v2monchodofidalgocontosdefadas002.html
J. R. Queixomariu Fidalgo encontrava-se
de viagem na cidade de Berna para uma posta a ponto sobre a tecnologia moderna dum novo modelo de
produtos da Brown-Boveri. Fora enviado em qualidade de tecnico de uma empresa transnacional
iberica.
Estava já num hotel depois de percorrer as instalações da BB num bairro
periferico. O J. R. sofrera uma mutação mental a consequencia da sua estadia na Confederação
Helvetica. Não era proprio dizia-se
que trazendo preocupações tão grandes devido à imensa responsabilidade o pensamento se lhe fora constantemente a situações
vividas há quatro, cinco
e até dez anos!
Desde o quarto do hotel ouvia-se o ruido da agua da chuva bater sobre umas chapas metalicas que havia
perto da janela exterior. Desde que chegara não cessara de chuviscar.
Uma mistura de saudade, nostalgia e desejos de recriar-se em momentos felizes da sua vida passada
atormentavam-no da manhã à noite...
Lembrava os momentos mais insignificantes e convertia-os, na imaginação, em veladas trascendentais, como
gravadas numa fita de video projectava-as uma e outra vez sobre uma pantalha inexistente.
Cima da mesa, no luxuoso quarto, pousou uma pasta que previamente retirara de cima da cama. Tirou do seu
interior uma caneta e algumas folhas de papel em branco. Como guiado por um mando electronico de frequencia
concertada e mnipulado por uma mão suprema, pusso-se a imprimir garavatos que pouco a pouco iam tomando
forma grafica e legivel.
«Meu caro tio começou
recordo-te lá no fundo do meu cerebro, quase com uma imagem borrosa, e não
sei por que estranho motivo traze-me uma perfeita sintonia espiritual e sumamente confortavel. Como se formos
materia do mesmo corpo, lembro que os seus desejos de voltar à patria são comuns aos meus. Só uma
discrepancia. Entanto para você a patria é a que lhe ensinaram na escola... Para mim a patria é aquela que me deu
o idioma que falo, a que talvez me expulsou porque no fundo quixo que a observara com olhar distante e
saudoso.»
Pouco a pouco ia tomando forma de carta o que escrevia o J. R. sobre a mesa daquele quarto do hotel
da cidade europeia.
«Lembra aquela vez em Lugo, passeando pela muralha dos Romanos? Como deleitava o seu espirito recordando!
Falava-me da sua criança, dos seus pais, dos seus irmãos, das cousas que aconteciam naquela aldeia em que anos
mais tarde nascim eu. E tudo contado nesse sotaque da sua Argentina altiva e para mim estrangeira... Nessa
Argentina de brancos. Na Argentina das Malvinas, para sempre será a Argentina das Malvinas! A Argentina dos
«milicos» ...Ou a «quinta provincia» da nossa Galiza ... Dito seja sem ansias imperialistas! Lembra: roubarom-nos
a patria, trocaram a ortografia da nossa lingua, mas não poderão domar os nossos corações de patriotas-exilados!»
Naquele instante alguem chamou à porta. Era um companheiro de trabalho que o procurava para o
acompanhar a cear.
Interrompo? perguntou o individuo, ao observar a tristeza nos olhos do J. R.
Não. Espera-me no
comedor.
Continuou escrevendo o J. R.:
«E para terminar direi-lhe que aquela vez que ficara de o ir buscar no dia seguinte, à casa dos seus familiares
de Lugo, recorda? Não fum porque não era eu bem visto naqueles dias por ali. Desculpe.»
Depois introduziu o papel na pasta loira, fechou-a e aos poucos minutos ceava, junto com seu companheiro,
no comedor do hotel.
Apenas comeram o primeiro prato, uma rapariga duns vinte anos, loira e esbelta, tocava o acordeão
cromatico com uma soltura e dominio de virtuosa. Interpretava uma partitura de musica do pais. O J. R. seguia-lhe os
dedos da mão esquerda com a vista... Iam dos contrabaixos aos baixos fundamentais para acariciar logo a
setima dominante... Depois passavam aos acordes maiores e menores para seguir com os baixos só.
Que maravilha!
exclamou o J. R.
O companheiro olhou para ele, sorriu e dixo:
Gostas do acordeão?
Muito! Fixa-te como passa a escala completa com a mão direita. E incluso salta intervalos compostos sem
mirar para o mastro, executando semicolcheias! É muito boa ...
Eu sou um negado em musica
comentou o companheiro.
O companheiro do Fidalgo saboreava ensemismado os exoticos pratos servidos por belas e elegantes
camareiras. O J. R. seguia na sua metamorfose mental percorrendo momentos e situações passadas.
O som do acordeão extinguia-se.
Sabes!? exclamou de subito o
companheiro quase não me sinto menos estrangeiro cá do que nas
cidades da Galiza!
Sim? dixo distraido o J. R.
Cavila no ridiculos que resultam, desde este maravilhoso local, os complexos e os autoodios de
parte da
nossa gente... Que degenerescencia de sociedade!
Porem, temos que impor a musica e a poesia às nossas gentes, para afastar tanta ignorancia e
insensibilidade soltou arroutadamente o Fidalgo, como se a sua
ausencia lhe provocara certo desgosto momentaneo.
O divirtimento, a companhia feminina e o alcool fizeram que naquela noite não se falara mais de
nostalgias, complexos, metamorfoses mentais e sentimentos de deslocamento na propria patria.
No dia seguinte o avião retornou-os à realidade do pais como fizera, por momentos, a acordeonista de Berna.