Escritos sobre teatro

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ESQUEMA ARGUMENTAL DE OS VELHOS NOM DEVEM DE NAMORAR-SE
     A tragicomédia Os velhos nom devem de namorar-se, peça de literatura culta, nom pode possuir um esquematismo tam acusado como un texto tradicional, ou umha obra pertencente a um género infraliterário, por mais que tal obra -a suposta- apareça como composta por um autor individual. A literatura popular -o conto tradicional, o romance folhetinesco, rosa ou policíaco- articula-se mediante estereótipos que lhe imprimem um carácter arquetípico, e isto permite construir com facilidade o modelo estrutural do qual o espécimem é reaIizaçom. A literatura de intençom artística pessoal rompe aqueles moldes, e, nom sendo umha projecçom do inconsciente colectivo, apresenta-se mais rebelde a umha descriçom do padrom imanente que existe em todo produto cultural, mas nom escravo de traçados fixos quando o produtor se move com independência relativa no seu labor de criaçom poética.
     Porém, a peça de Castelao, mas que nom seja umha obra de origem popular, utiliza elementos da arte popular, imita conscientemente os procedimentos da arte popular. Desde logo, nom é umha obra ingénua, senom sentimental; mas ao mesmo tempo é ingenuísta, e tal ingenuísmo, ainda que se opom à ingenuidade folclórica, permite umha análise que muitas vezes nos autoriza a reconstruir ou revelar um desenho orgânico essencial caracterizado por simetrias e paralelismos semelhantes aos que constituem a armaçom da arte popular.
     A peça consta de três lances, que som ou pretendem ser versons distintas do mesmo drama. As personagens, logo, deverám funcionar analogamente em todos os lances. Para servir à demonstraçom apontada no título da obra, servirá-se o autor dos mesmos argumentos revestidos de distinta linguagem. Sendo a obra de carácter didáctico -ao menos a nível superficial-, as personagens especificarám-se pola sua funçom mais do que polas suas qualidades, serám actantes, forças temáticas sem psicologia, que se acharám em determinada relaçom coa acçom desenvolvida. Assi, poderemos estabelecer uns arquétipos aos que se reduzam por tríadas os principais actores da comédia. Claro está que a exactitude ou inexactitude com que isto se verifique dependerá da medida em que o autor -propositada ou involuntariamente- insira na sua obra elementos e orientaçons de tipo popular- quer dizer, na medida em que a sua obra seja ingenuísta ou ingénua.
     Nos três lances aparecem personagens reductíveis pola sua funçom a sendos estereótipos, pois as três partes do conjunto se definen como distintas formas de um mesmo apólogo, com umha conclusom moral que se expressa no título. O tema único: um velho namora-se de umha moça e morre em conseqüência, trata-se com três variaçons. Qualquer que leia a obra ou presencie a sua representaçom, percebe esta realidade, polo demais expressamente registada polo próprio autor no prólogo da farsa. Prescindamos do epílogo, que tem por objecto recolher num feixe as canas dos três foguetes espargidos nos lances, e tentemos ver de perto como Castelao modela em três variaçons o motivo que o seu texto desenvolve.
     Se for aceite a formulaçom do motivo -e nom vemos razons para discuti-la, -pois parece fundar-se na evidência- teremos que os elementos essenciais da farsa som os seguintes:
          1. Personagens
                         A) O Vello
                         B) A Moça
          2. Forças temáticas
                         C) O Amor
                         D) A Morte
          3. Relaçom de causalidade entre as forças temáticas.
     É um esquema entre os possíveis. Baseia-se na distinçom entre elementos antropomorfos e forças abstractas da acçom. Quer dizer, por um lado, os actores que representam seres que no mundo real tenhem categoria de pessoas; e por outro, entidades que nom tenhem esse carácter, ainda que o autor poda servir-se da personificaçom para no-las pôr perante os nossos olhos. Mas se tivermos em conta que tanto o Velho como a Moça como o Amor como a Morte desempenham um papel no progresso da acçom, podem todos reunir-se num so elenco de agentes do drama, considerados como personagens ou forças temáticas, distinçom que perderia relevância, ou que se neutralizaria.
     Partindo do esquema proposto vemos as seguintes realizaçons:
          1. Personagens
               A) Os vellos
                         a Dom Satúrio
                         a' Dom Ramom
                         a'' O senhor Fuco
     Vemos os rasgos que distinguem estes três velhos.
     A primeira vista ressalta a sua qualificaçom social. O senhor Fuco é un camponês; dom Satúrio é um boticário; dom Ramom é um fidalgo. Supomos que a profissom de dom Satúrio o situa socialmente dentro da burguesia. Nada se nos di da sua origem. Poderia ser fidalga, poderia ser labrega. A nossa interpretaçom é a de que nasceria num fogar da classe média. De todos os jeitos, a sua vida situa-o nela. Assi que as três classes sociais básicas estám representadas neste actante sujeito do drama.
     Se considerarmos a qualificaçom moral, observamos umha gradaçom análoga, mas inversa. O mais humilde polo seu sangue é o mais nobre. Nom podemos dizer que o Boticário se conduz imoralmente, mas o seu jeito de galantear a Lela nom nos permite equipará-lo ao senhor Fuco quanto à respeitabilidade. Dom Ramoncinho é um ser francamente degradado
     Assi temos:
                    Escala social                Escala moral
                         a'                                    a''
                         a                                     a
                         a''                                    a'

               B) A moça
                         b Lela
                         b' Micaela
                         b'' Pimpinela
     De Lela sabemos que tem um pai adoecido -é, pois, umha filha de família-, e que pensa casar com um carabineiro. Temo-la por artesá. Micaela parece umha aldeá, declara-se pobre, e nada nos di da sua família. Pimpinela é filha de labregos comidos pola miséria. Parece-nos que na jerarquia social, aqui claramente condicionada pola situaçom económica, Pimpinela ocupa o degrau mais baixo, e Lela o topo da escala.
     Quanto à ética da conduta, Pimpinela leva a palma. É honesta, e pensaremo-lo duas vezes antes de condenar que ceda à pressom dos seus pais e que case co senhor Fuco. Lela encirriquita o Velho, e logo bota mao do Carabineiro, que, como é forasteiro, morde mais facilmente em carne sovada15. Quanto a Micaela, a sua exploraçom do fidalgo em conivência com o português apresenta-no-la como umha desvergonhada sem escrúpulos. A ordem aqui é simétrica ao dos sujeitos dos distintos lances. Os objectos perseguidos correspondem-se respectivamente com eles.
                    Escala social                Escala moral
                              b                                    b''
                              b'                                    b
                              b''                                   b'
          2. Forças tematicas
               C) O Amor
                         c Amor de a
                         c' Amor de a'
                         c'' Amor de a''
     Como os protagonistas da peça apenas se caracterizan mais que pola paixom que lhes inspira a respectiva mulher -objecto, tanto na forma como no fondo-, a távoa de valores tem que corresponder-se exactamente coa indicada para o portador da funçom como sujeito de moralidade. Como, segundo vimos, a jerarquia do actor sujeito se corresponde coa do objecto, teremos a escala:
                         Amor de a'' por b''
                         Amor de a por b
                         Amor de a' por b'
     A ordenaçom moral das acçons coincide necessariamente coa ordenaçom moral dos actores, pois esses dous elementos estám integrados numha isotopia. A coincidência da ordenaçom das acçons coa jerarquizaçom dos objectos da acçom é contingente; mas parece-nos natural, para reforço da significaçom, que o autor observasse essa simetria. O sujeito mais digno ama o objecto mais digno, e o mais indigno o mais indigno.
               D) A Morte
                         d suicidio
                         d' intoxicaçom etílica
                         d'' fartura de felicidade.
     A única jerarquizaçon pertinente é aqui, como no caso do amor, umha jerarquizaçom moral -do ponto de vista da sociedade a que o drama está referido. É mui significativo do esquematismo da peça que esta ordenaçom de tipos de morte coincide coa dos sujeitos. Era de esperar que o carácter didáctico da obra levasse consigo esta correspondência. A morte configura co risco definitivo a fisonomia do que morre. Quer dizer, como nos contos de fadas, cadaquém recebe o dom que deberia receber.
     A escala é:
                         d''
                         d
                         d'
     Do que resulta que, se prescindirmos do aspecto social das personagens, os quatro elementos homólogos dos três actos da farsa jerarquizam-se -moralmente- com perfeita correspondência:
               a''           b''           c''          d''
               a            b            c           d
               a'            b'           c'           d'

          3. Relaçom de causalidade entre as forças temáticas.
     Afinal, o enunciado temático escolhido dá-nos notícia de umha relaçom entre os fenómenos indicados polos verbos, mediante umba locuçom consecutiva. O amor e a morte, assi, estam vinculados por umba relaçom que transporta o sujeito de umha situaçom a outra.
                         1. O Velho ama --> 2. O Velho morre.
     O amor é a causa da morte. A morte é conseqüência do amor.
     O trânsito de namorado a morto que lhe acontece ao protagonista, pode ser considerado como a peripécia, a mudança da fortuna que marca o desfecho da tragédia segundo a teoria aristotélica. Esta mudança de fortuna, ao procurar a catarse, é para piorar. Isto é, constitutiva de catástrofe, como na maior parte das tragédias clássicas.
     É que, na verdade, Os velhos non devem de namorar-se reúne as condiçons essenciais de umha tragédia clássica. O seu herói é um actante neutro, que nom tem mais carácter do que lhe dá a sua idade. Comete o erro de enfrentar-se co destino ao pretender um objecto que está naturalmente fora do seu alcance. Está incurso na hybris. Sobrevém a némese conseguinte. A morte é a sançom com que se restaura a ordem moral rompida polo abusivo proceder do herói. Ao cobiçar a Moça, o Velho quer igualar-se aos Deuses, que nom conhecem a Velhice. E os Deuses condenam a sua vaidade sacrílega lembrando-lhe do jeito mais prático que é um simples mortal.
     Mas o tema trágico está tratado com umha perspectiva cómica. O humor de Castelao procura os rasgos caricaturescos de umha situaçom que está chamada a promover a dor e a compaixom no espectador do drama. A obra é, pois, umha tragédia disfarçada de comédia. Umha tragicomédia, pois.

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