Seguindo o caminho do vento

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O aniversário

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O aniversário passou

    O aniversário passou-o Aveiro numa cafetaria do centro da cidade. O Central, com os "cinco de Lucus". O Central era algo assim como o ponto equidistante das existências dos membros do grupo. Convertera-se em santuário da vida normalizada, fora do controlo das rígidas normas do colégio. Nada tinha senso se nom se planificava ou comentava a posteriori, na tertúlia improvisada...
    Desde o Central as árvores da Alameda resplandeciam, as pedras soltavam um perfume agradável e húmido... Os pássaros cortavam o ar com o bico e o vento ia-lhes acariciando a plumagem... Desde o colégio o ambiente retornava a um cinzento romano e inquisitorial; como dous mundos distintos e distantes ainda que só os separassem douscentos metros.
    Eram tãm só 17 anos. Contava aos amigos a experiência, sem revelar a identidade da menina, na noite anterior. Uma deliciosa velada. Mas o maldito Delegado viera a estropear tudo quando estava no melhor... Entre gargalhadas Ricardo indica-lhe ao camareiro que ponha mais cerveja na mesa. O Central é uma cafetaria situada na rua do Passeio, na Alameda. Tem abundantes mesas polo amplo espaço interior. Das paredes penduram alguns panos decorados imitando as grandes tapizarias marroquinas. Uma transparente vidraça separava a cafetaria da rua, que a estas horas estava muito concorrida. Eram as oito da tarde e fazia uma temperatura agradável.
    As parelhas de estudantes dãm os últimos bordes...Saúdam ao grupo alguns conhecidos desde fora. Pedro Rivelo corresponde, Afonso Almeida indica para uma rapariga que passeia muito animada com um tal Aspirino. Chamam-lhe assim pola sua peculiar maneira de estudar.
    -Estuda-se até a numeraçom das páginas -bromeia Afonso.
    Aclara que o conheceu fai alguns meses e que confessou que o seu único problema é económico.
    -Procuro uma moça rica que me pague a carreira! -conta que lhe dixo.
    -Pois logo que se case com a tia de D. António -diz rindo Toninho.
    A tia de D. António é uma celibata que vai polo Seminário a levar-lhe algumas "larpeiradas" ao professor de língua e literatura.
    Possuem uma casa grande com quarenta vacas e algumas propriedades urbanas na cidade de Lugo.
    -Seica tem tudo cedido ao bispo a troco de que a enterrem dentro da catedral à boa da senhora -aponta José Ribeira.
    -Pois essa sim vai aos céus de cabeça ! -ri Aveiro.
    O camareiro traze-lhes mais cerveja e alguns aperitivos. Entre bromas e comentários irónicos o grupo vai ficando só na cafetaria. Polo passeio já apenas transita alguma parelha ou esporádicos grupinhos de estudantes com andar raudo.
    Às dez da noite levantaram do Central. Uns minutos mais tarde o Ricardo chegava a casa com ar de haver tido contratempos no Seminário. Colensa nom se mostrava convencida nem com os argumentos nem com as horas da chegada:
    -És um canalha, um infame! Eu aquí aguardando-te a tarde inteira. Meus pais nom estiverom.
     -Espera -aclara ele-. Tenho-che que dizer que eu nom sabia... A onde forom?
    -A Cotá dos Queijos.
    -Há muito que vierom?
    -Pouco. Agora vãm à estaçom do caminho de ferro esperar a minha proma Maria do Carmo que chega de Barcelona.
    Ficou uns instantes paralisado como cravado ao piso. Ela em silêncio, ausente, com a vista extraviada tocava-se com a mão direita o nariz insistentemente.
    Um leve ruído na fechadura da porta de entrada fixo pensar ao Ricardo Aveiro que seriãm os pais da Colensa... Os planos que lhe remexiam na cabeça para aqueles momentos esmoreciam! Colocou à pressa os livros, tirou o sobretudo apressurado e como se levara tempo estudando, sentou-se na cadeira do seu quarto de estudo.
    Os pais da Colensa vinham com uma miúda de uns dez anos. Morena, cabelo preto e olhos escuros. Saudou à Colensa, logo ao Ricardo e passou directamente para a cozinha. Aveiro ficou no gabinete. Colensa acompanhou-os à cozinha para voltar com ele. Nos últimos dias estudavam juntos:
    -Sabes com quem ia passeando a tua amiga Chus? -soltou o Ricardo.
    -Com quem?
    -Com esse indivíduo que chamam Aspirino; creio que se apelida Cervo.
    -Sim. Vai muito polo nosso colégio. Nom me dirás que nom é bem-parecido?
    O Aveiro encolheu os ombros e olhou algo surpreendido para ela. Bem-parecido? Nom me tinha fixado!
    Uma espécie de ciúmes removeu-lhe as fibras do corpo. Um desejo egoísta pruía-lhe no cérebro, queria-a só para ele. Quem a pudera fechar numa urna de vidro das dimensões de um quarto, provista de cama e alfombras de veludo... E com provisões para a eternidade, elevarem-se os dous no interior a um planeta solitário!
    Maria do Carmo, a prima, levava já vários meses na casa do senhor Paraná. O Ricardo começava a preocupar-se por aquela presença; desde que chegara a miúda convertera-se em guarda dele e da Colensa. E o pior, ficaria por um tempo. Estudava no mesmo colégio religioso que Colensa. Se a Colensa ficava a estudar com o Aveiro ela também, se na cozinha ela também...
    Aquela noite forom-se os três para o quarto da TV, havia um concurso de cançom internacional. Fazia algo de frio, o senhor Paraná, que dormitava no sofá grande, ergueu-se e facilitou-lhes uma manta para pôr por cima das pernas. A noite é cru... Outros dous sofás menores estavam dispostos pola sala. Um jornal aberto em cima de uma mesa baixa. Um sapato por cá, um copo de água por lá!
    A Maria do Carmo sentou-se no meio dos dous... Um cruzar de olhos entre o Aveiro e a Colensa concordavam que algo haveria que fazer... A criança convertera-se em insuportável.
    -Nom tens sono? -perguntou-lhe a Colensa furiosa.
    -Nom...
    A Maria do Carmo sentiu-se um tanto coibida pola olhada, fria e dura, da prima. No entanto Aveiro levantou-se, deu uma volta polos serviços e voltou a sentar-se à beira da Colensa, taparom-se com a manta deluvando as mãos como justificando o embrulhamento. A Colensa afundou-se no sofá apertando-se a ele. A criança ficou à esquerda da Colensa meio dormitada já. Eram as onze da noite; na sala ninguém dizia nada, apenas se ouviam as cantigas emitidas pola TV, a Colensa ia com a mão direita, no anonimato da penumbra, em busca do calor das do Aveiro. Ele imediatamente respondeu ao estímulo, solícito, com um longo olhar. A miúda dormitava extenuada, debruçada sobre os guarda cotovelos.
    Pola porta entreaberta ouvia-se à mãe da Colensa fazendo os lavores da cozinha. O senhor Paraná fora-se à cama. De repente os ruídos da cozinha cessaram, ouvirom-se passos... O Ricardo deu um salto brusco no sofá e retirou rapidamente a manta colocando cuidadosamente, com a mão direita, o cabelo. A Colensa tapava-se com toda a naturalidade ao lado da criança e discretamente separada do Aveiro...
    -Nom credes que é hora de ir à cama? -dixo a senhora Andreia.
    -Sim, eu vou-me -assentiu a Colensa calçando as sapatilhas.
    O Ricardo também enfiou para a cama sem dizer nada.
    Na manhã seguinte, nos do grupo "Lucus" nenhum deles sabia as perguntas do professor de teologia. E já iam vários dias que nom respondiam correctamente; no liceu o aluno que nom soubera a teologia ou falara em galego iam-lhe restando pontos da conta. Cem eram os que um aluno tinha ao começo do curso. Por cada vez que falara no idioma da Galiza restavam-lhe cinco e por nom saber a teologia outros tantos. Quando alguém ficava sem pontos, à rua! ,Os membros do grupo esgotaram-nos já. Forom chamados polo superior ao seu escritório. Cada vez que o superior chamava a alguém, o Seminário convulsionava-se... A inquietaçom percorria o centro em forma de angústia e medo. Os professores davam as lições num tom mais baixo, os alunos tremiam. O sacho da guerra pendurava por cima de cada cabeça!
    O incompreensível comportamento das hierarquias do colégio, uma filosofia militarizante e até colonizante para com o povo que pretendiam "salvar", reproduzia nos alunos, polo menos nos mais susceptíveis e receptivos à solidariedade com as circunstâncias de escravidom dos seus compatriotas, uma espécie de ódio e ânsia de vingança que por outra parte martirizava-os de remordimentos, dados os seus princípios católicos...
    O escritório do superior estava no terceiro andar. Um enorme quarto com uma gigantesca lâmpada antiga no centro do tecto dava a entender que o poder nom andava longe. De fronte à porta da entrada a mesa de trabalho de Sua Excelência! As paredes nom se viam, estavam cobertas de estantarias de livros e tapizes que penduravam. Da parte direita à entrada pendia um quadro com a imagem do Papa. E sentado numa poltrona o Superior com ar grave, vestido de preto e com óculos de vidro grosso. Antes de entrar os do grupo, passou um professor pedindo licença:
    -Estes som os sujeitos -dixo em espanhol o apresentador-. Quatro pés para um banco e um de reserva.
    Os cinco guardarom silêncio, no entanto o Superior mexia entre papéis, procurava em vários cartapácios.
    -Querem-me explicar por que vocês esgotarom os cem pontos?
    Nenhum dos cinco respondeu nada. O Superior levantou-se da cadeira e com passo lento foi-se à janela que dá ao pátio de jogos.
    -Claro, nem tenhem resposta! -dixo de novo em espanhol olhando-os defronte.
    Evitarom ter que falar, pois negavam-se a pronunciar uma só palavra que nom for em galego.
    -Podem regressar às aulas. Passando o fim de semana terãm resposta da junta de governo -dixo o Superior com voz profunda.
    Tormentosa semana lhes aguardava. A angústia de nom saber se seriãm expulsados ou nom produze-lhes uma sensaçom de derrota. O Ricardo saía do escritório com a face cor vermelha. O Afonso temia-se o pior, opinava que seria inapelável a decisom... Os demais nom diziam nada.


    Corriam os últimos meses do ano de 1972. O Ricardo cavilava solitário passeando pola muralha se nom seria o último ano de estudante em Lugo? Porque, a onde ia? Se o expulsavam teria que marchar-se para Vilavelha! Tirava-se dos cabelos e olhava para o céu implorando:
    -Se existes bota uma mão para abaixo, eh!
    Mas o Deus nom podia responder às chamadas e pregárias do Aveiro. Um "protestador", rebelde, um comunista nom tinha acesso às alturas divinas... O Ricardo nom encontrava qualificativos idóneos para se definir naqueles momentos tristes. A amargura atenazava-o. Logo resignava-se. Ao fim, se se tinha que ir de Lugo sempre havia o aliciante da tranquilidade de Vilavelha. Deixar Lugo tinha o seu atractivo. Perder de vista a repugnante burguesia de via-estreita, provincianista e intermediária dos poderes alheios também tinha as suas vantagens.
    -Depois de tudo nom terei que aturar mais às senhoritingas essas que, vestidas com peles dos pobres animalinhos indefesos apestam o ar limpo e fresco dos invernos da cidade, que tanto odeio!
    Quando ia passando por cima da porta de Santiago ouviu um berro:
    -Aveiro! Aguarda...
    Era a Colensa que saía do colégio:
    -Como vai? -perguntou ela.
    -Mal.
    O Ricardo nom dissimulava a indignaçom e malestar que lhe produzia aquela horrorosa situaçom. Esperar a que transcorrera o fim de semana para saber algo... Contou tudo à Colensa, ela lamentava muito. Acariciava-o e dava-lhe constantemente ânimos para seguir tendo esperanças. Ele agradecia, mas no fundo do seu ser temia o desenlace, sentia-se "em capela" aguardando polo verdugo.
    O dia já se ia escurecendo. Deram uma volta mais à muralha e forom-se para a rua dos Cravos.
    Na casa só se encontrava a Maria do Carmo, a prima, os pais da Colensa foram dar um passeio pola cidade segundo palavras da menina. Logo a Colensa e o Ricardo coincidirom no quarto onde ele dorme, ao lado da janela que dá para a muralha. A Maria do Carmo pronto se incorporou à conversa! A Colensa mirou-a estranhada e indignou-se:
    -Já está cá ...
    A miúda quitou importância ao incidente e meteu-se entre ambos os dous botando-lhes as mãos por cima dos ombros. Permaneceram assim, em silêncio, um breve instante. Observavam à gente que passava pola muralha. De súpeto foi-se ao seu quarto a miúda. Nesse momento aproveitou o Ricardo e beijou à Colensa. De joelhos no chão apertava-a contra a sua cabeça, logo percorria-lhe com a boca o abdómen para uma vez incorporado passar polos peitos e cara. Com a mão direita ia-lhe subindo a fralda com suavidade e lentidom, com a esquerda tocava-lhe as carnes íntimas com delicadeza e ternura. No entanto alguém entrou no quarto, o lugar estava às escuras, nom se devisavam as pessoas com nitidez. Foi quando o Aveiro se arredou bruscamente ao saber-se observado.
    -Que fazedes? Era a mãe dela.
    -Nada, estamos olhando os caminhantes... -dixo a Colensa.
    -Ponde-vos a estudar que amanhã imos para Vilavelha a passar lá o dia -ordenou a senhora Andreia.
    Os dous mantinham em segredo o incidente do Seminário. Aquele fim de semana faria-se-lhe longuíssimo ao "réu". Como quem aguarda pola sentença que o ia julgar, as horas eram eternas.


    No dia seguinte a Colensa contou-lhe que a senhora Andreia interessara-se polo acontecido no quarto.
    -E tu que disse-che?
    -Que tropezaras com um sapato...
    Romperom os dous a rir, enquanto esperavam ao lado do carro que baixassem os pais dela e a prima. Aos poucos minutos desceu o senhor Paraná e a Maria do Carmo.
    -A mamã como sempre! -exclamou a Colensa.
    -Se nom baixa imo-nos sem ela -dixo rindo o pai.
    Já a senhora Andreia os acompanhava rolando o carro pola estrada para Vilavelha. 0 dia era esplêndido, notavam-se as partes brancas da geada sem derreter nas zonas sombreadas. Mas o sol luzia, apenas interrompido por alguma nuvem. De imediato veu-se-lhe à cabeça do Aveiro todo o embrolho do Seminário. A face pusso-se-lhe vermelha e o mundo vinha-se-lhe acima. Já nom era só o ter que deixar os estudos, pensava, o que mais o molestava era a possibilidade de se ver distanciado da Colensa, isso sim seria um forte pau ... Um golo mau de digerir!
    Em pouco menos de três horas chegarom a Vilavelha. Os pais do Ricardo vieram à porta a receber aos visitantes. Os irmãos dele iam levar o gado no lameiro do Rigueiral.
    O Ricardo foi direito à côrte dos cavalos. Gostava muito de passear montado. Bernardo, o pai do Ricardo, admirava-se do bem que se encontrava o senhor Paraná. Também regressaram do lameiro Maria e Manel, irmãos do Ricardo. Todos juntos iam entrando para a cozinha.
    Depois de tomar uns aperitivos e provar o vinho da nova colheita, Ricardo pediu licença para montar a cavalo com a Colensa. Dous cavalos formosos de cor vermelha escura com fitas pretas nas patas. A licença foi concedida e os dous partirom dando gritos de alegria para o monte das Andorinhas. Ao longe ouviam-se as escopetadas dos caçadores. Os cavalos alasavam. .. Ricardo passava-lhe a mão por cima da crina a Lindo, olhando para trás esperando por Colensa. O cavalo dela, Marelo, era mais velho e portanto mais lento.
    -Subimos ao couto e ali descansamos? -propuxo ela.
    -Subimos ...
    E partirom à carreira, nesta ocasiom Marelo adiantou-se a Lindo. Ricardo afirmava que se deixara ganhar. A Colensa seguia rindo e assegurava que as mulheres eram melhores montadoras! O Aveiro baixou-se e prendeu a Lindo da póla dum carvalho, aproximou-se solícito a Marelo para ajudar à Colensa a descer. Estendeu os braços e acenou-lhe, ela botou a perna direita para o lado contrário e apoiando-se nos ombros dele deixou deslisar as suas carnes polo corpo do Aveiro dando um ar de despreocupaçom. O Ricardo percebeu asinha a mensagem, colheu-lhe a cabeça com a mão direita. Ela queixou-se indicando para uma abrigueira muito jeitosa... Um ninho precioso! Dava o sol e estava a salvo do ar por umas uzeiras que se interpunham. Prenderom o cavalo dela ao mesmo carvalho e colocarom debaixo uma manta e de cabeceira puserom a jaqueta do Ricardo. Beijavam-se excitados, ela dizia cousas polo baixinho e botava-lhe as mãos ao pescoço. O Ricardo desabotoava-lhe a roupa superior e acariciava-lhe uma e outra vez os peitos... Quando a tudo isto, ouviu-se mesmo detrás das urzes que os guardavam o assobio de um sujeito chamando aos cães. O Aveiro incorporou-se furioso. Ordenou-lhe a ela que se asseasse e olhou para arriba bramando:
    -Quem será o filho do demo?
    -O filho do demo nom, homem! Sou filho de Deus...
    -Oh! Desculpe, D. José. Nom sabia..
    -Nom tem importância, compreende-se ...
    Era mesmo o abade da paróquia que andava aos coelhos. No primeiro momento nom acreditava na presença daquela rapariga tãm atraente... Logo ao saber que era da família... Falarom longo tempo. O abade fazia perguntas do Seminário. Por tal ou qual professor. O Aveiro olhou ali a sua salvaçom. Contou que tivera um problema... Que foram puras coincidências e pequenos incidentes os causantes da perda dos pontos. Que se ele fizesse algo lho agradeceria. O abade sempre fora amigo da casa. ..enterneceu-se e tomou nota... O Ricardo tentou, sem êxito, que o favor fosse extensivo aos outros membros do grupo, mas o abade compreendia as suas explicações mas nom acreditava que por fruto da casuística estivessem cinco indivíduos implicados numa expulsom! Nom, isso nom era possível...



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