Seguindo o caminho do vento

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Crónica social

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Folerpas brancas de neve caíam sobre o asfalto palpitante da cidade

    Folerpas brancas de neve caíam sobre o asfalto palpitante da cidade. Os carros circulavam deslizando-se pola fria pasta de água-neve-gelada que nos recantos mais inesperados das ruas aguardava em forma de trampa. Das vias respiratórias dos transeuntes saía uma espécie de fumo branco, tal que uma fumata papal, produto da mistura do ar quente com o frio. Os dias do mês de Janeiro deslizavam-se polo almanaque como os números luminosos de un elevador polo painel indicador na parte superior da porta. O Natal ficava atrás, o Ricardo regressava de uma viagem de quatro dias em Barcelona. Fôra lá representando à Galeria Pública num congresso que tivera lugar na capital catalã. Ali reuniram-se gentes de todas as publicações deste tipo, satíricas e humorísticas, para tratar dos problemas comuns que lhes afectavam. Um tumulto de esperanças agolpavam-se na mente do Aveiro. Conseguira um importante apoio económico para a publicaçom de um empresário catalã. A Galeria ia difundir publicidade da marca de botas campeiras «Catalã, S.A.». O taxi no que regressa rolava já na rua Penhuelas, o número 18 aproximava-se.
    Ricardo sentia a satisfaçom da viagem concluída Pagou ao taxista e encaminhou para a portada do dezoito. Na caixa do correio divisava-se uma carta:
    -Quem escreveria?
    Pousou a pasta que trazia no chão e tirou o conteúdo. Eram notícias de Vilavelha, a senhora Alícia contava muitas cousas. Antes de adentrar-se na morada leu de corrido. Algum comentário produzia-lhe indignaçom e assombro...
   
-Maldita zorra! -bramou Ricardo já dentro do apartamento.
    Era um berro de guerra contra a rua dos Cravos. A Colensa, m
ãe e demais... Na carta a senhora Alícia explicava como a senhora Andreia comentara socarrona e orgulhosa que tinha o convencimento de que o Aveiro "suspirava" pola sua filha... Nom havia mais que olhar para as olhadas lançadas por ele! Mas era da opiniom, a senhora Andreia, que a sua filha estava fora de toda tentaçom.
    -Esta presunçosa vai-me ouvir!
    Ricardo bramava de um lado para outro dentro do andar de Penhuelas. Tirou o sobretudo escuro, sentou-se, estirou as pernas e deixou cair os braços sobre o sofá. Com os olhos fechados repetia-se com raiva as frases que a mãe escrevera referentes aos parentes de Lugo. De súpeto deu um brinco, como aguilhoado polo demo. E sem mais tirou de uma gaveta um papel e sacou do interior do casaco uma pena e puxo-se a escrever uma "Crónica de  Sociedade" para a Galeria Pública. Insertaria-se no espaço dedicado aos escândalos da burguesia local luguesa...

                "Crónica Social de Lugo:
                O outro dia, no Círculo das Belas Artes, um
                conhecido veterinário da cidade, de alcume
                medicinal, tivo que aninhar-se para nom luxar
                os "cornos" no teito que lhe sobressaiam da
                testa dous metros! Os cornos, que só apare-
                ciam por vezes, provocavam inumeráveis
                sorrisos que os assistentes nom podiam
                reprimir ...Contam as más línguas que a sua
                dona, Colem, enganou-o com um ex-noivo...
                Seguiremos informando..."


    Firmou com o pseudónimo "O Órgão". Colheu o telefone e puxo-se em contacto com a redacçom do semanário. Primeiro contou o sucesso do congresso de Barcelona, e depois, exigiu a publicaçom da "Crónica" que leu polo aparelho. O Director advertiu o conhecido e prestigioso que era já na cidade de Lugo o veterinário, mas o Aveiro ergueu a voz e ordenou a publicaçom da crónica. Indicou no lugar que havia de ir.
    -Dacordo! Mas vais-te meter num embrulho... Vai-te matar o Aspirino! -dixo o Director meio em broma.
    -É um cretino incapaz!
    Horas mais tarde cavilava, preocupado Ricardo, sobre as possíveis conseqüências... Mas quando lhe regressava à mente a imagem daquela carta recebida, dava por bem feita a crónica. Nesta ocasiom o "duplo interior" nom rascava bolas!


    O restaurante estava cheio de gente. Aveiro terminara a reparaçom de um equipamento ordenador e comia só numa mesa pequena desde a que podia ver o bulício da rua; nos dígitos do relógio electrónico figura a numeraçom 14.30.
    -Este ano vai ganhar a liga o "Madrid" por cima de tudo!
    -Saca pra lá! Nem pensar... Ganhará "A Real"...
    Uns senhores vestidos com fundas cheias de pintura branca falam de futeboI. Uma moça morena, de uns vinte anos, servia no comedor. As abundantes mamas encaixadas em duas meias esferas ameaçam com sair-se. Quando deposita algum prato em cima de alguma mesa os comensais que resultam defronte viram com dissímulo o olho para o vale formado polas duas redondezas. Com um avental branco atado à cintura ressaltavam-lhe as curvas do talhe... Dos lábios carnosos emanam misteriosas correntes indutivas que imantam a sala.
    -Esse árbitro está tolo...
    -"Entanto nom falem de touradas..." -cavila o Aveiro.
    Ricardo desde Madrid leva os dias em conta... A publicaçom encontrava-se já nos quiosques. Quando soava o telefone sobressaltava-se... Temia as conseqüências que lhe anunciava a sua consciência. Colhia o aparelho com medo, logo resultava ser algum companheiro de trabalho... Iam transcorridos vários dias da saída do número da Galeria na que se insertara a "Crónica". O Ricardo perdera o medo ao telefone. Repousava deitado sobre a cama cando o dispositivo sonoro reclamava a sua presença:
    -Estou...
    -Aveiro?
    -Sim...
    Ouvirom-se uns ruídos estranhos que por algum tempo impedirom perceber com nitidez o sinal enviado desde o outro extremo.
    -Sou Carlos Lopes desde Santiago, homem!
    -Que surpresa... Como vai?
    -Bem. Li a Galeria Pública; em Lugo armou-se o maior escândalo da história. Polo Central seica nom se deixou ver mais o Aspirino...
    -Quem cho contou?
    -O Pedro... E quem é "O Orgão"?
    Ricardo tardou algum tempo em responder. Soprou forte a uns papéis que estavam em cima da mesa, colocou-os de novo e dixo:
    -Eu...
    -Tu?
    -Sim. Andavam caluniando lá por Vilavelha e nom pude aguentar mais...
    Contou o resto ao Lopes... Ficou certamente preocupado polo escândalo. Apesar da fadiga nom conseguia dormitar. Lia poemas do Pessoa... A habitaçom conservava uma temperatura tépida ainda nas altas horas da madrugada. Uma estufa de mil vátios encarregava-se disso... Com uma lâmpada na mesinha de noite alumiava sobre o livro e projectava sombras nas paredes que por vezes semelhavam figuras humanas. Dispunha os dedos de uma mão entre a luz e a parede fazendo o "cam" com a sombra...
    A iluminaçom das ruas permanecia acesa, umas fugazes névoas revoavam por entre os edifícios cinzentos, vermelhos, ladrilhos carcomidos polo tempo implacável. O trânsito lento como sempre ao despontar o dia incidia sobre os nervos do Ricardo como todo filho de mãe que se ponha aos mandos de um carro... Na "Company" havia uma notícia desagradável para Ricardo. Uma avaria na equipa computadora da Delegaçom da Fazenda faria-o viajar à cidade do escândalo:
    -Mas é que nom há outro?
    -Como? Pensei que ias de boa gana? -dixo o chefe estranhado.
    -Noutra ocasiom sim, mas hoje...
     -Sinto-o, só ficas tu. Os demais já partirom para os seus destinos...
    A fatalidade nom podia ser mais oportuna. No meio do vendaval aparecer por Lugo! Pouco aconselhável, mas que ia fazer?
    Ricardo ia com o propósito de ser discreto e apenas deixar-se ver por Lugo, ainda que resultaria bem difícil! Às poucas horas o Renault 12 rolava pola estrada de Galiza. O dia apresentava um cariz frio e desapacível. Os campos estavam cobertos de um manto branco de geada, e lembravam-lhe ao Ricardo as duras manhãs do Janeiro em Vilavelha. Os vilancetes do Natal ensaiados na paróquia com o abade uma e cem vezes... Depois iam os miúdos polas aldeias próximas cantando,contentes, alegrando as tristes vidas dos camponeses:
     -Que tempos...
    À saída de Madrid, passada a Porta de Ferro, há vários moços fazendo "paragem" aos carros. Portavam letreiros, uns para Oviedo outros para A Corunha, Lugo, Leom... Ricardo ia lendo-os... Um punha "A Galiza"... Detivo o carro e aguardou uns metros máis adiante que uma jovem, loira com cabelo longo e calças de pana, o alcançara. Pola janela perguntou em espanhol:
    -Pode-me levar?
     -Sim, sobe.
    Ao emprender de novo a marcha os carros que se aproximavam pola esquerda tocavam-lhe a buzina. Na zona há pouca borda e com a paragem interrompia-se o tráfego. Ela desculpou-se, Ricardo aconselhou-lhe que para a próxima se colocara mais adiante:
    -Lá, mais afora, há espaço suficiente.
    -Nom creio que haja mais "próximas"!
    -Nom?
    -Nom...
    Houvo um silêncio de alguns minutos. Ricardo buscava de que falar, ela folheava num livro... Depois contou que morava em Lugo. Ele perguntou pola vida na cidade... Que fazia uma menina tam bela?
    -Estudo veterinária.
    -Entom conhecerás a um colega teu de Lugo, o senhor Cervo?
    -Como nom! É discípulo do meu pai. Muito bom homem; você conhece-o?
    -Algo!
    -Vem muito pola minha casa de Lugo. A mulher dele é diferente... Mais orgulhosa.
    Ricardo ia de surpresa em surpresa, aquela moça nom parava de falar dos Cervos. No entanto circulavam já a cem quilómetros de Madrid. A jovem dera o seu nome: Saleta Reboredo.
    -À senhora Colensa erguerom-lhe -sigue ela- uma infame calúnia. Sabe? Há uma revista, creio que dessas frívolas, inventou-lhe uma infidelidade com o marido... O Cervo assegurou na minha casa o outro dia que sabia quem fôra o autor da mentira.
    -Mas isso é muito grave, se realmente é inocente? -insinuou o Aveiro.
    Pois claro que é mentira! Contou que ia dar um ensino ao autor da bazófia!


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