Seguindo o caminho do vento

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A partida

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Um orvalho lento caía sobre a cidade cobrindo as ruas e jardins com um manto brilhante e húmido

    Um orvalho lento caía sobre a cidade cobrindo as ruas e jardins com um manto brilhante e húmido. Os clientes entram e saem do Banco, as máquinas de escrever tecleteam, uma empregada se incorpora e atende com disciplina o requerimento do director... Som perto das doze da manhã e o Ricardo dava os últimos toques à sua faina. Ainda que as aparências pudessem dizer dele o contrário a verdade é que o Aveiro padecia uma timidez "congénita"! Levava minutos dando-lhe voltas no miolo a ideia de arrancar para Guitiriz...
    -Maldita seja! -dixo saindo pola porta sem mais.
    Colheu o carro e enfiou a toda velocidade...
    -Antes de que o maldito "duplo" interior me faga voltar!
    Quantas oportunidades quiçá perdidas pola indescritível e duvitativa maneira de ser. Medo à superior conceiçom que os demais podam ter da vida, das cousas insignificantes?
    Perdera por isso ocasiões que jamais se lhe volveram apresentar. Recordou quando vinhera a Guitiriz com a Colensa e seus pais, ela entom era uma menina de uns catorze anos. Tinha umas pernas lindas, brancas como os flocos da neve... Perdido nos labirintos da lembrança chegou à Escola de Guitiriz. As crianças corriam por um pátio amplo e faziam um ruído espantoso. O Aveiro dirigiu-se para um grupo de professores que conversavam sentados numa escada que conduzia às primeiras aulas. A suave chuva desvanecera, as crianças desfrutavam duns minutos de recreio.
    -Que fazes aquí? -alguém perguntou tocando-lhe no ombro.
    Virou aginha e encontrou-se com Colensa que abria uns olhos de assombro enormes. Quase lhe tremia a voz de nervos. Os companheiros dela mantinham um silêncio espectante e curioso.
    -Vinhem ver... Vinhem ver um amigo e pasei a visitar à minha prima -dixo com intençom de se deixar ouvir.
    O Ricardo passou um momento de grande tensom. Naqueles instantes desejava que a terra se abrira e assim desaparecer ainda que só fora numa expressom metafórica.
    A Colensa apresentou-o como um "primo" que morava em Madrid, os outros professores mostravam-se afáveis com o Aveiro, ele sorria forçado...
    -Se aguardas um momento, vou-me logo contigo para Lugo e almoçamos na minha casa?
    Os miúdos correm, jogam, venhem a perguntar quem e o visitante e liscam outra vez... O Aveiro aceitou gostoso o protocolário convite. As cousas resultavam menos violentas passado o primeiro apuro! Mas a Colensa seguia um tanto nervosa, perguntava incoerências ao "primo"... Ele ria e fazia macacadas aos meninos que passavam por junto deles.
    As nuvens circulam empurradas polo ar a toda a pressa, luz o sol intermitente. A Colensa contava que pola tarde nom tinha aulas.


    Rolavam no carro do Aveiro para Lugo, ele rebuscava do cérebro as palavras mais apropriadas para convencê-la das suas pretensões... Mas o fruto estava verde e resultava prematuro quiçá, o Aveiro assim o percebeu num momento determinado. Mas nom se deixava vencer pola intuiçom! Encontrava ali mil maneiras de a persuadir, se encontrar um ninho para os dous em qualquer hotel. Por se os razoamentos falharam o Ricardo trazia uma carta para entregar-lhe no último momento... Meio detectou de novo o ataque do "duplo" interior, a sensaçom de derrubamento.
    -Ânimo! Nom te deixas vencer tãm pronto -dizia para si próprio.
    Depois de um silêncio, entrou-lhe a ela angústia, lamentava ter tomado a determinaçom de viajar só com ele no carro:
    -Mas se nos vêm... Sempre há conhecidos!
    Compreendeu o Aveiro que nom só ele sofria os ataques da "moralina" do duplo interior. Sim, a "moralina" isso era... Uma boa denominaçom!
    À entrada de Lugo ia Colensa explicando por onde tinha que ir para evitar um possível encontro com gente que a conhecera. Diante do carro do Aveiro circulava um Seat verde escuro. A Colensa sobressaltou-se e dixo entrecortada:
    -Meu sogro!
    Ele deu uma viragem brusca desviando-se por outra rua para obviar ao sujeito, ela começou a maldizê-lo furiosa:
    -Nom tinhas que ter vindo para nada a Guitiriz! É que tu me vais complicar a vida!
    Ele nom sabia que responder. Guardava silêncio e no seu interior nom acerditava nas afirmações da menina. Achava-as insultantes e causadas pola histeria desenfreada que sempre padecera. Entanto o Aveiro remoía no seu cérebro os impropérios, Colensa seguia falando em tom desaforado.
    -Sou parvo! Tens razom, quem me mandaria preocupar por alguém que jamais mostrou nenhum interesse por mim?
    Ela intentou logo pôr paz, puxo-lhe a mão em cima do joelho da perna direita, e dizia-lhe cousas doces. Ele calou e franzindo a testa pisou o acelerador e mudou de velocidade...
    Na Praça de Santo Domingo fixo sinais de que a deixara perto de um quiosque de jornais. Já com carro detido, ele intentava por última vez convencê-la.
    -É inútil, sinto que vinheras a Guitiriz só por isso...
    A Ricardo indignou-o tal afirmaçom pouco considerada. Nom só por isso tinha ido... Pois claro que nom. A Colensa indicava-lhe que quando se despediram nom haviam de beijar-se, podia estar observando-os alguém conhecido...
    A Ricardo já lhe cheirava a cantiga das conhecidas! Tanta preocupaçom polos olhos alheios trazia-lhe lembranças de velhos tempos. Tirou do bolso do casaco um sobrescrito contendo a carta de despedida:
    -Toma, uma carta, lê...
    Ela prometia lê-lo nos serviços fechada, logo ia tirá-la polo buraco... Nom podia cometer a imprudência de que alguém se inteirara.
    -Vaia sítio para depositar a minha carta -protestou.
    -Nom vou comê-la!
    A missiva dizia :

                "Miña querida:

                Esta carta que hoje me ponho a escrever nom
                sei se é de despedida ou nom, tu tens a
                resposta; se nos amamos, meu amor, como
                é de facto, porque nom imos materializar esse
                amor na expressom mais elevada e sublime?
                Amanhã espero-te às sete da tarde na cafe-
                taria do hotel Mendes N. Passaremos uma
                tarde maravilhosa, já verás! Compreendo que
                tenhas remorsos polo teu marido, mas pensa
                que os "contratos" com os que se unem duas
                pessoas carecem de valor se nom vãm acom-
                panhadas de um autêntico sentimento
                de paixom.
                                                Até amanhã, querida.
                                                                        Aveiro.



    Pouco antes das sete da tarde, no dia seguinte, o Ricardo folheava num jornal sentado sobre um banco da Alameda. A gente circulava indiferente. Cada homem, cada mulher que passa com rosto desdebuxado numa hipotética projecçom tridimensional leva uma história escrita nas estelas dos ossos... E sem embargo o ambiente segue subtil e distante... As pedras húmidas, as árvores verdes e tesas, os edifícios ergueitos, as máquinas, toda classe de aparelhos é algo alheio à tragédia individual... Miseráveis que morrem nos recantos das ruas cheias de lixo, soldados caídos, hospitais abarrotados, vagamundos desamparados... E sem embargo tudo segue tãm indiferente!
    O Ricardo deu-se uma palmadinha no rosto como intentando despertar dun sono irreal... Decidiu-se a subir para a cafetaria do hotel. Tomou o elevador no baixo. Quase nenhuma pessoa transitava plos andares... Como era cedo, pulsou o botom do terceiro. Logo subiu andando até o último. Em cada andar havia um senhor uniformado que perguntava a todos se desejavam algo:
    -Nom, obrigado. Vou à cafetaria.
    -Sim, No último andar...
    -Já.
    E seguia subindo devagar. As escadas estavam cobertas de um tapete vermelho, com alguns trençados em verde oliveira.
    Na cafetaria havia pouca gente, apenas três ou quatro pessoas espaciadas pola sala. Ele enfiou para fundo, ia distraído, imerso nos seus debates e nom respondeu às saudações do camareiro que se lhe adiantara. Quando passou à altura de uma mesa ouviu que alguém pronunciava o seu nome:
    -Como lhe vai ao nosso bom amigo?
    O Aveiro virou para onde provinha a voz, dando com os olhos no sujeito... De súbito o céu caía-lhe em cima da cabeça, sentiu pânico... Por todos os diabos! Nom podia ser, suceder-lhe a ele, mas como? Un instante de indecisom fixou-lhe os pés ao piso. O Aspirino em pessoa! Saberia algo? Asinha pensou na carta... Apanharia-a? Só lhe restava esperar a ver o que tinha que dizer o cretino do Cervo!
    O Ricardo falou-lhe das notícias que trazia o jornal como num intento vão, querendo distrair a sua atençom da porta.
    -E logo, costumas a vir muito por cá?
    -Hoje fiquei com um cliente, um granjeiro da Corunha, além disso eu nom costumo...
    Os olhos do Aspirino fixarom-se como duas lâmpadas acesas na porta de entrada à cafetaria. O Ricardo depois de observar a expressom dele virou para ali.
    -Deus, está aquí... -cavilou polo baixo.
    As cousas complicam-se. Que diria Colensa? Aveiro lembrando as rarezas dela pensou que ia crer-se vítima de uma montagem. O Aspirino levantou da cadeira e com estranheza perguntou:
    -Que fai a minha mulher aquí?
    -Sabia que estavas tu, vinhem tomar algo contigo...
    A saída nom podia ser melhor. Só uma fria calculadora podia ter resposta para tudo nos momentos mais imprevistos. O Ricardo respirou profundo e sentarom-se os três à mesa. O Aveiro contava que ele chegara e se encontrara com o Aspirino. .. Fingia surpresa agradável. Ela olhava-o com tristeza e raiva contida. O Cervo tomava café sem imutar-se. Colensa e Aveiro pediram outros tantos. O Ricardo pensava para si no parvo que resultava a cegueira do veterinário. Ele, o arrogante, altivo...
    Depois de um instante de conversa absurda e até um tanto forçada, o Aspirino desculpou-se, o cliente chegou. Andava o dinheiro por meio, o resto era secundário.
    O Ricardo contou ao detalhe, ela lamentava, lembrou entom a fatalidade que sempre os perseguira no passado, de novo o fantasma da inoportunidade! A Colensa levantou quase ao mesmo instante que o Aspirino passava de segunda vez com o granjeiro de um salom para a cafetaria. O Aveiro permaneceu sentado, sumido em profundas contradições, sentia-se certamente culpável de tudo o mau que lhe pudera suceder à Colensa. As pombas revoavam por cima da varanda; o duplo interior atacava de novo o espírito atormentado do Aveiro.



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