A Tábua Ocre de Núbia (ou o Significado da Vida)

Páxina Anterior

Quadro IV: Cena 1ª.

Páxina Seguinte

v2jguisantabuaocre007.html
Quadro IV
São Nicário Ateu

Cena 1ª

 

     No escuro ouve-se ainda a voz do Secretário/Coordenador.

Voz do Secretário/Coordenador.- Tem o uso da palavra o padre Alexei Konstantinov, do Centro de Altos Estudos Paleocristãos “Santos Cirilo e Metódio” de Jerusalém, fundação científica da Igreja Ortodoxa Russa para o Próximo Oriente … Ainda que, no seu caso, seria mais lógico dizer “para o Próximo Ocidente”…mas, enfim… queria tão só conceder o uso da palavra a Alexei Konstantinov.

     Acende-se a luz. No pano aparece um pope ortodoxo de barba e touca pretas. As mãos actuam agora com movimentos e gestos mais hieráticos: monásticos às vezes, outras carismáticos, e algumas mesmo encomiásticos.

Padre Alexei Konstantinov.- Sinto, deveras, que seja o meu dever começar rejeitando tudo quanto aqui se acaba de manter acerca da datação dessa placa de argila gravada que o mundo científico conhece sob a denominação de “Tábua Ocre de Núbia”. Ainda que estejamos a falar para um auditório com a suficiente formação nestas disciplinas como para não ter tomado boa nota já de quanto eu vou dizer, sinto-me na penosa obrigação de fazer as seguintes aclarações.
     Em primeiro lugar, mesmo as provas de isótopos realizadas carecem do menor valor, por quanto, como qualquer aluno de arqueologia deve saber, só serviriam, em todo o caso, para determinar a antiguidade do material, não a do objecto, e muito menos das inscrições nele elaboradas.

     Alguns aplausos prefabricados atroam através dos altifalantes.

     A respeito da presença de óxido de ferro e alumínio, permitam-me que sorria, porque, se déssemos um passeio pelos arredores, não deixaríamos de encontrar centos de minerais com essa composição, e nem por isso poderíamos concluir que nos encontramos, agora mesmo, sobre o solo da Islândia.

     Ouve-se nos altifalantes o eco de umas gargalhadas que, muito provavelmente, o público não proferiu. As mãos do pope fazem um ponto e aparte.

     Agora, falando já a sério: no departamento de paleografia do Centro de Altos Estudos Paleocristãos Santos Cirilo e Metódio, de Jerusalém, temos procedido a uma análise exclusivamente paleográfica da Tábua, a fim de não perturbar o seu estudo com elementos históricos ou arqueológicos (e muito menos com jogos de química recreativa) (Ouvem-se alguns risos esporádicos) que podem ser muito interessantes, não nego, mas podem também afastar-nos daquilo que verdadeiramente interessa: a sua interpretação.
     Estamos a partir de dois factos, aparentemente inegáveis: 1º) a Tábua está escrita, e 2º) O alfabeto, ou sistema de escrita, utilizado, é-nos absolutamente desconhecido. Bom. São realmente tão irrefutáveis estes factos? Se eu pegasse num pincel…

     Uma mão sai, e regressa ”empunhando” um pincel do tamanho de uma vassoura.

     … e num papel…

     A outra mão sai e volta com uma folha de papel proporcional ao pincel.

     … e começasse a pintar o retrato, por exemplo daquela menina… (As mãos, com uma dificuldade que não tem que ser fingida, esboçam uns traços confusos) …e de repente alguém me chamasse e deixasse o retrato sem acabar… (Interrompe a acção) …não poderíamos deduzir que esta folha representa um extraterrestre, nem as fases da Lua. (Ouvem-se novos risos) Não, representa a menina. É o retrato da menina, mas sem acabar.
     Essa e não outra é a nossa tese. A Tábua está escrita, sim, mas… quem nos pode assegurar que está “acabada de escrever”? Considerando os caracteres nela gravados, não como signos acabados, mas como partes de signos sem completar, então sim, a Tábua Ocre de Núbia admite uma interpretação fidedigna.

     Uma mão sai, “trazendo”, a seguir, uma folha com os signos da Tábua representados.

     Como todos esses signos apresentam, sem dúvida, uma orientação horizontal característica (com a única excepção desse signo central)…

     Com o pincel traça um círculo ao redor de um signo que lembra vagamente uma cruz irregular.

     …a solução estava clara: ao alfabeto que tivesse sido empregado na sua confecção, faltavam-lhe apenas as linhas verticais. E isto lembrava muito o sistema de trabalho dos primitivos cenóbios coptos, em que, para a elaboração de estelas e lápides (sobretudo funerárias), repartiam a tarefa entre dois monges, lavrando um as linhas horizontais e executando, a seguir, as verticais um outro. Um claro antecedente das técnicas modernas de divisão do trabalho. Esse signo central, de que falámos antes, encaixa, assim, perfeitamente no conjunto: trata-se da cruz que presidia ao texto dessa estela funerária.
     Depois de longos anos de calado estudo e interpretação à luz da Paleografia Paleocristã, estamos na disposição de poder comunicar a este Congresso que os traços gravados em dita Tábua não representam senão as linhas horizontais de um texto que ia ser escrito em caracteres do alfabeto copto menfítico (origem, como não podem deixar de saber, do actual alfabeto Russo e de outras Língua eslavas) Um texto inacabado, que nunca se chegou a completar com as suas correspondentes linhas verticais, por razões que também nos encontramos na disposição de poder explicar.
     E estamos na disposição de o poder anunciar, porque, realizada a oportuna transposição…

     A mão que tem o pincel começa a riscar o papel e, efectivamente, ao acrescentar-lhe algumas linhas verticais estrategicamente dispostas (Bom. E alguma linha oblíqua e alguma outra curva) o texto começa a ter tal aspecto de texto russo, que mesmo os mais exigentes duvidariam que fosse copto menfítico.

     …obtemos um texto escrito nesse alfabeto. Um pequeno texto, sim, mas um texto coerente e com sentido, e, sobretudo, um texto que podemos identificar, comparando-o com outras fontes manuscritas (papiros da colecção Hoffenmayer, 144 B e 175 A e B).
     Temos decifrado um pequeno fragmento apenas, mas encaixa às mil maravilhas (Pensa um pouco, e o dever de humildade obriga-o a rectificar) …bom, suponhamos que encaixa às novecentas e tal maravilhas, para não exagerar, dentro de um outro texto mais amplo e conhecido de todos os comentaristas da historiografia cristã, nomeadamente dos primeiros séculos da nossa Era. Trata-se de “A Vida de São Nicário Ateu”, uma hagiografia apócrifa, que corria entre as primitivas comunidades cristãs (e não só) não sabemos se para edificação ou para escândalo.

     Vai-se abrindo o pano e as mãos dirigindo-se a esse retiro monacal a que já nos vão tendo acostumados.

 

Páxina Anterior

Ir ao índice de Páxinas

Páxina Seguinte


logoDeputación logoBVG © 2006 Biblioteca Virtual Galega