Seguindo o caminho do vento

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As férias

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No outono da vida as folhas caíam irreversíveis uma a uma deixando o arvoredo murcho e cinzento

    No outono da vida as folhas caíam irreversíveis uma a uma deixando o arvoredo murcho e cinzento. O ventarrão do inverno viria a dar-lhe o último abalo ao velho carvalho que irremediavelmente deixaria passo à folhagem da nova vegetaçom. E voltariam as andorinhas, e volveria-se ouvir o cuco na floresta.
    Corria o mês de Setembro do 1982; já ficavam atrás tantas cousas... Os anos foram-se-lhe acima ao Aveiro, sem dar-se conta aproximava-se aos trinta. E o pior do caso -dizia-se- era que passaram voando! Fazia uma avaliaçom da sua vida. Das cousas que fizera nesses anos e nom atopava facto que lhe permitira dar-se por satisfeito da existência.
    O Ricardo Aveiro dispunha-se a empreender uma nova viagem para a Galiza, nesta ocasiom ia de férias. Uns dez dias, o resto desfrutaria-o noutras datas. A mãe padecia uma doença e escrevera-lhe, lamentava-se do pouco que visitava Vilavelha. Que se fôra a ver a Colensa e nom se deixara ver pola aldeia, que se isso era querer aos pais? A fim Aveiro, doido, ia com o propósito de passar os dez dias com os seus. Prometia nom pisar Lugo... Valente presunçosa! Primeiro diz que me ama e logo...
    O carro deixaria-o em Madrid, à terra ia-se deslocar em aviom. No relógio do comedor som as oito da tarde, às dez partia o voo e tinha ainda que arranjar as cousas. A habitaçom está revolta, a cama sem fazer  e em cima das duas cadeiras pendem camisas, calças e até alguns slips. Quando estava o Ricardo mais atarefado no recolhimento soou o telefone:
    -Vaia, quem será?
    Ao ir colher o aparelho, apressurado, arrastou uma cadeira com ele e fizo-lhe perder o equilíbrio, repuxo-se
de imediato e apanhou o auricular:
    -Estou -diz quase gritando.
    -Pedro Rivelo -ouviu-se ao outro lado do fio.
    -Homem! Que milagre, precisamente estou preparando a viagem para aí...
    -Muito oportuno. Vou dar um banquete aos melhores amigos e espero ver-te!
    -Quando é?
    -Verás, chamei-te vários dias e ninguém respondeu lá! Será amanhã; estarãm Toninho, Ribeira, Afonso e algum que outro mais ...
    O Pedro estava emocionado, seria uma festa grande, contava que era devido à abertura de um restaurante, o segundo em Lugo. Os assuntos do dinheiro pareciam ir-lhe bem.
    -Como progressas, eh!
    Falarom de como estava em Galiza o alugamento dos carros. O Aveiro pretendia colher um em Santiago para deslocar-se a Vilavelha. O Pedro informou-o disso e de que tinham aberto um novo hotel em Lugo, o HUSA, nos baixos havia uma discoteca... O Pedro nom esquecera aludir sempre com segundas intenções. Sem perder tempo, Ricardo colgou o telefone, arranjou o quarto um tanto e desceu a tomar um taxi para Barajas. O sol descia lentamente e já nom queimava apenas.
    -Que horror -comentava o Ricardo com o taxista.
    Eu nom suporto o calor deste Madrid.
    -Pois já menos mal! Agora nom creio que siga por muito tempo...
    No aeroporto havia certo remoinhar de gentes... Anunciaram a colocaçom de uma bomba.
    -Mas seica é falso -dixo alguém informando ao Ricardo que se dirigia à recepçom.
    Hesitou ,um pouco... Mas ao observar que a gente ia entrando de novo ao recinto, ele também. Os murmúrios das pessoas iam amainando. A imagem era pitoresca nas planícies prévias ao aeroporto propriamente iam e vinham sujeitos com rosto de circunstância...
    -O mau será quando a ponham de verdade -mussitou uma senhora.
    Quando o aviom despegava, o Aveiro pensava nos acidentes aéreos. Fazia contas dos ocorridos nos últimos meses. Foram tantos que albergava a esperança de que o cupo estiver coberto por uns meses mais! Um senhor maior comentava o cómodo que resultava viajar em voos deste tipo. Além disso quando se é velho o único que importa é viver cómodo ignorando os perigos...
    O Aveiro nom pegara no aviom desde a viagem à Itália e Grécia. Perguntava sobre os carros de aluguer, o senhor do assento contíguo dava pelos e sinais de tudo:
    -Nom se preocupe, quando cheguemos a Santiago perguntaremos-lhe ao meu condutor, ele informará-lhe...


    No aeroporto de Compostela havia sujeitos cantando toda classe de informaçom, taxis, carros sem condutor, hoteis... Chegara também um voo da América e produzira-se um inusitado barulho.
    Decidiu-se por um Ford-Taunus, cor verde azeitona, modelo 1600 gl. Em qüestom de 2 horas rolava pola estrada secundária que leva a Vilavelha desde a geral. Os seus iam na cama, eram horas de pousar o esqueleto para no dia seguinte continuar os trabalhos do campo. Por uns momentos sentiu algo de remorso... Comparava a sua vida, acomodada e até burguesa, como a que levavam na sua casa; guardou o carro no pendelho, fechou-o introduziu-se na morada sem apenas cometer ruído... Sabia os segredos da casa...
    No seu quarto havia roupa de cama e alguns trastos mais por todas partes; em cima de um banco várias gojas com roupas recém-lavadas. Ninguém tinha cambiado a lâmpada que fundira. Decidiu ir para junto do irmão, entrou silenciosamente para nom despertertá-lo, mas resultou inútil:
    -Quem vai? -perguntou Manel sobressaltado.
    -Tranquilo. Sou Ricardo...
    -Um dia vam-che dar com um melandro na cabeça.
    Deu meia volta na cama e ficou a dormir. O Ricardo terminou de tirar a roupa, escutou-lhe a respiraçom ao irmão:
    -Que bárbaro, quase nom se lhe ouve!


    De manhã havia que ver a cara que lhe puxerom quando dixo que sairia para Lugo polas dez.
    -Leva a leira de patacas do Lameiro arada dous dias, nom nos botas uma mão? -perguntou o pai.
    O Ricardo ficou pensativo, como duvidando por uns momentos. A mãe rifava com o marido, para uma vez que vem ...
    -Nom sejas assim, homem! Tem razom o rapaz. Lamentava o Aveiro ter nascido no seio de uma família camponesa. Prometera estar em Lugo e estaria!
    O almoço estava programado para as duas da tarde. Era preciso sair com o tempo suficiente, ademais queria
passar-se antes polo Central. Com o Ford verde saiu a toda velocidade! Era um dia esplêndido, quase nenhuma nuvem no céu. Os verdes intensos dos lameiros de rega contrastavam com o quase amarelo dos prados recém segados para erva seca. Vilavelha estava, por outra parte, como sempre. Algum velho morto na ausência. O senhor Manolo do Carpiteiro ficara, coitadinho! A senhora Edelmira do Ferreiro também, de cancro. As gerações mudam... A vida continuava. Apenas quarenta minutos e Ricardo tomava café no Central. Recordara as horas que lhe levava sempre ao senhor Paraná fazer esse mesmo trajecto, com aquele modelo dos anos sessenta. Claro que sempre se detinha na Póvoa a tomar um refrigério.
    Depois da dilatada ausência o Aveiro começava de novo a sentir-se a gosto em Lugo. Lia a imprensa sentado numa cadeira sob os suportais à sombra. Indignava-o o conflito armado entre a Argentina e a Grãm-Bretanha.
    -Estes cabrões dos imperialistas ocidentais! Que filhos do demo, como se unem para defenderem os seus
inconfessáveis interesses.
   -É que todos tenhem algo por aí -comentava um camareiro -, se som os franceses que pintam com ilhas na América? Os ingleses, holandeses ...E mais que abster-se Espanha na ONU?
    -Sim, é certo. Vergonha tinha que dar-Ihes ...
    -Nom a tenhem.
    Imediatamente que se falou meio de política, aproximou-se um senhor de idade avançada, cabelo branco e com um casaco cinzento:
    -Se me permitem direi-Ihes que o único que pode afastar a ameaça que se aproxima da terceira guerra mundial é uma revoluçom popular! Os imperialistas estãm pondo o mundo ao bordo da catástrofe. Olhem senom para os ianques, às ditaduras que eles apoiam ... O Ricardo escutava ao velho com sumo interesse. No fundo dava-lhe razom. Mas a revoluçom popular trazeria tantas mortes... Estava além disso longe. Nom se davam as condições objectivas para intentá-Io.
    -Nom? -exclamou o velho. Quando o desemprego chegue ao quarenta por cento... E esses desgraçados nom tenham que levar à boca, onde vãm ir?
    O velho soltou uma gargalhada à vez que pegou uma punhada numa mesa, recolheu a imprensa debaixo do braço com amabilidade:
    -Rapazes... Lembrai que as massas precisam guia instruída, do contrário a burguesia socialdemocrata apoderar-se-á da nossa revoluçom pendente! Até outra melhorada...
    O Ricardo perguntou logo pola identidade do teórico. Dixerom-lhe que um nacionalista que regressara fazia pouco do exílio. No entanto, o relógio do Palácio Municipal dava as treze e trinta. Havia que ir levantando e enfiar para a rua da Marinha. O banquete aguardava!


    As portas granate do restaurante alçavam-se ante os olhos do Ricardo, de madeira e recém vernizadas. No interior um amplo local albergava a barra, trinta mesas de madeira com as cadeiras fazendo jogo. Um apartado para exposições, com úteis para fazer a queimada e o próprio bagaço. O Ricardo abraçava aos velhos amigos. Apresentarom-lhe as esposas dos que casaram. Também a alguma rapariga solteira... Entanto as mulheres falavam das séries da TV e da vida dos actores os homens tomavam um vinho da terra. O local permanecia fechado ao público, o Pedro contava-lhes o seu procedimento para conseguir uma aguardente que já colhera fama em toda a cidade. O primeiro passo resultava de fazer-se com bulho de Portomarim, o pior vinho do país mas de onde saia o mais esquisito dos bagaços. Às duas e vinte minutos estavam comendo o primeiro prato. O horário ia-se cumprindo rigorosamente:
    -Já che dixem que na minha casa a comida é pontual.
    Os comensais assentem às indicações do Rivelo que fala de contínuo dos seus investimentos e dos projectos em estudo. Alguma mulher das presentes franze o cenho de inveja!
    O Ricardo divertia-se observando a tras-tenda dos pensamentos daqueles que pretendiam passar por amigos. Fôra sempre inimigo das comidas tumultuosas, gostava mais da sinceridade dos bons amigos. Poucos mas leais.     A capacidade para aturar a mulheres insidiosas estava-se-Ihe esgotando ao Aveiro. Na sobremesa ria com o Pedro sobre o particular. Contava-lhe ao ouvido:
    -Cuida-te da inveja!
    -Já sou imune...
    Alguém perguntou sobre umas pequenas colaborações que o Ricardo vinha fazendo numa revista galega de humor. Ele restou importância e dixo que eram simples "experiências" de afeiçoado.
    -Pois és um experto afeiçoado! -riu Toninho.
    -Nom escreves poesia agora? -perguntou o Afonso.
    O Ricardo tomou-se tempo, engoliu a sobremesa e dixo rindo:
    -Nom me amargues o almoço, hom!


    Às quatro da tarde tomava o Ricardo um conhaque de novo no Central, fazia projectos de sair de Lugo, duvidava de se passar a tarde em Sárria ou tirar até Vilavelha. Antes de se decidir por alguma destas ideias, uma voz feminina saudava-o estranhada:
    -Olá! Mas que fas tu cá?
    Virou a cabeça dando com os olhos na Colensa Lopes...I ncorporou-se para saudá-Ia, deu-lhe um beijo no rosto e dixo:
    -Cada dia estás mais bela!
    Ela puxo-se corada, o sangue fluía-lhe polo rosto. Acompanhava-a uma criança pequena de uns cinco anos.
    -E logo de quem é?
    -Sobrinha...
    -E isso?
    -Pois... Estou só com ela. Meu marido está de viagem, minha mãe de férias na Castela e deixarom-me esta menina para que me nom perda!
    -Ah! Compreendo...
    Um suave vento difundia os aromáticos olores da vegetaçom ,a Alameda. A calma reinava sobre as ruas adjacentes, sobre o azul claro do firmamento os vencelhos, as andorinhas e os pardais debuxavam figuras improvisadas.
    Depois de uns instantes de socarrona conversa, Colensa contou que ia à compra, se prometia jantar com ela mercaria para os três. Ele apressurou-se, aceitou encantado. Deixou voar a imaginaçom e olhava-a de cima para baixo, douradinha da praia, estava bela como nunca. Colensa baixava a vista para o chão cada vez que o Ricardo a observava. Podiam-se-Ihe ler os desejos no fundo dos olhos. Ela decatou-se e tratava de pôr freio! Mas a influência magnética do Ricardo naquele dia com um "chisquinho" de metílico, era imparável.
    Quando subiam no elevador já de regresso para a casa a Colensa tremia, era incapaz de ocultar um certo nervosismo. Ele lembrou que aquele estado produzia-se nela quando a natureza chamava às portas do desejo. O Aveiro intensificou entom os olhares, quase lascivos e provocadores. Ela com dessimulo chamou-lhe obsceno e avisou-o da presença da menina.
    Quando ela abria na porta do apartamento o Aveiro tivo por uns segundos a visom estranha de estar contemplando ao senhor Paraná... Assustou-se um pouco, ela sorriu e convidou-o a entrar primeiro... Duvidou e logo introduziu-se em silêncio. A criança pediu brinquedos, bonecos para fazer-Ihes comida -dizia -, Colensa entregou-lhe vários e levou-a para um dos quartos que dava para a muralha. Em retrospectiva, ele lembrava quando foram surpreendidos num dos quartos perto da cozinha! Permaneceu impávido aguardando-a arrimado à marcagem da porta que unia a varanda com a cozinha.
-    Coitadinha! E como um anjo, já nom temos criança... -dixo Colensa de volta do quarto.
    O Ricardo fechou as portas da cozinha por dentro, ela permaneceu em silêncio arrimada à mesa, depois colocou as cadeiras e buscava cousas que fazer, quiçá num intento desesperado de fugir do acoso, o Aveiro aproximou-se-lhe rindo, colheu-lhe as mãos e apertando-as dixo:
    -Dá-me um beijo, meu amor!
    Por uns minutos o silêncio convertiu-se num linguagem eloquente. Os corpos convulsos retorneavam-se de mil maneiras. A mesa, as cadeiras, tudo se movia ...
    A presença de um vulto ao pé da porta confirmava que a menina deixara de interessar-se polos bonecos. Entanto a Colensa se punha visível o Ricardo escutava dizer à criança:
    -Dá-me a boneca do cabelo ruivo...
    A Colensa satisfixo asinha à menina e voltou para junto dele, lamentava chorando ter-lhe sido infiel ao marido. Depois a preocupaçom de um possível embaraço sumava angústia no atormentado espírito da convicta.
    -Meu Deus! Sou uma cabra tola. Sempre a fum ...
    O Ricardo tratava de convencê-Ia de que nom era tãm dramático.. Foram logo para o quarto onde brincava a criança. Seguia suplicando-lhe que nunca mais volvera intentar nada, que esquecera tudo... Depois houvo um prolongado silêncio no que só se ouvia à menina trafegar com os "cacharros de cozinha" de um lado da habitaçom para outro. A Colensa repousava prostrada num sofá com as mãos colgando-lhe, por vezes a criança perguntava ao ouvido pola identidade do visitante, ela ria, respondia que um parente.
    A tempestade foi amainando, Colensa contava que o marido ganhava muito dinheiro, pola intervençom de uma vaca eram quarenta mil pesetas! Ele lamentava para si próprio a mentalidade da mulher que amava. Propuxo de novo a velha ideia de se fugar.
    -Nom sigamos fazendo loucuras, amor. Fica esta noite comigo, anda! Mas nom me fales mais de tolices, queres?
    O Ricardo rejeitou indignado, as suas pretensões eram mais do que ficar uma noite de prazer, eram de amor firme e real. Assim que sem mediar palavra lançou-se porta fora, ela avalançou-se antes de fechar. Colheu-o pola mão e deixou-se ladear com as costas sobre a porta, abriu os braços lançando-lhe um reclamo de fêmea selvática... O Ricardo sentia-se como um electrom atrapado na órbita dum átomo, fazia esforços sobre-humanos para libertar-se:
    -Se o hemos de estrangular, que seja quanto antes...
    -Estrangular? -assustou-se Colensa.
    -O nosso ...
    -Ah!
    Ela acreditava, pois, seria o melhor. Derom-se um beijo de despedida e o Ricardo saiu da casa como levado do diabo. Foi para um restaurante da rua Nova, à mulher do veterinário esquecera-se-Ihe dar o jantar prometido!



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