadia um lugar maravilhosamente ornamentado. Vinte hectares de jardins cultivados, de muros de mirtos simetricamente construídos, de lagoas com águas azuis, vegetação aquática e abundantes e variados peixes. Barquinhas e pessoas transitavam de lagoa em lagoa polos canais de união.
    O filho da Ana, sete anos e loiro como os trigais, recebia instrução de todas as matérias no palácio. Às sete da tarde passeava o neno uns minutos com seu professor de solfejo antes de trabalhar no piano duas horas. A mãe da criança observava-os desde um pequeno montinho, sentada num banco de pedra, acompanhada do seu cão... Com um sorriso leve no rosto lembrava as relações com o moço professor que agora instrui a seu filho em música. Estudaram juntos na universidade central e ela recusara-o pelo Afonso.
    O piano instalado num lugar do imenso jardim, soava grave e agudo; escalas e arpégios executados polo miúdo harmonizavam e davam fé da existência. A Ana ia aproximando-se devagar ao professor e aluno, num ritual animado por uma imaginária música celestial e lenta... O professor seguia atento com o ouvido as evoluções do aluno e com a vista no físico da ninfa dos seus sonhos primeiros. A transparência do fino vestido de seda da Ana despertarom nele as ânsias contidas pola compostura convencional. Ela, magra e bem formada, os peitos moderadamente abundantes, cabelos loiros e olhos azuis conformavam o núcleo das paixões do afervoado professor nos grandes jardins da Ana. Entanto o miúdo repetia uma e outra vez a escala de Si menor, composta de dous sustenidos na clave, o professor comprovava como ela ia aproximando-se cada vez mais num galanteio mortal e feroz, com a vista fixa nos olhos dele até que sua mão direita tocou os beiços do namorado que já era corpo abandonado aos desejos dela.
    A Ana continuou evolucionando ao redor dele sem perdê-lo de vista, se o corpo dava as costas a cabeça virava de jeito que os olhos sempre tinham um ponto fixo de observação. As nádegas adivinhavam-se nuas debaixo daquela infernal ornamentação que era a seda transparente e fina. O púbis suavemente mais preto dentro do conjunto branco semelhava uma paisagem do Miguel Ângelo dos nossos tempos.
    O professor de solfejo e a Ana correram lá detrás duns loureiros espesos e verdes, o miúdo punha música inocente ao primeiro acto daquela representação ao ar livre!
    Mas nada mau havia naquele desenfreio amoroso. O país, no seu aperfeiçoamento do sistema do "Summumconsumo", tinha chegado a um nível tão alto na prática do amor que nenhum miúdo se alterava por ver sua mãe "coquetear" com este ou aquele amigo da família...
É comum e habitual olhar a uns miúdos jogando com um computador, apostando sobre o número de coitos que logram certas personagens caracterizadas no monitor do aparelho. Outro brinquedo muito popular é o recorde de vendas que un paisano deles logra no quarto mundo. Para os habitantes deste "Sumumpaís" não existe só o terceiro mundo. A classificação chega até contabilizar dezasseis mundos submundos. Mas, para todos eles tem resposta este poderoso paraíso!
    Quando o filho da Ana terminou a lição do piano, esta e o professor de solfejo também concluiram a experiência do seu amor livre. A harmonia do parque agora era quase celestial... O miúdo corria e brincava com o cão, a Ana e o professor cortavam rosas e comentavam cousas felizes. Os criados também amostravam sua felicidade por toda a parte.


    Noutro lugar do planeta menos afortunado o Afonso celebra uma ceia, o desfase horário produz estas cousas, de trabalho com seus delegados neste país de gente de cor. O hotel é uma construção totalmente feita à imagem e semelhança do país do Afonso; menos no seu pessoal de serviço que é na sua totalidade nativo. Bailes exóticos com ritmos africanos agasalham os ilustres comensais.
    As bebidas circulavam sem freio, os graus de álcool iam elevando a entoação musical e de comportamento.
    Quando tudo era alegria e sexo naquele hotel africano, um cabo telegráfico informava ao Afonso de que graves acontecimentos sucedidos no seu palácio reclamavam a sua presença. Sem demora partiu no primeiro avião. Quando chegou às imediações dos jardins tudo se encontrava paralisado, enluitado. A tragédia anunciava-se no ar, na folhagem das árvores e até nos pequenos peixinhos que buliam nervosos nos estanques.
    No portão do palácio uma criada soluçando informou-o, dum jeito gráfico, sobre do que sucedera... A Ana perecera na tarde anterior a conseqüência da queda duma árvore sobre seu belo corpo.
    -Ai, ai, Senhor, foi horrível... Sua carinha machucada e ençoufada com terra preta, não parecia a nossa bela Ana!
    O Afonso abraçou-se ao filho que o aguardava num descanso da escada que dava ao primeiro andar. O meninho chorou a grito durante alguns segundos e depois, os dous abraçados, entrarom no quarto fúnebre. Ali estavam todos os membros da família, o professor de solfejo e alguns criados. Uma tormenta feroz à que se lhe desprendeu uma descárrega eléctrica partiu em dous uma gigantesca nogueira... O miúdo salvouse por uns centímetros! O professor de solfejo contou com detalhe ao Afonso.
    O infante músico nunca mais quixo tocar nos jardins onde sucedera a desgraça. O sangue da mãe corria na sua imaginação assim como a imagem última com rosto desfigurado. O palácio fechou-se e Afonso, com seu filho, trasladou sua residência a um país desconhecido; nunca mais se tiveram notícias.


    Caro leitor, esta é a história alegórica dum relato lúdico que eu, Jorge Luís Argis da Pena, um dia escrevi para um editor que não o publicou.

Páxina Anterior

Ir ao índice de Páxinas

 


logoDeputación logoBVG © 2006 Biblioteca Virtual Galega