Seguindo o caminho do vento

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A viagem

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A central da

    A central da «Electronic Company» estava situada num edifício de quatro andares, todos dedicados ao uso de oficinas e armazéns de materiais, assim quanto a laboratórios. O senhor Suarez, o chefe encarregado do mantimento das concessões do Noroeste, tinha-lhe preparado a Ricardo Aveiro a primeira viagem a Lugo em missom de trabalho. Ele dava saltos de contente. Nom resultaria tãm agradável noutros tempos, mas depois de dez anos ausente! Mas ainda, e entretanto preparava o material na mala do carro, perguntava-se preocupado:
    -Realmente suportarei a presença de alguns sujeitos?
    O cometido era instalar uns terminais electrónicos de computaçom de dados no Banco Pastor, na rua da Rainha; algo sumamente fácil e de execuçom rápida. Dispunha de seis dias a máximo. Suficiente para ver-se com seus amigos... E se aparecia ela, pois a ver o que sucedia! Com o homem ao lado, improvável! Casara fazia alguns anos com o Cervo. Interrogava-se sobre se ela lembraria algo das maravilhosas veladas? Seguramente nem isso!
    O Ricardo queria pensar, sentir segurança de que polo menos ficava algo daquelas fugazes relações de adolescentes... Mas no inconsciente, nesses velozes pensamentos que a gente se apressura a borrar da piçarra imaginária, o Aveiro temia nom possuir nem tam sequer o recordo de uma imagem borrosa na memória da Colensa.
    Às poucas horas o carro do Ricardo rolava para a Galiza sem poder ter avisado ao amigo Lopes. O telefone deste nom o desligara ninguém à chamada efectuada. Imaginava-se como seria o encontro com todos aqueles amigos, os que seguiram em Lugo. Olhava-se com eles passeando uma vez mais sob os suportais e polas angostas ruas com piso de pedra, caindo sobre eles um macio, apacível e reconfortável orvalho. Mas depois fazia contas, calculava, media o tempo com uma vara imaginária e dava-se de conta de que era muito possível que a sua presença na cidade resultara indiferente aos viandantes. Retrocedendo na sua vida dez anos atrás nom seria capaz de caminhar vinte metros sem saudar a algum conhecido ou amigo... Destes últimos só ficava o Pedro Rivelo; também algum conhecido quiçá. O Rivelo estabelecera-se na rua da Marinha com um negócio de hotelaria. Seica lhe iam bem as cousas. Atrás ficavam os seus sonhos de estudos superiores. O primeiro que faria seria visitá-lo.
    Os campos iam colhendo a cor verde, passava-se de um cinzento monótono a uma campinha intensa, cheia de vegetaçom... A raia com Galiza aproxima-se. Atrás ficava a estepa junto com dez anos de desterro voluntário. Também no céu apareciam nuvens esporádicas tapando por vezes os raios do sol.
    Às três da tarde parou a almoçar num hostal, já dentro do território galego. Os camiões aparcados diante anunciavam que se deveria comer bem e barato. Era um edifício de pedra lavrada. As janelas verdes, amplas e de madeira. Seguramente que recém postas. Na entrada havia quatro passos de escada feitos também de pedra. Para chegar ao comedor deixava-se atrás a barra da cafetaria onde vários camionistas comentam as anedotas da estrada. Uma sala grande que ao fundo do primeiro andar estendia-se de norte a sul do edifício. O Aveiro sentou-se ao lado de uma janela desde a que se podia divisar o carro no exterior. Um rapaz jovem atendeu-o:
    -Vinho?
    -Sim, tinto...
    -De primeiro tem caldo galego, feijões, tripas...
    Uma longa lista de cousas citou o moço com agrado e reverência. Interrompeu o Ricardo:
    -Tripas...
    A especialidade que pedira lembrava-lhe as famosas tripas do Porto que provara numa curta viagem que fizera lá. Pensava que se devia estar fazendo velho. Todo aquele interesse pola gastronomia era mais próprio das pessoas para as que os únicos prazeres da vida reduzem-se à panela... Achava curioso. Dali a duas horas estava em Lugo falando com o Pedro na rua da Marinha. Nom se atrevera a ir ainda polo Central. Contava ao amigo os assuntos do trabalho. As saudades e inquietações que sentira nesses anos.
    -Ali passo-o muito aborrecido. Quanto sinto em     falta aquelas festas dos nossos melhores anos Pedrinho! E os meus dezoito mais ainda...
    -Ah!, meu caro! Jamais voltarãm aqueles aninhos tãm bons. É mágoa...
    Deram um repasso às actividades que agora ocupavam aos outros membros do extinto grupo. Toninho trabalhava numa fábrica em Viveiro e casara, José Ribeira seguia solteiro e estudava Industriais em Vigo, começara por segunda vez a carreira. O Afonso, a última notícia que se tinha dele fora que estava trabalhando em Barcelona numa sala de baile.
    O Pedro deu um arrodeio e perguntou polas suas relações com a Colensa. Lamentava-se que apenas saía do negócio. Aveiro guardou silêncio por um tempo e depois dixo:
    -Isso já. Casou com o Cervo. Mas nom volta-che a vê-Ia?
    -Nom...
    -Eu alguma vez olho-a pola Alameda. Creio que põe escola em Guitiriz.
    Passarom tantos anos que o Aveiro ignorava com iria reagir perante a presença da senhora Andreia ou da própria Colensa... No entanto, acompanhado do Pedro, o Aveiro foi para o hotel Mendes Nunes da rua da Rainha. Era o único lugar para hospedar-se na cidade com algo de rango quando ele morava cá... Agora mudara, a cafetaria que antes estava no primeiro andar, agora trasladarom-na para o último. Comunicava a uma terraça desde onde se podem divisar os telhados das casas colindantes. Depois de tomar um golo de Condado e engulir um bocado de peixe, lá forom para o Central. Os camareiros saudarom-no. Só um nom conhecia, fazia pouco que entrara a trabalhar. O local apenas mudara, era curioso, tudo exactamente Igual. O Ricardo fitava atento às paredes, disposiçom das mesas... Incluso o camareiro do exterior servia na mesma bandeja. Bromeavam com ele, dando mostras de uma familiaridade que Ricardo agradecia.
    -O Aveiro? O mais pândego moço que pisou Lugo...
    Ele ria e tirava importância com um leve aceno da mão direita para o chão.
    Perguntarom-lhe polos estudos, polas cousas de Madrid. Nom podia compreender como em "províncias" despertava tanto interesse a "Vila e Corte"? Contou que trabalhava numa empresa ianqui, que lá fazia muito calor, ou um excessivo frio, dependendo da estaçom climatológica. (Três meses de inverno e nove de inferno). Que como dixera Rosalia, mais valia uma erva dos nossos campos frescos que toda a esteparia junta. O relógio marcava as 22 horas e todos prometiam um jantar ao recém-chegado, ele recusava; já pagara no hotel. Cousas da "Electronic Company"... As mesas interiores do Central estavam cheias de gente. Alguém se levantou de um recanto dando berros:
    -Mas se é o nosso amigo Aveiro!
    O Ricardo e o Pedro ficarom quietos. O Aveiro nom recordava tratos com ele. Como nom fora a esposa a que lhe tivesse contado? Sabia, sim, dos modos presunçosos e arrogantes... Nom davam crédito ao que viam os seus olhos. O mesmo Cervo fazia-se caminho por entre as mesas para saudá-Io. Aveiro olhou para a mesa de onde procedia o acólito e ali estavam Colensa e outra senhora que à primeira vista nom conhecera, logo resultara ser a senhora Andreia, algo avelhentada... O Ricardo botava pragas ao Aspirino para si próprio:
    -Porco indecente, acima com burlas!
    O Aspirino saudou socarronamente tendendo-Ihe a mão. O Ricardo sem dizer nada, observava espantado o aparente gozo do Cervo pola presença deles.
    -Aqui o tens! -dixo o Pedro. Um veterinário feito...
    O Aveiro assentia com a cabeça e poIo rabinho do olho olhava para a mesa. A Colensa e a mãe levantaram-se. Vieram saudá-Io. Deu um abraço de reconciliaçom à senhora Andreia, logo olhou de cima para baixo à Colensa e tendendo-Ihe a mão deu-lhe um beijo no rosto. Nesse momento o Cervo guardou silêncio. A mãe da Colensa convidou-o a jantar. Ante a negativa dele, insistia em que nom podia fazer isso... Era ainda algo da família, lembrava-lhe a senhora Andreia.
    -Se eu nom esqueço nada, senhora Andreia! - dixo o Aveiro altivo e soberbo.
    Aquela asseveraçom fixo que todos ficassem violentados. Pronto tirou ferro o Aspirino:
    -E diz-nos ...:Como che vai a vida?
    Aproveitou o Ricardo, levado por uma vaidade pouco comum nele, para passar-Ihes os triunfos polos focinhos. Exagerava a responsabilidade das suas missões dentro da empresa. Também falava da publicaçom de extensos artigos seus em revistas, quando nom passaram de minúsculos trabalhos ou simples cartas ao director.
    -Isso está muito bem! -exclamou a sr.ª Andreia.
    -Comecei a ter algo de sorte quando me fui de Lugo, senhora Andreia ...Afirmou rotundo e soberbo o Aveiro.
    Deixou de novo emudecidos aos Cervos e mãe. O Pedro rompeu o silêncio empendorando a seu amigo, antes de concluir voltou à carga o Aspirino:
    -Vem ver-nos polo menos a nova mobília...
    A isso acedeu. O Pedro acompanhou-os também. Caminhavam já para a rua dos Cravos formando um primeiro grupo a senhora Andreia, Pedro e o Aspirino. Mais atrasados seguiam-Ihes a Colensa e Ricardo. Fôra ela que com o seu descaro habitual distanciara-se dos demais, falava sem parar ...O Aveiro escutava assombrado e um tanto remisso. Logo ao passar diante do banco da Alameda onde eles costumavam conversar, o Ricardo lembrou-lhe que ali tinham estado muitas vezes... Ela assentiu e dixo:
    -Nom me fagas pôr vermelha ...
    -Mas ainda lembras?
    -Claro. Pensas que sou de ferro?
    -Nom me explico, entom...
    Andaram uns metros e já na porta da casa Aveiro recordou-lhe que no dia seguinte iria tomar café ao Central a isso das duas da tarde. Ela calou e introduziu-se na casa... Já os cinco num só grupo subiam a escada. O elevador estava estragado. No entanto subiam em silêncio, devagar e com respiraçom forte -principalmente a senhora Andreia-, a imaginaçom do Aveiro transportou-se anos atrás... Fora um dia, tal como hoje com o elevador estragado, que se lhe declarara à Colensa ...Entom adorável, brusca, dura, imprevisível e magra. Tudo combinado que fazia dela um ser hipnotizador ...Apenas entrar no andar, o primeiro que fixo o Ricardo foi lançar uma olhada ao quarto da esquerda, outrora de estudo dele, hoje o escritório do veterinário. O interesse polo estado do gabinete foi tãm descarado que nom passou despercebido na mente dos demais... Nesse momento o Aspirino informou-lhe das mudanças feitas no antigo quarto! Depois seguiu explicando daqui e dacolá... Aquele marco talhara-o nom sei quem, aquele outro o artista tal...
    -Tãm repugnante como me esperava! -cavilou para si próprio o Aveiro.
    De súbito, Ricardo fingindo uma cita esquecida com o director da sucursal do Banco Pastor, saiu com o Pedro disparado:
    -Nom podo aguentá-lo! -dixo o Ricardo descendo as escadas.
    -É vaidoso, nom há dúvida.
    O Pedro e Aveiro despedirom-se asinha, o visitante encontrava-se cansado da viagem e nom aceitou jantar. De manhã esperava-lhe uma jornada de trabalho.


    No dia seguinte, tudo o cedo que pudo, dirigiu-se com o material de montagem à sucursal do Banco para ver de instalar o terminal de computaçom. O lugar onde se ubicavam as oficinas encontrava-se defronte ao hotel, no outro passeio da rua. O sol luzia esplêndido e sem interferência das nuvens habituais. As pombas revoavam por cima dos telhados naquela manhã renascente e nova em que o Ricardo se reencontrava com o passado.
    Quando calculou o trabalho a realizar compreendeu o benevolente que fôra o chefe ao conceder-lhe os dias para a missom. Bromeava com as raparigas empregadas na sucursal. Propunha-lhes mudar de trabalho... Elas aceitavam gostosas.
    Mais tarde chegou o director da sucursal que resultava ser um antigo vizinho da rua dos Cravos. Saudarom-se afectuosamente e falarom de como estava Madrid, a vida agitada... A sequir, o trânsito. O director propuxo-lhe tomar café às três no casino. Ele desculpou-se alegando estar já comprometido no Central... Sem querer revelou o lugar!
    -Pois já me passarei... Mas nom podo, maldita seja! Tenho que ir recolher a mulher que chega de viagem...
    O Ricardo celebrava que o director nom pudera acompanhá-lo à hora do café.


    No relógio do Palácio Municipal soavam as duas da tarde. O Aveiro fazia minutos que aguardava sentado ao fundo, no Central. Nom sentara na mesa de sempre, podia trazer maus resultados! Ainda o sino do relógio nom concluira, quando já Colensa entrava pola porta. Ele, nervoso, levantou-se e permaneceu de pé até que ela sentou. O camareiro, presto, inquiriu:
    -O de sempre, senhor Aveiro?
    Ainda lembrava os gostos do Ricardo, um café só com uns pingos de conhaque.
    -Sim...
    -À senhora Colensa há-de ser com leite?
    -Com leite, sim.
    Depois que forom servidos, estiverom um grande pedaço de tempo sem saber que contar-se. O silêncio fazia-se-Ihes já violento. Ela propuxo:
    -Por que nom imos dar uma volta às encostas do Parque? Estãm muito mudadas ...Seguramente que nom as reconheces.
    O Ricardo sorriu e dixo que primeiro dariãm um passeio pola muralha:
    -Como nos velhos tempos...
    Lugo desfrutava de um dia apacível e sereo, a folhagem das árvores apenas se movia. Quando iam passando à altura da Porta de Santiago, Aveiro lembrou os dias tristes nos que ia vê-Ia passar com o Aspirino de braço... O Ricardo sentia como se no peito tiver um ferro ardendo, profundo e desgarrador que lhe impedia falar. A Colensa guardava um silêncio de cúmplice insuportável.
    -Que mau o passei -dixo o Aveiro.
    Ela lamentou que tivera sucedido a desavenência.
    Dixo que ela sofrera muito mais do que ele seguramente pudera imaginar. Contou também que o queria. O Ricardo perguntou, entom, que se se referia a antes ou ao presente.
    -Quixem-te e quero-te...
    Ricardo mostrava-se surpreendido, era incrível... Nom compreendia! À vez que era maravilhoso o que ouvia, resultava-lhe também insuportável e indigno... Como casara logo com o Aspirino?
    As cousas, por vezes, som complexas e nom tenhem nada de lógica. Nem tudo é ou branco ou preto... Ela explicou que o queria mas nom se percebera até depois do casamento.
    -Eu amava-te, resultou-me muito difícil prescindir do teu amor. Mas tu ias por aí de bailes, eu sabia-o.
    Sem dar-se conta andaram já a muralha e iam polo Parque de Rosalia... Detiveram-se a contemplar o Minho que lá no fundo, descia com as águas azuis e serenas.
    Nunca o Aveiro achou tam belo o rio, com as suas margens verdes, as águas desciam como uma gigantesca cobra azul arrastando-se debaixo das pontes...
    Ricardo prometia-lhe a felicidade se se fugava com ele para Madrid, mudariam de domicílio e ninguém os encontraria jamais. A Colensa assegurava que também amava ao Aspirino... Nom era fácil! Contava maravilhas do marido, era uma mina de dinheiro... Como podia oferecer-lhe o Aveiro todas as possibilidades que o marido punha nas suas mãos? O Aveiro propuxo ir passar a tarde a um hotel:
    -Seria maravilhoso, meu amor, como antes!
    Também rejeitou aquela proposta. Achava-a lasciva, atrevida... Foi entom quando lhe entrou a pressa. Queria regressar para o Central, às quatro ficara ali com o marido.
    -Outra vez o indivíduo esse! Se o houver matado no seu dia -pensava para si próprio.
    O Ricardo cavilou mil cousas no curto espaço de tempo que tardarom em atravessar o Parque. Fôra ali onde tinha passado instantes bem felizes e outros nom tanto! Nunca como agora encontrara tam belo o lugar. A Colensa caminhava apressurada e escutava o que o Aveiro suplicava. Ricardo queria mais ...Ela dava-se por satisfeita com ter-lhe contado que ainda o queria em silêncio... Sentia-se feliz -dizia -sabendo-se correspondida no seu amor puro.
    Entanto aguardavam no Central ao marido, ela contava cousas da Escola de Guitiriz, dixo que pedira para ali porque em Sárria havia um colega que semelhava a cara do Aveiro:
    -Tinha medo. Nunca atraiçoara ao Cervo e nom desejo fazê-Io.
    -Amanhã vais trabalhar?
    -Vou...
    O Aveiro ergueu-se da cadeira para ir-se, nom queria tropeçar com o Aspirino. Despediu-se e prometeu voltar a vê-Ia antes de partir para Madrid... Sentia nos seus ossos a frialdade da mesma maneira, tãm cruel como antes. A Colensa tinha a estranha qualidade de em tãm só dous minutos fazer-lhe conceber a mais grata das esperanças e ao mesmo tempo, com o seu comportamento desconcertante, indiferente e duro, fazer-lhe sentir a pessoa mais desgraçada. Ia de mau humor e gesticulando... Passeou um pouco, devagar, pensativo; de vez em quando olhava para trás, tinha a sensaçom de que o perseguiam. Colheu a rua de Correios e diante de uma livraria parou-se a ver livros na montra. O sujeito reflectia a sua imagem no vidro, tinha a pele escura e aspecto desastroso. Quando o Ricardo ia empreender de novo a marcha, adiantou-se-lhe e ofereceu-lhe toda classe de quinquilhadas:
    -Chocolate, preservativos...
    O Aveiro soltou-se a rir a gargalhadas. Nom podia acreditar, preservativos?
    -Sim. Também lhe podo vender uma pistola.
    O Ricardo fitou-o fixamente, duvidou... Mas aceitou vê-Ia; nunca se sabe no que a gente se pode encontrar!




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