Seguindo o caminho do vento

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O ausente

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Polo Central tudo continuava igual

    Polo Central tudo continuava igual. Corriam os finais de Junho de 1975; as férias dos estudantes despejaram as ruas, buliciosas e concorridas nas horas de saída das aulas dos liceus, apacíveis e serenas agora. O Afonso jogava à baralha com Pedro contra do Ribeira e do Toninho. O Pedro zangara-se porque o Afonso nom botara o três de ouros quando devera! O Ribeira ria e reprendia no Pedro:
    -És um berralhãm, cala!
    O Toninho lembrou-se do Aveiro, fazia oito dias da sua partida e ainda sem receber notícias:
    -As cartas da Itália demoram o seu -dixo o Ribeira.
    -É certo -assentiu o Afonso.
    Ultimamente freqüentava o Central o Aspirino que seica ia começar a carreira de veterinário.
    O Pedro bromeava com o futuro veterinário. Dizia-lhe que ia ter que se aninhar muito para examinar o úbere das vacas. A sua estatura é um tanto exageradamente longa... Mais tarde chegou a Colensa, ficara em juntar-se ali com o Cervo. O Afonso falava em voz alta para que ela ouvisse. Comentava do amigo Ricardo:
    -Por onde andará o nosso Aveirinho?
    No entanto Cervo e Pedro, com a Colensa ao lado, comentavam o difícil que se punham os estudos com o assunto do "numerus clausus"... A Colensa dizia que ela optava polo Magistério, assim nom teria que ir-se de Lugo nem lhe afectariãm as leis restritivas.
    -Coitadinho. Que triste ia por nós deixar -voltou à carga o Afonso- .Creio que leva intençom de olhar por Madrid na Escola de Industriais...
    O Aspirino colocava o nó da gravata e olhava de relance para o Afonso. A Colensa sentia-se violenta... Nom sabia que fazer! O Pedro olhou para Afonso e passando a mão polo queixo inquiriu:
    -De que falas?
    -Do Aveiro ...
    Nesse instante Colensa levantou, colheu pola mão ao Cervo e saiu do Central... O sol de Junho reflectia na vidraça do Central com uma intensidade que cegava. A gente passeava pola rua em manga curta, alguma rapariga adornava a paisagem urbana com a sua cor-praia... Os pássaros revoavam de árvore em árvore comunicando-se na sua linguagem própria.
    No dia seguinte coincidirom na cafetaria o Toninho e José Ribeira. Inquiriam-se sobre os outros dous assíduos... Sentarorn-se nas cadeiras da mesa de costume, nom lhes deu tempo a pedir consumiçom alguma quando faziam apariçom pola porta o Afonso e o Pedro.
    -Há notícias -berrou alvoroçado o Afonso.
    -Escreveu o viageiro -dixo rindo o Pedro.
    Os outros levantarom-se das cadeiras, sorriam inquedos ...O Afonso apaziguou-os ordenando-lhes sentar-se de novo, ele leria:

                "Meus caros:

                Já estou na bela Grécia! E maravilhoso este
                país. Hoje estivemos vendo onde se metiam
                os abades gregos para ensinarem o idioma
                deste povo às crianças durante a ocupaçom
                bárbara dos turcos.
..".


    -Disso sabemos algo nós, os galegos -interrompeu o Ribeira.
    -Ainda nom chegarom a tanto -replicou o Afonso.
    -Nom? E logo, no Seminário nom está proibido acaso? -zangou-se o Toninho.
    Observou-se um silêncio que ninguém queria romper ...O Afonso tragou saliva, carpiu e continuou lendo:

                "... Quando passei por Madrid encontrei-me
                no aeroporto com aquele rapaz que estudara
                algum tempo connosco, sim, Carlos Lopes.
                Que logo fora parar ao exército... Ficou de
                inteirar-se da minha matrícula em Industriais.
                Ele também fai essa carreira. Portanto, farei-
                -vos uma breve visita e logo partirei de novo
                para Madrid. De Grécia um abraço.

                                                        Ricardo Aveiro
".

    Um silêncio de rigor emudeceu-os por uns segundos. O murmúrio da cafetaria ia em aumento.
    -Por fim deixa-nos! -lamentou Toninho.
    -Sim... -dixo o Afonso embrulhando a carta.
    Mas o leitor guardou-se de fazer referência do P. S. onde o Aveiro dá recordos à Colensa por enésima... Depois de pedir um vermute ao camareiro, falou-lhes do assunto.
    -Essa zorra -dixo indignado o Pedro -nom merez que a queiram assim!
    -Pois agora a infame vem muito polo Central... Algo lhe deve ficar porque gosta muito de arrimar-se a nós. Sabe que somos amigos dele -aponta o José.
    -É certo -assentiu o Afonso.


    Nos primeiros dias de Julho, quando se tinham ido da cidade todos os amigos e só ficava o Pedro apareceu o Aveiro numa tarde baixa na Av. de Ramom Ferreiro. Regressava de Madrid no comboio eléctrico e já nom tinha combinaçom para Vilavelha. Ia em busca de um lugar onde passar a noite. O Ricardo vestia camisa vermelha, calças de pano verde e sapatos de verão. Na mão direita uma pasta de viagem loira e na esquerda uma caçadora azul escuro. Quando passava pola altura da Escola de Magistério saiu de uma taberna dando gritos de contente o Pedro:
    -Mas homem! Vem para cá lacazãm do demo ...
    Fusionarom-se num forte abraço de amigos e encaminharom-se para a rua da Marinha. O Pedro alviscou de súpeto à Colensa e dixo:
    -Sem olhar! A que nom sabes quem vem polo outro passeio da rua?
    -Nom...
    O Pedro acenando com a mão num tom despectivo e burlom dizia-lhe em voz alta:
    -Vê-Ia, vê-Ia! E ela com o Cervo da mão...
    -Cala homem, nom grites assim! -dixo desconcertado o Ricardo.
    A Colensa quando se inteirou da presença de ambos, colheu com as duas mãos o braço direito do Aspirino e tirando dele botarom a correr para o centro da cidade.
    O Cervo olhava para trás sem saber muito bem polo que corria... O Pedro seguia increpando-os a gritos.. Iam chegando à rua da Marinha. O Pedro interessava-se polos projectos do Ricardo:
    -Assim que nos deixas, eh?
    -Sim. Nom poderia viver nesta cidade...
    -Tanto a amas?
    -Desgraçadamente ...
    O Aveiro contou cousas da viagem. Do feliz encontro com o Carlos Lopes. Fora-se para o exército mas seguia a ser bom patriota... À sua maneira!
    Botaram a noite em conversa; falarom dos projectos, o Pedro queria estudar filologia, gostava do assunto lingüístico. Também se contavam alguns segredos zelosamente enlatados nos arquivos do tempo. As primeiras experiências sexuais, os velhos tempos... Quando queriam ser abades!


    Na manhã seguinte o Ricardo partiu cedo para Vilavelha. Queria comunicar aos pais os planos e saber com que ajuda económica podia contar. Dias mais tarde tomaria o comboio em Monforte de Lemos com destino a Madrid. Nom queria saber mais da menina... A sua obsessom era esquecer pronto tudo o que o prendia daquela maneira tãm intensa à cidade onde fora feliz outrora!
    No autocarro que o levava para Vilavelha o Ricardo fazia análise do passado. Perguntava-se como podiam suceder cousas tãm imprevisíveis e dramáticas... Foi entom quando lembrou as palavras da Colensa referindo-se numa ocasiom ao noivo de uma amiga:
    "...Por vezes duas pessoas que se amam fam-se mais dano que os mais ferozes inimigos ...».
    Que certo! Mas no caso do Ricardo e a Colensa ficava claro que nom havia causa que justificara uma decisom tãm cruel! E volvia uma e outra vez a dar-se a mesma resposta! Noutro momento do dilatado pensamento retrospectivo opinava que a mãe dela pudera haver tido muito de culpa. Ia planeando com a mente polas possíveis causas da desgraça. Mas aparecia o Aspirino como um enviado dos maus fados...
    -Maldito porco! -pensava quase em voz alta.
    E seguia cavilando, voltas e mais voltas! E ainda concordava em que a senhora Andreia algo de culpa teria.
    -Má laje o parta -dixo em alto lembrando-se do Aspirino.
    O nome funesto do futuro veterinário acompanha-ria-o para os restos.
    -Como dize você? -perguntou o sujeito que ocupava o assento contíguo.
    -Nada, nada. É que ia pensando...
    O rosto do Ricardo pusso-se vermelho. Abriu um livro de bolso que guardava na caçadora e leu. Era de Herman Hesse, relatos... O indivíduo do lado olhou para as tapas e num interesse desbordado perguntou:
    -De Herman Hesse?
    -Sim.
    -Sublime... Maravilhoso; é algo extraordinário tudo o que escreveu!
    O Ricardo assentiu sem imutar-se, seguiu lendo. Nom queria compartir a sua intimidade com ninguém... Já nom faltava muito para chegar a Vilavelha, apenas dez quilómetros... Quando o Aveiro desceu do autocarro na paragem correspondente, estava por acaso o irmão Manel. Saudarom-se e o Ricardo contou cousas da viagem. Perguntou se chegaram os postais. Manel confirmou, os da Grécia gostaram muito...
    No curto trajecto até Vilavelha o Ricardo caminhava com passo firme e lento como querendo saborear o aroma das plantas, de vez em quando evitava pisar bosta de vaca que incluso o seu fedor, misturado com o perfume suave a eucalipto, resultava agradável ao olfacto. O irmão em silêncio olhava-o de vez em quando e franzia o cenho. Nunca tãm devagar fixera o caminho da Arroteia. O firmamento era dum azul intenso, as cigarras entoavam melodias sem parar, as moscas e os tavãos zumbam por cima das cabeças... As vespas vãm de croque em croque, de flor em flor ...O campo impunha a sua harmonia!



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