Seguindo o caminho do vento

Páxina Anterior

A expulsom

Páxina Seguinte

Na segunda

    Na segunda-feira o Ricardo Aveiro chegou ao Seminário nervoso e extraviado nas preocupações. Tremiam-lhe as pernas por medo a saber o resultado do assunto que o embargava... Nada mais entrar na primeira classe forom chamados por megafonia: senhor Afonso Almeida, José Ribeira, Pedro Rivelo e Toninho Regueiro passem-se pola secretaria, fagam o favor. O colégio emudeceu... O que mais e o que menos sabia por onde iam os "tiros". O Ricardo olhou-os com surpresa e certa culpabilidade. Imaginava-se o resto. Como assim foi; expulsos. Interessou-se à saída, perguntava-se a si próprio se era lícito ficar no colégio quando foram os outros companheiros privados desse direito pola mesma culpa. Mil ideias lhe corriam polo cérebro! Entremisturavam-se angústias com aquelas tépidas miradas com olhos esvaídos, perdidos nas dimensões profundas dos pensamentos selvagens e jovens ...O sangue fluía polas veias, bombeado violentamente por um coraçom robusto, regando os tecidos tersos, brancos, suaves... Deixar o Seminário em solidariedade com os amigos, e ir estudar à Escola de Mestres Industriais, sempre lhe gostara muito a técnica electrónica. Que fazer? Perguntava-se uma e outra vez... Lembrava ao abade da sua paróquia, ao menos salvara-o do escândalo! Boa lhe tirara de cima. Ao fim de contas, poderia seguir em Lugo. E se mudava de centro de estudos era de jeito diferente! Ademais, no fundo, quem dixo de ser abade?
    O primeiro dia de classe sem os amigos do grupo foi terrível. As flores do jardim, que se divisavam desde a janela, pareciam murchas.
    À saída do liceu andara dando voltas sem rumo pola muralha ...Os passeios, as horas, os minutos, segundos. Imagens que se agolpavam. O cérebro sempre ocupado de pensamentos, frases, veladas ...Desejos que nunca chegarom a cumprir-se. Películas inteiras filmadas numa fita imaginária sempre intervindo as mesmas pessoas. O vento que arrasta até os seus pés um pedaço de jornal, um pássaro que emite lindas notas musicais, quiçá um "dó" alto sustenido... Quiçá "si" bemol, ou quem sabe. Uma composiçom em "mi" maior! Sempre ia matar as penas ao mesmo lugar. Era o seu refúgio! Perguntava-se onde andariam os amigos? Seguramente no Central? Sem mais, acelerou o passo e enfiou para lá. O vento quase o arrastava da muralha. Umas nuvens pretas aproximavam-se lá polo alto... Os efeitos visuais faziam-nas contactar com as torres da catedral. No Central encontravam-se eles e alguns rapazes mais... Imediatamente de vê-lo entrar pola porta soltou Toninho:
    -O quê? Protegeu-te o parente rico? Vaia, vaia! ...
    O Ricardo rosnou algo polo baixo. Pronto saiu Afonso na sua defesa:
    -Ele nom tem culpa. Todos faríamos o mesmo no seu lugar.
    Guardarom silêncio, o Ricardo arrastou uma cadeira e uniu-se ao grupo:
    -Veredes ...
    Aproximou-se um pouco mais a eles.
    -Eu encontrei-me o fim de semana com o abade da minha paróquia e propuxe-lhe, mas pensando em todos nós, que falasse com o Superior; som amigos. Polo visto só falou por mim, sinto muito.
    O Toninho moveu os ombros como desculpando-se do seu tom violento... Os demais assentiam movendo a cabeça. Mas o Rivelo explicava ao Ricardo que já foram admitidos, uns na Escola de Mestres Industriais, e outros no Instituto. Afortunadamente nestes centros havia vagas disponíveis. O Aveiro felicitava-os contente. Ao menos seguiria vendo-os em Lugo. No Central...
    -O próximo domingo estamos convidados a uma reuniom, um "baile" -dixo o Ribeiro.
    -Raparigas das boas! -apontou Pedro.
    O Aveiro pensou em silêncio um instante... Lembrou a Colensa; ia-se pôr furiosa! Duvidou um tanto, mas com um sorriso nos lábios, estoirou de gozo, dixo que sim que iria. Como nom! Que caralho, nom podia, tãm jovem, atar-se a uma rapariga que seguramente tarde ou cedo o abandonaria. Se ficava em casa com ela, o mais seguro é que algum "abade", "delegado" ou qualquer sujeito nom identificado interferissem; portanto a divertir-se!
    -Às sete da tarde esperamos-te na Porta de Santiago. A "juntança" terá lugar na estrada da Corunha, creio que no número 106 -dixo o Afonso.
    Ali, nesse número, já tinham feito mais "bailes" dessa classe alguns meses antes aos que assistira o Ricardo. Quase todas as moças eram empregadas e alguma estudante desviada do recto caminho. Magrinhas, meninas dispostas a deixar-se conduzir polos recantos do amor livre e desenfreado. Fechados num apartamento de algum "amigote" que lhes cedia o ninho, davam renda solta aos instintos reprimidos a extremo exarcebado por um regime político caduco e absurdo. Convertiam numa ilha maravilhosa, e por umas horas, um quarto qualquer...
    Entom o Ricardo encaminhou para a rua dos Cravos com andar raudo. Já rondavam as nove e trinta da noite nas agulhas do relógio. As nuvens descarregaram e apenas caíam gotas esporádicas. No entanto o Aveiro protegia-se com os livros da leve chuva.
    Na cozinha rugia a senhora Andreia com as olas... No quarto defronte o senhor Paraná lia com óculos de vidro grosso. A Maria do Carmo talvez ia na cama, a Colensa olhava a TV na sala correspondente. Depois de saudar ao pai e mãe dela, foi para a sala da televisom. A Colensa perguntou como lhe correra... Ela tivera má sorte, suspenderam-na em línguas...
    -Estou até o chapéu das monjas.
    A situaçom era insuportável quando lhes punham aulas de "comportamento feminino". É incrível! Pensam que somos retrassadas... Contou que aparecera uma parede pintada com a legenda: "A virgindade cria cancro, vacina-te".
    Formarom-nas a todas no pátio e pretendiam que saira a autora da "pintada"! Pois ali duas horas... Algumas companheiras caírom-se ao chão mareadas.
    Caídos ao longo do sofá, ela por baixo, o corpo da Colensa agitava-se num nervoso e excitado movimento. Esqueceram que nom estavam sós na casa! A porta meio aberta deixava perceber os ruídos da senhora Andreia na cozinha. Mas o movimento e os pequenos gemidos de prazer da menina confundiam-se... Nom obstante o Aveiro olhou por debaixo do braço com que acariciava à Colensa e dando um salto incorporou-se. A senhora Andreia na porta, paralisada como uma laje barada movia a cabeça emudecida. Ele, com as mãos tapando o rosto, ouvia como a Colensa intentava convencer à mãe de que se tratava só da extracçom de uma borbulha da pele. Quando elas se tinham ido para a cozinha a comentar com o senhor Paraná, o Ricardo imaginou-se cousas horríveis. Asinha teria que ir buscando nova pousada... Aquela noite passou-a violentado; foi-se directamente à cama e aguardava com preocupaçom a manhã. Que lhe diriam? Acreditariãm realmente na história ingénua e absurda que se inventara a filha? For como for, havia que botar-lhe valor ao assunto! Nom se deixar intimidar por algo que seguramente nom passaria de uma anedota para contar no Central.
    De manhã ninguém mentou nada com relaçom ao ocorrido pola noite. Falarom como sempre, do tempo, dos estudos e de ir outra vez a Vilavelha. A Colensa insistia, queria-se ir do colégio. O senhor Paraná convidou ao Ricardo a passar-se, se gostava, ao finalizar o estudo, polas Belas Artes; o Aveiro desculpou-se, agradeceu e dixo que seguramente teria um partido de futebol.
    O domingo aproximava-se e andava cavilando que desculpa dar para ausentar-se sem despertar rezelos na menina. Já a tinha! Iria jogar um partido de futebol... A onde? Pois a Rábade, Portomarim, Sárria... Mas logo pensou melhor, poria o achaque de ir estudar matemática com algum companheiro. Sim, seria preferível.


    O domingo pola manhã a senhora Andreia dava berros na casa levantando ao pessoal; dizia que logo nom lhe dava tempo para arranjar as camas, fazer limpeza e ir escutar a orquestra à Alameda. O senhor Paraná saíra cedo polo jornal de notícias e lia-o no quarto defronte à cozinha, sentado na sua poltrona. Lamentava as notícias que indicavam a penúria dos Palestinos... Indignava-o a política de traiçom dos países árabes moderados.
    -E o Celtinha ganhou ontem ao Madrid!- exclamou.
    O Ricardo comentava na cozinha à senhora Andreia que pola tarde iria estudar, com um amigo, matemática. A Colensa interessou-se desde os serviços quem era o amigo:
    -Nom conheces! Chama-se António, António Couto dixo vacilante.
    -Homem nom! É amigo do Aspirino. Venhem muito polo nosso colégio.
    -Vaia! -cavilou para si próprio o Ricardo-. Nom sabia eu que existira tal indivíduo...
    A Colensa saíra para a missa das doze. O Aveiro, fazendo-se despreocupado, saiu imediatamente e encontrou-a chegando à porta principal da catedral, defronte ao Paço do Bispo. Vinhera correndo para alcançá-la e tomava alento antes de falar. Ela com um desdebuxado sorriso esperou um instante em silêncio. Convidou-a a dar uma volta polo Parque da Rosalia de Castro... Ela aceitou com gosto:
    -Nom dizes nada?-perguntou ele.
    -Nom vejo de que falar.
    Quando iam chegando ao Parque ouviu-se o chilrear dos pássaros. Os pardais revoavam com decisom de árvore em árvore. Alguma pomba pousava-se nos três passos da breve escada que dá acesso ao Parque desde a Praça de Avilês.
    -Eu quero-che pedir -dixo o Aveiro -que saias comigo aos domingos. Podemos ir a algum baile, passá-lo bem, nom crês?
    Ela nom aceitava. Era muito jovem, tinha-lhe dito a mãe que ainda nada de moços! E menos sair sós com o Aveiro.
    -Sim, dixo-che isso?
    -Dixo.
    Ele, sem aguentar mais, abordou-a ao pé do monumento do Alcaide e prometeu-lhe amá-la durante a sua existência:
    -Quero-che tanto, daria a minha vida por ti, mas preciso formalizar as relações, dar-lhe forma convencional...
    Ela insinuou um seco sorriso de incredulidade e dixo:
    -Eu sim te quero, mas tu?
    Ele jurava, prometia. Incluso assegurava que se ela tiver a desgraça de ficar cega, tolheita, coxa, ou o que for, ele entregaria-lhe a vida igual. Até o fim dos dias. Caminharom sem se deterem algum tempo. Ela seguia olhando atrevido a proposiçom, tãm jovem e com noivo, nom podia ser! O Ricardo, resignado, acompanhou-a até a casa e voltou logo para escutar à orquestra na Alameda.
    A negativa dela justificava-lhe mais a sua escapada da tarde. Era uma vingança moral que fazia da "juntança" um acto de amor próprio, um orgulho pessoal arrastava-o ao número 106 da estrada da Corunha.


    Tal como calculara, saiu da casa uma hora antes da cita na Porta de Santiago. A Colensa mostrou o seu desacordo dizendo-lhe que nom cria que fora a estudar; nunca fizeste tal cousa! Ele sem dar-lhe muita atençom, e meio zangado, fechou a porta com suavidade para nom provocar ruído. Ela ficou furiosa, berrava-lhe aos pais insensatezes; punha a televisom e logo desconectava o interruptor. Ia ao serviço, saía e increpava à prima:
    -Sempre estás no meio!
    -Se queres saímos? -propuxo a Maria do Carmo.
    A Colensa olhou-a e acreditou na ideia. Tomarom um café no Central, logo forom ao Círculo das Belas Artes. Passaram pola rua da Rainha arriba e abaixo. À Colensa ia-se-lhe esquecendo o mau humor, o rosto deixava-lhe reflectir um esplêndido sorriso. Os seus olhos castanhos e jovens e a extremada fracura do seu corpo acrescentava-se quando o ar incidia sobre as roupas aplastando-as à linda esbeltez... O riso pronunciava-lhe os ossos da cara, mas ainda assim resultava tãm bela! De súpeto, um encoleramento repentino e raivoso apoderou-se dela quando olhou passeando ao sujeito António Couto.
    -Com que estudando? -bramou furiosa.
    A Maria do Carmo olhou-a e deu-lhe com o cotovelo para que se moderasse. Ouvia-se-lhe rosnar. Numa correria feroz prantou-se na casa; fechou a porta de um golpe tal que os quadros pendurados das paredes moviam-se ameaçando desprender-se. A prima nom pudo segui-la e optou por regressar devagar.
    Quando o Aveiro volveu ao número 5 da rua dos Cravos, todos dormiam. Adentrou-se em silêncio para que ninguém acordara. Meteu-se no seu quarto a escuras, fechou a porta e deu a luz da lâmpada da mesinha de noite à vez que respirava profundo. Sentada aguardava Colensa numa furtiva escapada. Ele paralisou-se, sem saber que dizer tocava-se o cabelo insistentemente. Ela bufava e penetrava-o com um olhar furioso e fixo. Ao Ricardo nom lhe quedarom mais recursos que os de encolher os ombros e esperar a que ela falara. A Colensa, excitada, demandou aginha uma confissom. Ele guardava silêncio tratando de inventar-se algo crível!
    -Verás -dixo.
    A Colensa nom quixo ouvir. Rompeu a chorar e saiu correndo do quarto. Era o seu eterno recurso, sair disparada. O Aveiro ficou desfeito... Pensava em tantas cousas naqueles momentos! Aquilo nom funcionava... Meteu-se na cama, tapou-se e ainda seguiu cavilando. Por vezes consolava-se pensando em que no dia seguinte tudo ficaria resolvido. Nom foi assim, a Colensa voltou-se hostil desde aquele momento. Duma crueldade inusitada. Nom falava uma palavra o Aveiro sem que ela contradizesse. Os pais estranhados reprendiam-na. Como podia tratar assim ao rapaz? -perguntavam-se.
    Antes, ao terminar o jantar, encontravam-se uns momentos no curto passadiço que une os dous quartos que dãm à muralha, a final do longo corredor que parte da entrada, e ali os dous corpos pegados alasavam, desfaziam-se num encontro violento e por vezes até lascivo... Rolava uma boca sobre a outra num desenfreio louco! Mas agora tam pronto como assoma o Aveiro por onde ela andara, fugia como quem se arreda de um apestado.
    O Ricardo perdera já as esperanças, voltava tarde à casa, quase nom falava para nom dar lugar a enconadas descussões. Refugiava-se no quarto de estudo solitário e doido.


    A final de vários meses zangados, e numa constante e violenta guerra, o Aveiro saía do Central, a onde acudira a tomar um café com os seus antigos companheiros de estudo, quando alguém lhe bateu suavemente no ombro. Virou rápido e brusco. Assombrado encontrou-se com a Colensa, calada, sorrindo piedosamente como implorando clemência. Fora do Central havia uns suportais; debaixo algumas cadeiras recolhidas. Corria um ar faiscante que cortava.
    O Ricardo permaneceu em silêncio e ela continuou a rir, agora mais abertamente:
    -Imos para casa. Queres? -propuxo ela com agarimo ladeando um tanto a cabeça para o lado.
    -Imos ...
    Seriãm as sete e trinta da tarde; ambos os dous enfiarom para a rua dos Cravos, ela contava que na casa nom havia ninguém. Os pais nom regressariãm até às dez e a Maria do Carmo fora-se, por fim, de manhã para junto dos seus pais. Portanto poderiãm intentar limar as diferenças e fazer o que ele desejara sempre tanto. Depois Colensa confessava que também ela gostava de amar com ele ...
    O Aveiro achava tudo tãm repentino e estranho que nom dava crédito ao que viam e ouviam os seus sentidos. A Colensa entrara primeiro na casa, deu um berro de "quem mora" e ninguém respondeu. A vivenda estava realmente só... Ele indicou que preferia ir para o quarto que mais dista da entrada, assim se alguém viera estavam perto os serviços, e incluso havia a possibilidade de passar à cozinha, através duma terraça, em caso de necessidade. Mas ela nom aceitou. Tinha pressa! Quixo que fosse no quarto defronte à entrada, perto da cozinha... O Ricardo tratava de convencê-la.
    -Vens ou nom?-cortou ela com gesto seco.
    O Ricardo, movendo a cabeça para os lados, adentrou-se, beijando-a e a Colensa debruçou-se de imediato para cima da cama deixando as pernas, dobradas polos joelhos, colgando como dous círios... O Ricardo, num momento, apressurado, baixou-lhe as calças e com suavidade introduzia a mão entre as bombachas à vez que ia quedando ao descoberto a brancura da pele. A Colensa dizia cousas disparatadas com os dentes apertados, respirava profundo... E animava-o, suplicava, excitada, que a fixera sentir.
    Quando a menina se desfazia nuns movimentos lúbricos e com uma electricidade do demo ouviu-se como se alguém tocara a fechadura da porta da entrada... Paralisarom-se de imediato e escutarom um instante em silêncio...
    -Eu já che dixem! -protestou ele.
    A Colensa reagiu rauda, colheu as bombachas e alguma outra prenda que lhe colgava e saiu disparada, meteu-se no quarto mais próximo, introduziu-se na cama e fingia dormir, incluso emitia uns rouquidos exagerados...
    O Aveiro quedou-se com as calças na mão, já subidas, nem lhe dera tempo a abotoá-las. Eram os pais da menina:
    -Que fazes aí, Ricardo?
    O rapaz fazia ademanes de se interessar por nom sei o quê dentro das gavetas da mesinha de noite, já se sentara no rebordo da cama, num intento de dissimular. Nom soubo o que responder e guardou silêncio.
    Os pais da Colensa enfiarom seguidamente para o quarto onde ela "dormia" afanosamente. O Aveiro ouvia através das portas:
    -Venha, venha! Menos conto ...Que fazíades, eh? -inquiriu o pai.
    O Ricardo incorporou-se, abotoou as calças e saiu do quarto e foi-se para o Central.
    Achava o final de toda a aventura naquela desafortunada e desenfreada velada. Já passaram alguns meses do ano 1974. O senhor Paraná piorou na sua doença de fígado. Quase que nom saía mais que para comprar a imprensa ou para visitar ao doutor. O Ricardo aquela noite no Central perguntara a um companheiro de pousada do Afonso por algum lugar barato para se hospedar ...Previa o fim na rua dos Cravos. O sujeito quedara em inquirir lá pola zona exterior, na rua das Hortas. Um indivíduo que estudara com ele morava na casa de uma senhora maior, seica muito económica e limpa a morada aquela.
    Quando o Ricardo regressou para a rua dos Cravos, o senhor Paraná estava ainda desperto com luz acesa e aguardando-o. Fixo-o sentar e falarom tranquilamente do sucedido, em boas maneiras convidou-o para que no mais breve prazo de tempo possível abandonasse a casa. O Ricardo nom dizia nada, esperava aquilo e mais! Polo que nom o colhia desprevenido. Ao senhor Paraná fazia-se-lhe violento, mas nom havia outro remédio...
    Nos ouvidos do Ricardo retumbavam ainda, aquela noite triste e desgraçada, as primeiras palavras do senhor Paraná lá polo ano 1969. Nos finais desse ano começara os estudos em Lugo:
    -Hemo-lo casar com a menina -bromeava entom o que agora lhe pedia saíra voando da casa.
    O Aveiro bem sabia que nom era mais que um comentário banal, mas tampouco perdera as esperanças. Amava-a desde bem pequeno. Logo consolava-se imaginando que ainda fora da casa continuaria vendo-a. Quiçá na muralha, no parque, no rio?
    No entanto nos dias que o Aveiro tardou em ir-se da casa a Colensa mudara muito nas suas atitudes.
    A Ricardo indignava-o o ar que ela se dava como se jamais entre ambos existira a mais mínima relaçom...
    -Mas será zorra?
    O último dia que estivo na rua dos Cravos era sábado. Passeava pola muralha de manhã cedo, na porta de Sam Pedro encontrou-se com o Rivelo que ia lívido e gesticulando só.
    O Aveiro acenou-lhe e tivo ainda que lhe gritar para que o amigo se detivera:
    -Mas homem! Que fazes?-perguntou o Aveiro.
    -Cala! Nom lembras a Maribel? Sim homem, uma loira, levava sete meses com ela. Atopei-a aí abaixo beijando no Carlos Lopes.
    Continuarom caminhando e comentando-se as desditas... Concordavam em que a vida era tam suja e vil que duvidavam se merecia a pena seguir... Lá foram logo para o Central a empapar-se de Ribeiro. Pedirom dous litros:
    -Afoga as penas, Aveirinho, pago eu!
    Detrás daqueles pediram outros dous litros. Já nom viam... Estavam bêbedos como pipas. Tam só eram as doze da manhã. Agarrando-se um ao outro lá enfiarom para a Praça de Santo Domingo. O Aveiro dizia que ali estaria a Colensa! Costumava passar para a biblioteca. Pedro balbuciava dizendo que era sábado e a biblioteca fechara. No entanto a fonte da Praça estava rebosante de água ...
    -Feliz ideia! Pegar-se um banho... -soltou Pedro.
    -A que nom tens colhões? -rosnou o Aveiro.
    Um em que sim e o outro em que nom, ao final terminaram os dous na água. A gente arremoinhou-se ante a atracçom inesperada! Asinha apareceu um carro da polícia municipal que conduziu aos intrusos à cadeia por várias horas.
    -Quando se lhes passe a "cheia" poderãm ir-se! -dixo um agente.



Páxina Anterior

Ir ao índice de Páxinas

Páxina Seguinte


logoDeputación logoBVG © 2006 Biblioteca Virtual Galega