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Um Madrid de poluiçom que irrita os olhos.
O Metro onde as pessoas, imitando as toupas, tenhem que suportar cheiros putrefactos numa extensa gama que
vai do forte até o leve passando por um "meio" forte, entre fétido e podre! Uma carência de humidade que
empareda as fossas nasais. O Aveiro padecia uma horrorosa claustrofobia na
"metrópole"...
Um inferno, nom deixava de repetir a quem lhe perguntara:
-E de Madrid ao céu? Como nom seja porque se morre pronto! -comentava com um companheiro galego
à entrada da Escola de Engenharia Técnica Industrial, na rua de Valência... Quando iam à altura dum grupinho de colegas no primeiro andar da Escola alguém
lhe dixo em espanhol:
-Ouve, galego, no terceiro andar espera-te Carlos, o teu paisano.
-Obrigado.
Continuou subindo. O outro galego que o acompanhava apartou no primeiro, onde tinha Física.
O edifício da Escola era, por afora, do mais feio e vulgar. Ladrilhos
marrões recobrindo as paredes, janeIas de ferro pintadas de preto. As vidraças cheias de
pó faziam jogo com o resto da construçom, cinzenta e duma linha arquitectónica funcional onde os gostos
da estética estavam ausentes. No interior, os andares tinham todos a mesma distribuiçom. Um passadiço longo
de norte a sul e ao leste outro; à sua beira estavam as aulas. Por cada final de passadiço uma escada que
une os andares com as caves, onde estavam situados os laboratórios.
-Como vai isso? -perguntou o Carlos.
-Bem; falas-te com o dono dessa cafetaria?
-Falei. Dá-che trabalho todos os dias de doze a quinze, para servir as comidas. Se aceitas terás que
mudar o horário na Escola. No turno de tarde começam as classes às dezasseis até às vinteuma...
O Aveiro assentia e com rosto de preocupaçom entrou na aula de Matemática. O Carlos meteu-se noutra
contígua de curso superior. Nom ignorava Aveiro o difícil que seria dar-lhe adiante à carreira
trabalhando, para ganhar só quatro mil pesetas e apenas lhe restaria tempo para estudar... Fixara a residência num povo
das aforas da cidade... Resultava mais económico, S. Fernando, a uma carreira-de-cão do aeroporto de
Barajas e a muitas do centro de Madrid. Isto imporia-lhe uma desvinculaçom com os companheiros galegos da
Escola. O divertimento do Aveiro limitava-se a tomar uns petiscos e vinho do país, nas manhãs dos domingos,
num bar galego... Depois dava longos passeios polos montes próximos... Dilatadas caminhadas buscando a
reflexom que o reconfortara... E cavilando no seu passado ou no futuro incerto, na sua imaginaçom
olhava-se fazendo isto ou aquilo! Noutros momentos asqueava-lhe o obsessivo círculo, tãm reduzido e recalcitrante. Em
qualquer empresa imaginária que iniciara estava aguardando em alguma confluência de caminhos a Colensa
arrependida e disposta a recebê-lo gostosa como em tempos idos... Os ares do outono traziam-lhe lembranças
de veladas passadas. Deleitava-se recordando as carreiras de cavalos em Vilavelha ou tantas vezes como sonharam
juntos ...Eam os meados do mês de Outubro e ainda luzia o sol polos montinhos perto de S. Fernando.
Aquele domingo saíra com um jornal galego, recebido fazia dous dias, debaixo do braço... Imaginava-se como
seria a vida da Colensa ao lado do Cervo... Os ciúmes invadiam-no, como fariãm o amor? Estava seguro que
nom suportaria jamais o regresso à cidade de cujo nome preferia nom falar se nom for porque odiava
as frases feitas! Nos seus sonhos passeava pola muralha com a Colensa sorridente e totalmente entregada...
Depois, como na parte negativa de urna polaridade eléctrica, via-a passar caminho do Colégio! Ainda que
agora estaria já estudando o Magistério, o lugar de passo seria outro; mas no inconsciente da memória do Ricardo
o tempo ficara fixado, atrapado...
No entanto recordou à Maria do Carmo Ferreira, uma companheira da Escola que nom o deixava um
momento... Até resultava pesada; mas pensando-o bem! Tinha o seu sotaque!
Ia caminhando por um descampado já perto da Cidade Pégaso, sentou-se um instante numa pedra e abriu
o jornal pola página de desportos:
-Mas... E isto? -exclamou erguendo-se depressa.
O jornal dava os resultados das competições galegas de atletismo
feminino:
"...Colensa Lopes afiança-se corno a melhor velocista galega em cem metros lisos...".
-É certo, praticava atletismo... Mas apenas!
Voltou a sentar-se de novo e lia interessado as notícias. Depois de um tempo embrulhou o jornal e com
certa indignaçom arrevolou-o com força a um buraco, querendo enterrar ali aquele maldito recordo que o
perseguia a todas partes:
-Terei que deixar de ler os jornais da Galiza!!!
No dia seguinte foi às classes decidido a fazer-lhe algo de mais atençom à paisana. Ainda que nas
segundas-feiras a Maria do Carrno costumava faltar, aquele nom foi assim:
-Como lhe foi o domingo ao orgulhoso paisano? -bromeou ela.
-E você?
-Nom podes negar que és galego, eh? Perguntas antes... Eu passei o dia estudando electrónica, nom vês
que vai haver controlo hoje!
O Ricardo botou as mãos à cabeça, nom lembrara tal cousa.
-Entom será melhor que nom entres -aconselhou ela.
O Ricardo assentia. Tratava-se de um professor muito de temer, tinha em conta os pontos negativos
quando fazia o resumo final das notas que se iam acumulando durante os controlos.
-Eu tampouco sei lá muito ...Queres que fique contigo?
-Anda, faz-me companhia!
A final ficaram os dous na cafetaria da Escola. Falarom por uma hora de tudo. Como ela se divertia
por Madrid... Ele contou que jamais estivera em cidade mais hostil para os forasteiros... Nom deixava ocasiom
para defenestrar a capital do império como gostava de chamá-Ia. Concordava em que na Galiza as cousas do
divertimento, para os jovens, estavam mais popularizadas ...Menos comercializado...
O Ricardo propuxo-lhe ir bailar o próximo domingo a uma sala de festas da que lhe tinham
falado: "Las
Carrozas"; ela mordia os lábios para nom soltar-se a rir a gargalhada.
-Porque ris?
-É que essa sala resulta curiosa ...É a das avós!
Soltarom a rir os dous colhendo-se da mão e aproximando as cabeças... Nesse momento ela ficou séria
e Ricardo tirou importância ao facto soltando-lhe um beijo no nariz. A Maria do Carmo ficou, por um instante,
calada e olhando para os olhos sem soltar-se da mão:
-Sabes que me gostas, verdade? -perguntou ela.
-Sei...
De novo permanecerom em silêncio outro instante. Estavam a ponto de sair da aula os demais
companheiros e o Ricardo tinha pressa por concretar um dia para ir de brincadeira. Ademais aquela moça
prometia... E o Aveiro andara já demasiado tempo em "dique seco"; nom podia seguir por mais tempo aquela abstinência.
-Logo em que ficamos?
-Para que aguardar ao domingo? Tu nom podes sair na quinta-feira?
-Podo -dixo o Ricardo.
-Pois, se queres, imos a um baile que há em Sol. Eu te ensinarei ...Ela parecia conhecer muitos locais
de diversom em Madrid. Nom se percatava de que isso produzisse no Ricardo certo rejeitamento...
A educaçom cristã rejeitava a uma rapariga liberal, sincera e sem travas puritanistas... Em muitos níveis
da vida o Aveiro é adiantado, incluso mais que seus contemporâneos progressistas, simpatiza com os
movimentos socialmente comprometidos. Mas nisso das mulheres era, ainda contra dos seus desejos, tãm
convencional ...
De regresso no Metro cavilava na Maria do Carmo, recriminava-se por ter sido tãm néscio e ainda sujo no
seu pensar. A Ferreira podia ser uma rapariga honesta e maravilhosa e à vez conhecer todos os bailes e locais
da cidade... Que havia de mau? Como se ia unir a golfaria ao conhecimento?
No trabalho as cousas iam-se-lhe pondo bastante mal... Houvera um roubo numa caixa, e como ele se
tinha responsabilizado dela, recaíra nas suas costas a presunçom de culpabilidade. Indicarom-lhe que fosse
procurando outro emprego. No ramo da hotelaria nom resultava difícil atopar novo patrão... Só tivo
necessidade de sair uma tarde a procurar o trabalho novo! Um restaurante perto da casa, mas com mais horas de
faina. No dia da cita com a Ferreira celebrava-se ali um banquete e fora impossível assistir à cita; o
abandono do posto de trabalho significaria o despedimento; assim que a Maria do Carmo nom quixo saber mais
do Ricardo... Um impostor! Intentou explicar um dia na escola, mas ela nom atendia a razões.
Os dias passavam e pouco a pouco ia-se fazendo à nova cidade ...As cartas dos amigos do antigo grupo
"Lucus" lembravam-lhe já longe o passado, as relações com uma moça que o transtornara; cria-se curado,
incluso estranhava-se agora que tivesse sofrido tanto pola Colensa. Voltou-se frio e calculador. O dureza
estepária encala os corações... Terminou o curso com um resultado positivo e até lhe prometeram novo emprego.
Técnico de instrumentaçom electrónica. Poderia continuar a carreira e realizar, de quando em vez, viagens
pola geografia peninsular.
Comentava o Aveiro à saída da Escola, em que fazia o segundo ano de carreira, com o seu amigo Carlos Lopes:
-Já é hora de que comece a viver algo... O novo emprego é maravilhoso. Eu que estava afeito a que
me explorassem como um escravo!
-Quando viages à Galiza avisa, se podo vou contigo.
-Dacordo.
A empresa tem a sede na rua Alcalá, polo cento e tantos. «Electronic Company». Na Galiza tem algumas
concessões de mantimento de instrumentaçom nas grandes empresas de construçom assim quanto nos bancos.
A Ricardo assinalarom-lhe, junto com outros, a zona do Noroeste, incluída a província de Oviedo.
Abrumado pola sorte dos últimos meses, viera-se a viver para a rua Penhuelas, 18, a douscentos metros
da Escola.
Caía sobre Madrid um ligeiro e agradável orvalho que humedecia o ambiente. O tráfego era mais lento e
complexo do que de costume. O Aveiro fazia repasso dos últimos anos em Madrid dentro do seu próprio
carro. Um Renault, 12, cor azul clara. A vida a fim rolava! Na idade de se incorporar ao serviço militar,
uma "excedência de cupo" eximia-o das obrigações para com a "pátria"... A carreira a ponto de rematar. Se
nom for por aquela espinha cravada no coraçom! Uma menina maldita... Quando se cria curado saía do arquivo
mental o gigante das recordações, atormentando-o. O Ricardo movia a cabeça para os lados dentro do
carro num atasco de tráfego... Ia rolando à altura da Praça de Touros de Ventas, a Electronic
Company estava perto; um dia mais ia-se consumir nas actividades rotineiras,
casa-trabalho- Escola.