Gris cinza

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II. FOTOS EM SÉPIA (PROSPECTIVA)


                "Agora o meu corpo mailo horror camiñan xuntos." (Alfonso Pexegueiro)


ABSTRACÇÃO

Castanho e vermelho, a espátula
retoca volumes:
no centro uma gota, lágrima.
Não seres mais que
borrão residual,
fluidos,
desbocada paixão para
que contem que
este frémito no coração
faz sentido.
"Que passa?". Descobriste
o amor: infinito,
que diz Céline,
ao alcance de um cão.

Castanho e vermelho,
um abstracto.


UMA LARANJA

Se apoio a frente na brancura e me hipnotiza
a raia vertical entre azulejos, concentro-me e dói
menos; só vejo nos restos de negrura um túnel que
me abisma. Não posso agarrar nada, resvalam-me
as mãos abertas na cerâmica; também não
ajoelhar-me: sustém-me pelas ínguas, presa
singela; e até às vezes levito. Riso dá-me, se não
fosse pelo cheiro de urinário e o humilhante de se
pôr em valor por umas notas de vinte euros...
Se (ao menos), como a Abdellah Taïa, me desse uma laranja
!


MUSEU DE VIDA

Colagem. Pequenos pegões
quadrados azuis na terra,
envoltórios brancos:
restos de noite, ressaca amorosa.
Chegarem com o carro, momento inter-
médio: música, contacto;
escuridão interior em silêncio
estrelado de verão. Sentirem beijos,
humidade. Pintarem prazer e
deixar pegada, verde rendilhado
de bainhas e remendos
marca Durex: firma
no quadro da galeria que
visito em passeios,
solitário pela beira,
cada manhã, do rio,
atoado o coração farto
de (des)amor e cultura
de museu.


BÁSCUAS

Cubos amarelos na praia
enxergam, janelas como olhos,
ilhas pasmadas. Nos alcantis
ao solpor começa a dança:
a aba da montanha precipita verdes
para as águas, azul pespontado de cristas brancas
que lambe vermelhas rochas quentes;
sombras refugiam-se em covas. Desde o bar,
sabor salgado (de frutos do mar)
nos lábios, fito cansado
o negócio de corpos, morenos, lustrosos: febre
passada que aboca ao estertor; cenas
de caça, velhas. À minha beira liberam risos
dois efebos veraneantes. Evocam-me com susto
gargalhadas cadavéricas:
paixão de esqueletos entre tojos
que se vivesse em Báscuas
pintaria Brueghel.


ANIMALINHOS

Animais envenenados: ratos grises,
olhar de alfinete; toupeiras azuis
extraviadas em túneis brancos.
Pássaro de inquietas asas
decapitado por aspas vorazes de cantareiro
ventilador eléctrico. Cria de gata
siamesa nas fauces de Tobi, palheiro
que não sabe de estética. Animaizinhos
meus, único próximo.


OS TRISTES

Manhã gris nas janelas,
frio alumínio
O fluorescente treme em brancos
azulejos
(ar de hospital)
Um cacau tépedo
Meio dia para leres jornais, sem pressa
Cada bocado ressoa, eco
sob o remusmus monocorde
de notícias
De escolheres sesta ou tele-
série, a tarde encurtar-se-á;
o passeio será horizonte
fílmico de verdes esperança,
horas de animada conversa Depois, noite:
com quem sonharão
os tristes?


TREMEDAL

O trânsito (des)debuxa-se; foi
a rota que afastou, tranchou,
queimou monte: fumega ainda
um velho cemitério com flores
de plástico, enreixado. Mortos,
continuarão a sonhar?
No tremedal deteve-se o
lume. Começamos logo um andar cansado,
cujo passo marcava derrota;
mas havia que fugir, continuar
fugindo até nos encontrarmos de novo
com passado. Foi
a elipse mais clara; tardia
metáfora de tempo, sacrifício,
afã perdidos: tremedal
baldio.


ESCOLA (IN MEMORIAM)
                                                   (Ao avô, que se afogou no rio,
                                                   e a Dina, testemunha do meu atropelamento)

Estado da vila que preocupa,
e consequências.
Lembras lameiros, socos empapados,
escola de Lolinha e Ponte Velha
(suicida).
Leite em pó de dona Amélia,
medo de cruzares estradas
sem passos de peões na época
(homicidas).
Antecipação, prelúdio ou desígnio:
Academia Rosalia de Castro,
icone que impensável avisa de futuro.
O futuro morreu, agora;
as consequências nem che preocupam.


MEA CULPA

Tempo e cérebro irreversíveis:
poupar
à natureza todo o excesso,
enterrada docência entre
idênticos,
política em minúscula...
Ao fim só fica
rotina encadeada,
contas de ideológico rosário;
e ao fundo, tu, no azougue do espelho,
a ponto a gargalhada
iracunda, maldita.
.........................
Preferiria não tê-lo feito mas
nem sou Bartleby, o escrevente, nem
saberia em que matar a vida.


FOLHA DE SALVAÇÃO

Solidão: sobras; falta um mínimo
fio, afecto, ideias, que vincule
com quem outrora fostes corpo, luta, sonhos...
Para nada, desandas o périplo,
trabalhos inúteis, a vida;
ficas, à frente
horizonte limpo de esperanças.
Flutuador, a língua, trás
o naufrágio: começas a tecer tecido pretendendo obviar
a afronta, cenreira; e a entrever
a folha em branco, antecipo de poema,
única tábua salvadora, derradeira.

 

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