Seguindo o caminho do vento

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O judeu

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Pola janela entreaberta colava

    Pola janela entreaberta colava-se o murmúrio de gentes desfrutando de um momento de frescor de meia tarde que se infiltrava polas ruas ardentes na queda do sol. Naquele 30 de Junho o calor chegou a limites equiparáveis às canículas do Agosto. As folhas das árvores na Av. de Aragom mexiam-se num imaginário balanço de parque de terceira. O dia primeiro de Julho começava o Ricardo as férias anuais, lamentava nom passá-las na terra... Aconselhara-lhe o director da Galeria que nom se deixara ver por Lugo, as águas estavam em excesso revoltas e podia entranhar certo perigo. Do novo endereço só tinha informaçom o director.
    Uma mesa de chapa imitando madeira de castanheiro faz de escritório no quarto. Um sofá pequeno, uma cama, um armário e duas cadeiras completam a mobília. Calças e outras prendas aparecem por todas partes completando a desordem. Tirado polo piso jaz um jornal do dia anterior, O Progresso. Ricardo folheia noutro, também atrasado, lendo só os titulares. Detivo o olhar atónito numa reportagem dos "importantes" da cidade... Entre eles um Judeu. Os olhos do Aveiro saíam-se-lhe das órbitas, devorava no jornal. Começou-lhe um formigamento na altura das vértebras lombares que se elevou polas cervicais e removeu-lhe o coiro cabeludo.
    -Porco! -exclamou.
    Segundo a imprensa, Aspirino era o quinto neto generacional de um antigo comerciante judeu converso. O jornalista defendia o direito dos hebreus a praticar a sua religiom com plena liberdade. O Ricardo movia a cabeça para os lados, nom participa da afirmaçom... Para ele o "sionismo" e o "judaísmo" eram a mesma cousa... E o sionismo a resultante secundária de um princípio físico: "reacçom oposta à brutal acçom nazi...". Mas a "reacçom" pode superar à "acçom". O fascismo de novo cunho!!!
    No entanto soou o telefone, o Aveiro mostrou-se surpreendido no primeiro instante, logo lembrou que o director possuía os dados da nova morada:
    -Estou; quem chama?
    -Olá, sou eu. Como estás ?
    -Bem, por aí?
    -Imos indo...
    Falarom algum tempo de superficialidades, rirom com as notícias de algum jornal despistado...
    -Tens que buscar -pediu o director- na representaçom Palestina a um tal Nassir. Temos a suspeita de que o teu "amigo" Cervo, o Aspirino, está atá as orelhas no assunto dos marroquinos!...
    Ricardo sorriu assentindo. De sobra sabia ele que detrás estava o seu inimigo...
    -Além disso -segue o director- cremos que é o chefe da rede da droga de Galiza inteira... E há mais, estamos seguros de que passa informaçom aos "sionistas", pola embaixada judia em Lisboa, sobre os movimentos da O.L.P. Lembras o atentado de Lisboa onde morreu um Palestino?
    -Sim...
    Aveiro estava assombrado, rebasado na sua surpresa... Perguntava das fontes, mas o director pedia que isso ficara para outro momento.
    -A informaçom que supostamente passa à embaixada em Lisboa procede de um árabe traidor ou algum infiltrado... A comunicante anónima -confessou- dixo que o Nassir conhecia ao sujeito mas ignorava a traiçom deste... Portanto, procura a esse Nassir, pom-no em guarda e que averigue o máximo possível!
    O director apressurado, nom deixa falar. Tinha pressa. Ricardo lembrava e conexionava à anónima dele com a da Galeria... Colensa? O director prometia a melhor reportagem da história de uma publicaçom galega!
    -Teram que ler-nos até os colegiais da CIA... -bromeava.
    Tudo resultava repetido, misturado, monótono... O mundo é grande e pequeno à vez. Uma luita desenfreada e absurda entre dous bandos. Eu apoio a este porque aquele é hostil ao meu sistema! Os outros a aquele porque este defende aos meus inimigos! Judeus, Ocidentais, Capitalistas... Soviéticos, Palestinos, Arménios e demais povos oprimidos das europas e do planeta. E uma e outra vez, a mesma história!
    Ricardo sorria de novo e prometia empregar-se a fundo neste assunto. Chegara o momento de lhe devolver ao Aspirino o favor! As férias prometiam ser qualquer cousa menos aburridas. O calor sufocante, a inquietaçom do trabalhador ansioso e os mosquitos nom deixavam dormir... Dava voltas na cama, levantava-se a beber água, e ensaiava as entrevistas...


    Quando o sol começava a despontar, a cidade acordava da ressaca nocturna, o trânsito ia tomando as pulsações regulamentárias...
    -Bom dia...
    -Bom.
    -A Pio XII, número 20.
    O taxista lançou a inevitável olhada inspeccionadora polo espelho correspondente. Assentiu, arrancou e centrou o sintonizador da rádio.
    -Você é árabe?
    -Árabe?
    -Sim...
    -Nom, é que tenho cara disso?
    -Como vai ao número 20. Aí está a sede dos Palestinos.
    O Ricardo ficou surpreendido da fina observaçom do taxista. Nom lhe resultava fácil, por outra parte, apresentar-se assim sem mais na casa da O.L.P., o mito do famoso " Setembro Preto " ainda pulula nas consciências ocidentais!
    -Quanto lhe devo?
    No taximetro figura a quantidade de quatrocentas cinquenta.
    -Quatrocentas cinquenta.
    -Nom cobra "canom" de perigosidade?
    -Nom...
    O taxista riu e entregou o troco de quinhentas...
    Na porta do pátio que antecede à pequena casa de dous andares cor castanha clara, onde se encontra a representaçom, há um guarda armado. À direita da portada a bandeira de Palestina ondeia a meio pau polos mártires. O guarda chamou por um comunicador eléctrico, um pouco estranhado polas horas, ao interior da casa. A poucos minutos saiu um sujeito alto e moreno, sumamente fraco. Ricardo cavilava como começar... Nom encontrava palavras.
    -Verá... Eu represento a um semanário. Gostaria de falar com o representante da embaixada...
    O sujeito moreno deixou transluzir um sorriso de agrado, sem dúvida pola denominaçom de "embaixada" que fizera o Aveiro... Ordenou-lhe ao guarda que abrisse a porta. Aveiro entrou um tanto estranhado, olhava para os lados... Era a primeira vez que estava na representaçom diplomática de um movimento revolucionário... A ideia aturdia-o. O guarda conduziu-o para um quarto pequeno na parte direita da entrada, no baixo. Ali fizerom-lhe um registo... Depois foi autorizado a subir ao primeiro andar, meterom-no numa sala pequena onde abundam fotografias do Arafat parlamentando nas Nações Unidas com a pistola ao cinto, na mão esquerda exibia uma raminha de oliveira.
    O sujeito moreno ausentou-se e ao pouco tempo entrou de novo na sala acompanhado de outro indivíduo:
    -Você dirá -dixo o segundo indivíduo.
    -Vaiamos ao grau! -propuxo o Aveiro-. Sou Ricardo Aveiro, galego e representante do semanário Galería Pública. Estamos fazendo uma investigaçom relacionada com um suposto "traidor" palestino e um judeu galego...
    O rosto dos dous representantes palestinos pusso-se pálido. Como muito interessado, indicou um deles que seguira relatando...
    -Trata-se -segue Aveiro- do presumível chefe da mafia galega, traficante de droga e judeu. Cremos que recebe informaçom de um palestino, traidor, e passa a informaçom à embaixada judia em Lisboa... As contrapartidas seguramente sejam certas facilidades de movimento polos territórios ocupados...
    -Como sabe você?
    -A notícia foi-nos facilitada por uma chamada anónima ao semanário. Nós precisamos saber, por interesse comum, o suficiente referente ao judeu de Lugo para poder publicar... Sabemos que o árabe esse é amigo ou conhecido de um tal Nassir...
    -Nassir?
    -Nassir...
    O segundo sujeito palestino levantou da cadeira, dava pequenos passeios pola sala... Passava as mãos polos cabelos uma e outra vez como se duvidara da abundante mata.
    -Como se chama o judeu? -perguntou o que saíra a recebê-lo-.
    O Ricardo engoliu saliva, aguardou um tempo e dixo:
    -José Cervo-Irimia Jues. Mais conhecido polo alcume de Aspirino.
    O segundo em aparecer, seguramente que o responsável, anotava num papel. Intentou saber mais, mas o Ricardo, precavido e indeciso, negou-se a dar mais dados. O "mandamais", o segundo em parecer, dixo ser o tal Nassir... Mostrou-se inquedo por todos os detalhes da chamada anónima. Também o Ricardo contou a chamada que ele recebera. O Nassir assegurava poder dar com o árabe sem demora.
    -E que me pode dizer do novo grupo armado galego? -perguntou o Nassir.
    -Você crê realmente que existe?
    -Nom sei...
    -Eu duvido-o... O ELG nom me oferece nenhuma garantia.
    Agora cavilava nos dias de sossego retirado na provinciana pensom, quase anónima, "El Pastor" de Toledo. Fora um descobrimento desses fortuitos. Bordeou um surtidor de gasolina e terminou na rua "Caidos de la División Azul":
    -Fai-me o favor. Algum autocarro para a "Cidade Lineal"?
    O senhor maior detivo-se, olhou ao redor tentando situar-se...
    -Naquela esquina. O setenta...
    -Obrigado.


    No segundo dia da estadia em Toledo pusso-se em contacto por telefone com o Nassir, este informou ao Aveiro que o traidor palestino fôra capturado e julgado. Comunicou também que o "judeu" de Lugo estava implicado em vários crimes, além do assunto da droga.
    -O traidor contou bastante! Que pensam fazer agora?
    -Primeiro pôr-me em comunicaçom com Santiago seguramente publicaremos um informe completo no próximo número; agradeceria-lhe que enviara para lá os detalhes dos seus inquéritos.
    O Nassir anotou o endereço e prometeu enviar já, por correio expresso, um envelope para Santiago...
    A Galeria Públlica fora deslizando-se desde as lindes frívolas e um tanto humorísticas até a reportagem desenfreada mas séria e rigorosa. As constantes denúncias supunham um perigo de continuidade, dada a predisposiçom das autoridades judiciais a perseguir as publicações nom alinhadas com o sistema... A nova lei antiterrorista viera a facilitar-lhes infinitamente as cousas.
    -Senhor Aveiro, chamarom-no de Galiza.
    -Deixarom algo?
    -Nom, só que lhe dixera que a Galeria agoniza... -ao camareiro custou-lhe pronunciar a palabra.
    O Aveiro decifrava na clave, só podia ler uma mensagem dramática, urgente... Iam vários dias transcorridos da publicaçom do informe. O semanário levara por todas as esquinas do país a notícia. Guardava numa bolsa quatro cousas de bisutaria que saíra a comprar minutos antes:
    -Tomarei algo suave... -cavilava.
    Evitou a ementa e pediu directamente. Iria bem um consomé e depois um peixinho.
    -De beber vinho?
    -Sim, vinho de Toledo...
    No humilde e reduzido comedor, pisado de madeira ao que havia que subir previamente dous degraus de escada, apenas comiam quatro pessoas. Numa emissora local emitiam música flamenga, um silêncio e a radiofonista anunciava as notícias das duas da tarde:
    "Esta manhã foi assassinado um prestigioso veterinário na cidade de Lugo. Surpreendeu em meios policiais a rapidez com que foi reivindicado o acto criminal polo apenas conhecido E. L. G.".
    O Ricardo parou de comer, olhou com dissimulo ao redor e afiou o ouvido.
    "Fôra publicada em dias passados uma reportagem sobre este homem, relacionando-o com toda classe de 'mafias', numa revista galega. A publicaçom fora admoestada e advertida em várias ocasiões pola justiça, dada a temeridade com que tratava os temas. O Juis de guarda decretou o encerramento imediato e encautaçom da revista assim como a detençom do director e a busca e captura do correspondente em Madrid que vinha firmando habitualmente com o sobrenome de "O Órgão". O Ministro do Interior manifestou estar ao corrente do assunto...".
    -Faga-me a conta de tudo...
    -Já se vai? Pensei qe estaria mais dias...
    -Eu também !
    Havia que meter-se no anonimato de Madrid quanto antes... Saiu fugindo de Toledo. O Ricardo ainda temia a acusaçom dos marroquinos; o da revista era mais subjectivo...
    Só estaria a salvo no estrangeiro, polo que nom duvidou em tomar a única alernativa possível.


    Varela turrava na barra subterrânea dum local nocturno. Estavam um tanto bêbedos os dous... Aveiro perguntara-lhe ao moço corpulento que tinha à sua direita que porquê o braço esquerdo era mais moreno que o direito...
    -É que nom viu nunca um camioneiro? -balbuciara o Varela.
    Depois, dado o sotaque, Aveiro apresentou-se-lhe como um paisano. Que pequeno é o mundo nessas cousas! E ainda resultaram ser algo parentes; um avô do Varela viera da mesma casa da avó paterna do Ricardo.
    Nom resultou fácil encontrar ao Varela o momento preciso para trasportá-lo à França no camiom TIR com o que fazia travessias internacionais. Teria que se encontrar com ele em Saragoça. A esta cidade chegou o Aveiro ajudado por um camareiro de "carruagens-cama-internacional" do Talgo Madrid-Barcelona.


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