Seguindo o caminho do vento

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A prostituta

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O rosto do Ricardo parecia arrancado de uma fotografia

    O rosto do Ricardo parecia arrancado de uma fotografia "robot" de qualquer jornal. O cabelo alvoroçado e com barba de vários dias de vadiagem sem rumo. Os cartazes luminosos pestanejavam constantemente na rua Liberté. Ele vinha de nenhuma parte e ia para nengures... Músicas melodiosas soavam ao passo por diante de clubes nocturnos, acordeões em oitava alta. De vez em quando saíam moças, ligeiras de roupa, à porta querendo estimular o apetite sexual dos transeuntes.
    -Parece o bairro chinês!
    O ânimo do Ricardo andava tãm baixo que nem um sumptuoso banquete de manjares lograria levantar. A rua Liberté estendia-se como uma sucessom de pedras simétricas colocadas como piso, estreita e com escasso passadiço para os peões, os carros estacionados numa só direcção, reduziam-na mais ainda. Tudo o que Aveiro possuía nestes momentos leva-o com ele. Um blusom por cima dos ombros, na mão direita uma pasta, na esquerda um livro...
    -Convié, beau jeune? -dixo uma voluminosa mulher preta.
    O Ricardo parou-se, cravou seus olhos na cara da jovem e logo foi descendo a vista e detendo-se mais nos seios abundantes, que entelados numas insinuantes roupas sobressaiam adornando-lhe o corpo. Ele apenas sabia quatro expressões em francês, mas o suficiente como para perceber uma má construçom e pronúncia vidrenta. Aveiro sorriu, com olhos luminosos e perguntou-se para si:
    -Com esse corpo... como cairia cá?
    Ela aproximou-se até roçar o corpo do Ricardo, passou-lhe o braço por cima dos ombros e dixo com os dentes apertados:
    -Qui, étranger, te animer?
    -Nom parlo... Nom falo francês...
    -Não falas?
    -Nom...
    O Ricardo ainda tardou um tempo em captar as palavras que ela pronunciara no seu próprio idioma.
    -Português?
    -Eh? Pois verás... Sim, sim sou...
    -Tens um sotaque estranho!
    -E que sou do Norte...
    -Ah!
    -Quase galego...
    -Galego?
    -Sim. Um país que linda com Portugal polo Norte...
    -Ah! Galiza?
    -Galiza...
    A Ricardo alegrou-se-lhe o espírito como jamais tinha recordado. Supunha que a exuberante mulher seria súbdita do Brasil...
    -Brasileira?
    -De Rio...
    O Ricardo deixou-se conduzir com recatada prudência, a poucos metros, no número 93, tomarom uma escada de madeira, antiga e obscura. Cruzavam-se com algum sujeito mal encarado detrás do qual sempre alguma exótica mulher acaneando as carnes. Nom precisava cartaz algum onde figurar a profissom... Iam polo segundo andar, no descanso da escada ele detivo-se:
    -Como te chamas?
    -Cento cinquenta...
    -Refiro-me ao nome de verdade.
    -Hermelinda Silveira...
    -Eu Ricardo Aveiro...
    No terceiro andar adentrarom-se num apartado reduzido, com luz de penumbra vermelha, ela colheu-o pola mão e passarom a um quarto provisto de bidé e lavabo, uma cama só coberta com sobrecama de cor vermelha. Ela começou por desabotoar a fralda, um só botom na parte superior direita... A prenda deu passo a uns glútios desenrolados que debaixo de uma calça-faixa palpitavam excitantes. O Aveiro ficou espantado:
    -Sabes, é a primeira vez que o fago com uma mulher de cor...
    Dirigindo as mãos para trás tirou o sujeitador, libertando os seios que cairom ao vazio, e imprimindo-lhes um movimento de samba fixo dançar os bicos dos peitos rompendo a recta imaginária e simétrica que os alinhava no espaço. Os olhos do Ricardo manobravam ao mesmo ritmo... Ela já nua deslizou-se para a cama, à altura desta dobrou pola cintura, deixando colgar de perfil a abundante "tetagem" como numa "pose" calculada... O Aveiro, paralisado, ainda nom desvestira!...
    -Por quem aguardas? -perguntou ela com olhar frívolo e provocador.
    -Verás, é que nom tenho os cento cinquenta francos...
    Hermelinda franziu a testa, olhou para a escassa roupa que deixara em cima de uma cadeira e dixo movendo os ombros:
    -É o mesmo, vem!
    Desvestiu-se asinha, o coraçom bulia com inusitada velocidade. Ruídos e suspiros de outro quarto colavam-se através dos finos tabiques. Aproximou-se despido, ela observa-o sorrindo:
    A cama era em realidade um sommier com quatro pés soldados, rinchava como uma caixa de lata cheia de cravos. O Aveiro recordava os conselhos de um experimentado "putanheiro" de Vilavelha:
    -Só prolongando-o mais do normal conseguirás fazê-las sentir...
    -Como o consegues?
    -O quê?
    -Fazê-lo tãm bom!
    -Bom?
    -Óptimo!
    O Ricardo incorporou-se para vestir-se, ela seguiu uns segundos mais sobre a cama; uma perna estirada e outra dobrada polo joelho, em forma de ponte romana.
    -Que fazes em Paris?
    O Aveiro aguardou um instante pensando que responder, nom encontrou uma mentira à mão e saiu como pudo:
    -Sou, sou escritor e nom tenho dinheiro nem a onde ir.
    -Sabes? Eu tampouco tenho ninguém em Paris.
    -Nom?
    -Não...
    Ela colocou um tampom no bidé e abriu a água, o Ricardo estava vestindo as calças.
    -Não te lavas?
    -Ah! Sim...
    -Queres ficar uns dias comigo, na minha casa?
    -Cá?
    -Não. No número 5 desta mesma rua.
    -Agradaria-me muito mas eu nom podo oferecer-te mais que o meu corpo!
    Alguém petou à porta, ouviu-se a voz profunda e gorda de uma velha; o Ricardo compreendeu que seria a que alugava os quartos. Quando saíam resmungou algo ininteligível em francês, a Hermelinda limitou-se a depositar na sua mão angorriada os francos de rigor.
    Hermelinda morava num segundo andar, apenas reduzido quarto com cozinha incorporada e um serviço minúsculo. Nas paredes estavam pendurados "posters" de cantantes pretos e homens musculosos. Ela fechou a porta e lançou um olhar inspeccionador sobre o reduzido espaço, reagiu tirando das paredes os cartazes.
    -Desde agora aoo lixo!
    -Nom é preciso -dixo o Aveiro.
    Ricardo sentia-se um tanto violento, nom queria interferir a vida dela, conformava-se, vaia que sim, de compartilhar a cama pola noite.
    O emprego da Hermelinda impunha um ritmo de vida estrambótico. Das 21 às 2 da madrugada ela trabalhava... Às três ou mais tarde deitavam-se para sair da cama às 11 da manhã.


    -Já vai sendo hora de que aprendas algo de francês, não? Podias fazer a compra pelo menos...
    -Bom, creio que nom cozinho nada mal...
    -A essas horrorosas caldeiradas galegas chamas-lhe comida?
    Entanto ela penteava-se ante um espelho roto por uma esquina. O Ricardo removia na tigela um estranho picadinho de pimentos, tomates, cebola, carne e perexil... O quarto inundado desse olor resultava uma sauna doméstica.
    Numa pequena mesa a Hermelinda coloca os pratos com todos os demais utensílios. O Ricardo cavila para si e preocupa-o certos negócios da sua amiga. O assunto da droga andava polo meio. O azar reservara-lhe um encontro involuntário com as complicações alheias. Vários sujeitos tinham-na visitado com quantidades de heroína a distribuir... As suas peles engorriadas, cabelo engomado e o nariz de boxeador faziam-lhe conter a respiraçom a qualquer cidadão de bom viver!
    -Toma. Esta carta envia-a ao Brasil no caso de me suceder algo... Não se sabe. É para meus pais.
    O Ricardo ficou um segundo com a boca aberta como dissecado. Olhou-a assustado. Nom sabia que dizer. 
    -Mas...
    Ela tapou-lhe com uma mão a boca. Sorriu e assegurou que eram tontarias de uma mulher cagueta. Levou o primeiro bocado às glândulas do gosto e acreditou no "gourmet". O Ricardo guardou o envelope dentro dum livro que à sua vez meteu dentro da pasta de viagem. A pequena bagagem estava sempre lista por se havia que ir-se embora em qualquer momento! Dentro de umas quantas horas a "amiga" -assim gostava ela que lhe chamara- iria trabalhar e ele deambularia por Paris como um cam abandonado polo amo. Que vida tãm sem senso! -pensava.


    Ricardo descia a escada lentamente, asqueado polo sedentarismo das últimas semanas. Contava os degraus um a um... Treze, catorze, quinze... Ia decidido a deixar-se guiar polas corerntes de ar que circulam polas ruas... Saiu do porta, juntou os pés, olhou para o céu, passou a mão pola testa e observou com desdém até nenhum sítio. Com fotografando com os olhos alguma partícula em suspensom. Meteu as mãos nos bolsos das calças e despuxo-se a escrutar rua tras rua, uma gigantesca floresta de encruzilhadas. Sentiu uma pequena dor no homoplato direito. Achacou-o às difíceis posturas as que se via obrigado a fazer o amor com a Hermelinda. Jamais desfrutara, ou padecera segundo se olhe, de umas relações sexuais tãm exóticas e abundantes. Tocava-se o sexo com a mão direita desde o bolso das calças inspeccionando o seu estado. A flacidez era total, incluso um tanto roçado no glande conseqüência dos excessos que lhe tinha que fazer à "sócia"... Ela nom se conformava com uma prática convencional e rotineira. Exigia constantes sensações novas. Andara a rua Liberté e atravessou outra cujo nome preferiu ignorar. Que importaria o nome de uma ou vinte ruas! Nom sabia se o fumo das drogas inalantes da "amiga" lhe tinham afectado os sensores... O certo era que o seu corpo flutuava por cima da linha normal. As asas de pássaro frustrado elevavam-no por telhados azuis, vermelhos... Repletos de antenas de televisom colectivas suficientes como para enviar o sinal a qualquer planeta. Os pássaros saudavam-se ao cruzar-se nas alturas. Uma andorinha nocturna trazia saudações e vento fresco dos montes de Vilavelha. Um moucho churgou um olho quando respostou numa fonte da vida eterna. Aqueles seres que se conduziam polas avenidas aéreas imaginárias falavam a linguagem clave dos animais. O mesmo dava a latitude da esfera terrestre.
    -Estas atitudes banais serãm duramente reprimidas polos guardas do sistema "democrático"!
    -Que atitudes?
    -Nom é suficiente com a passividade. Há que militar no glorioso sistema! Cavalgar nele...
    Na aturdida maquinária cerebral do Ricardo, lubricada com o fumo de um cigarro manipulado, desenrolavam-se visões teatrais, juntas de partido socialdemocrata, sessões de espiritismo e danças de fantasmas num circular tunel do tempo, completando ciclos rotineiros... Quando cria ter percorrido meio Paris os seus alucinados olhos davam de novo com o nome de "Rue de Liberté"... Uma voz angustiada e vidrosa emitia um vozeario histérico... Gentes arrremoinhadas, alguém que tratava de explicar aos gendarmes o sucedido:
    "Uma detonaçom apenas ouvida e pouco mais...".
    Hermelinda estendida sobre o passadiço da rua despertava uma indescritível lástima... Entre solidária pola cor da pele e um sentimento que surgia da observaçom dum rosto implorando clemência, seguramente, ao próprio assassino.
    Os alterados receptores sensoriais do Ricardo iam-se ajustando, recobrando assim a realidade perdida.


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